A concessão dos metrôs públicos e suas polêmicas

Publicado em 01/07/2019 às 8:00 | Atualizado em 28/02/2022 às 9:27
Sistema da  RMR sofre um histórico desmonte de recursos. Foto: Diego Nigro/JC Imagem
FOTO: Sistema da RMR sofre um histórico desmonte de recursos. Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Governo federal está dando como certa a privatização da CBTU a partir de 20021. Metrô do Recife entra no pacote. Fotos: Bobby Fabisak/JC Imagem  

 

As notícias de que a onda de concessões à iniciativa privada do governo presidencial de Jair Bolsonaro chegou aos sistemas de metrô do País que ainda são públicos começou a gerar reações e críticas no setor. Na segunda-feira (24), a Resolução número 60, assinada pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimento da Presidência da República (PPI), recomendando a inclusão da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. (Trensurb) no Programa Nacional de Desestatização, gerou mais confusão. De forma geral, metroviários, sindicalistas e gestores do setor são contra o processo. Alertam para os riscos e impactos que os sistemas sofrerão, com repercussão direta na população, que passará a pagar por tarifas mais caras sem a certeza de um serviço melhor.

Não sou contra a privatização. Acho que ela pode ser até boa para os sistemas. Mas é importante que o governo não a veja como uma forma de se livrar dos metrôs públicos do País. Em transporte, o Estado nunca pode se ausentar”, alerta Fernando Jordão, professor da UFPE  

A desestatização da CBTU é tida como certa no governo federal – a da Trensurb poderá ser revista. Além do metrô do Recife, a CBTU opera com muitas dificuldades financeiras os sistemas de João Pessoa (PB), Natal (RN), Maceió (AL) e Belo Horizonte (MG) e todos – pelos planos da União – seriam estadualizados para, depois, serem privatizados. O edital de licitação pública seria publicado no segundo semestre de 2021 e o leilão aconteceria no primeiro semestre de 2022. A reportagem tentou conversar com o governo federal, mas foi ignorada pela Casa Civil da Presidência da República, que segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) é quem está se pronunciando sobre o assunto. A CBTU também silenciou. Embora nos bastidores a informação seja de que a companhia é contra o processo, disse por nota apenas que seguirá o cronograma definido pela União.

37% dos postos de trabalho são fechados depois da privatização de empresas e instituições públicas. No caso do transporte, tarifas sempre aumentam

600 milhões de reais/ano é quanto o poder público tem repassado para metrôs privatizados, como a Linha 4-Amarela de São Paulo e o sistema de Salvador

884 serviços públicos foram reestatizados no mundo desde 2000 porque a privatização não deu certo, segundo estudo do Transnational Institute  

 

Sistema da RMR sofre um histórico desmonte de recursos. Foto: Diego Nigro/JC Imagem    

 

Em Pernambuco, a reação foi a pior possível. “Somos contra, sim, tanto sob a ótica do trabalhador metroviário como pelo caráter social que o metrô perderá. Veremos a tarifa subir sem garantias de que a oferta de serviço será melhor. Isso aconteceu na privatização da SuperVia, no Rio de Janeiro. Funcionários foram demitidos, linhas extintas e a tarifa aumentou. A verdade é que o metrô do Recife, assim como outros, nunca teve a atenção financeira devida. Houve um sucateamento histórico intencional para facilitar a privatização”, critica o atual presidente do SindMetro, Adalberto Ferreira.

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Fernando Jordão, professor de engenharia da UFPE e especialista em sistemas metroferroviários, pensa diferente. Acredita que a concessão pode ser boa para os sistemas de metrô públicos, mas faz importantes ressalvas. “Acredito que a iniciativa pode, sim, colaborar. Mas é preciso considerar as peculiaridades de cada metrô e, principalmente, entender que a desestatização não pode ser vista pelos governos como uma forma de se livrar dos metrôs públicos do País. Em transporte, assim como em energia, o Estado nunca pode se ausentar porque o privado só visa o lucro e, pensando assim, a conta chegará. Isso é certo”, analisa.

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Os críticos à desestatização da CBTU têm inúmeros argumentos contrários ao processo. O principal deles tem como referência a relação entre Estado e iniciativa privada nas últimas concessões do setor. Citam a Linha 4 – Amarela do metrô de São Paulo, a primeira do sistema estatal a ser privatizada, e o metrô de Salvador, que é operado pela CCR. Argumentam que os dois sistemas têm contratos que, para manter o equilíbrio econômico-financeiro, exigem aportes milionários do poder público.

Esses aportes variam entre R$ 550 milhões e R$ 600 milhões por ano. São valores para compensar a diferença de passageiros transportados. “Com um investimento desse valor por ano, o metrô do Recife seria superavitário. Seria possível sair de 400 mil passageiros/dia para 600/700 mil. O governo não gasta com as estatais, mas tem gasto com a iniciativa privada. Assim é fácil privatizar”, critica um metroviário, sem se identificar. A superintendência do metrô do Recife não quis se pronunciar sobre o tema.

OS EXEMPLOS PELO MUNDO  

Fotos: AFP/Fotos Públicas Madrid A rede do metrô de Madrid é uma das maiores do mundo, tanto pela extensão (283,8 km) como pelo número de estações (302). É operado pela empresa pública "Metro de Madrid S.A. Transporta mais de 650 milhões de passageiros por ano.

Londres O metrô de Londres é o maior do mundo, com 408 km de rede. Foi privatizado e, há dez anos, reestatizado porque o serviço ficou muito ruim.

 

Chicago O sistema é gerido pela estatal Chicago Transit Authority. Estuda a possibilidade de PPPs.

 

Paris O metrô de Paris já foi gerido por empresas da iniciativa privada mas, atualmente, a gestão é feita pela estatal RATP Group. Tem 213 linhas.

 

Nova York A construção do metrô foi feita de forma mista, com fundos públicos e privados. Houve linhas privadas, mas hoje é público, com gestão feita pela New York City Transit Authority. Tem 368 km.

 

São Paulo A Linha 4 - Amarela do metrô de São Paulo é administrada pela empresa ViaQuatro, pertencente ao grupo CCR. É a primeira linha de São Paulo operada pela iniciativa privada.

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