Taxistas estão virando motoristas da Uber e da 99

Publicado em 15/07/2019 às 8:08 | Atualizado em 11/05/2020 às 13:40
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Queda de 50% nas viagens e crise econômica têm feito com que taxistas migrem para os aplicativos de transporte privado. Fotos: Diego Nigro/Arquivo JCImagem  

 

Um caminho sem volta. Antes inimigos ferrenhos, taxistas e motoristas de aplicativos de transporte privado de passageiros estão virando uma coisa só. Forçados pela queda de pelo menos 50% nas corridas e pela crise econômica, os motoristas de táxi começaram a migrar para os aplicativos Uber e 99 em Pernambuco. Não existem dados estatísticos dessa migração por duas razões: as operadoras de apps não questionam qual a profissão exercida pelos motoristas antes de se cadastrarem na plataforma e as prefeituras fazem o mesmo quando há devolução das praças, que são permissões públicas. Extraoficialmente, o Blog MoveCidade apurou que 668 praças foram transferidas e devolvidas à Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) de outubro do ano passado até agora.

 

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Em Olinda, cidade da Região Metropolitana do Recife, aconteceram 37 transferências de praças do início do ano até o dia 11 de julho. Em seis meses, o município fez o movimento de um ano quase inteiro – em 2017 foram 33 e, em 2018, 42 transferências. Não se sabe se essas devoluções e transferências significam que os taxistas migraram para os aplicativos, mas confirmam a percepção das ruas, em conversas com motoristas-parceiros dos apps e também de táxi. Somente um dos principais frotistas do Recife já teria devolvido 20 permissões recentemente. É importante destacar que a legislação que rege o transporte por táxi na capital – a ultrapassada Lei Municipal 17.537 de 2009 – permite, mas não delimita, por exemplo, a quantidade de permissões adquiridas por pessoas jurídicas, o que sempre gerou monopólios de praças e a precarização do serviço de táxi com a subcontratação de motoristas.

Antes de migrar para os aplicativos, entretanto, os taxistas que têm as permissões transferíveis (que podem ser repassadas a terceiros. As intransferíveis são aquelas que já foram repassadas e, por isso, só podem ser herdadas por parentes de primeiro grau) estão vendendo-as. Oficialmente, o comércio de praças é proibido e – aos olhos dos gestores públicos – inexistente por tratar-se de uma permissão pública. Ou seja, o verdadeiro dono é o município. Mas no mundo real, é bem diferente. A comercialização é fato e todos sabem. Já foi um grande negócio, mas deixou de ser. A praça de táxi do Recife, que antes dos apps Uber e 99 chegou a custar R$ 140 mil, agora não vale mais do que R$ 20 mil. E, mesmo assim, tem sido vendida com dificuldade. Não só na capital, mas em algumas cidades do Grande Recife. Um motorista de Jaboatão dos Guararapes, por exemplo, comemorava a venda da praça de táxi da cidade, um ano atrás, por R$ 20 mil. “Comemoro porque consegui repassá-la. Está cada dia mais difícil fazer isso porque o mercado está muito ruim. Tive que me render e ir para a Uber”, conta o ex-taxista Célio Silva.

668 permissões de táxis do Recife teriam sido devolvidas de outubro até agora. A CTTU nega e diz que foram 14 desde 2017

50% é a queda no movimento das corridas de táxis que vem sendo registrada desde que os aplicativos chegaram ao Recife

   

  Os motoristas de táxi estão devolvendo as praças ou repassando-as porque não conseguem mais cobrir as despesas de recadastramento – um custo de aproximadamente R$ 500 por ano, sem considerar atrasos, aferições extras do IPEM e multas de trânsito. “De fato, a migração para os apps está acontecendo. Principalmente entre os motoristas que pagam renda. Eles precisam sobreviver e o mercado está muito ruim depois dos aplicativos. Perdemos pelo menos 50% das viagens. A devolução é outro movimento que também está acontecendo por essa razão e devido à crise econômica”, confirma Wellington Lima, presidente da Cooperativa dos Taxistas de Shoppings (CoopeShopping).

As questões que envolvem os sistemas municipais de táxi, entretanto, nunca são facilmente tratadas pela gestão pública. É uma verdadeira caixa-preta. A CTTU, por exemplo, levou três dias – e após muita insistência da reportagem – para informar, por email, que apenas 14 taxistas apresentaram requerimento para devolução de suas permissões. Recife tem, há 23 anos, 6.126 permissões de táxis. Jaboatão, ao contrário, informou em menos de 24 horas que, pelo menos por enquanto, não registrou devoluções. O município tem atualmente 700 permissões de táxi e vagas para 900. Já Olinda tem 806 praças disponíveis.

Taxista por 35 anos, Carlos José se rendeu aos apps há pouco mais de um mês

 

“Resisti, mas tive que me render. O táxi se acabou”, diz ex-taxista que migrou para a 99

O ex-motorista de táxi e hoje condutor parceiro do aplicativo 99 Carlos José dos Santos, 53 anos, exemplifica como ninguém a migração dos taxistas para os aplicativos de transporte privado de passageiros. Depois de 35 anos conduzindo um táxi, há pouco mais de um mês se rendeu às plataformas que mudaram a lógica do deslocamento urbano. De conversa solta – como a maioria dos taxistas –, Carlos conta que resistiu o quanto pode a migrar, mas que a situação ficou insustentável. “Tive que me render. Não tinha outro jeito. Não estava conseguindo pagar as contas de casa. Por sorte já construi muita coisa com o táxi. Tenho casa própria, casa de praia, criei três filhos, que hoje já são homens feitos. Mas não dava mais para continuar. O táxi se acabou com os aplicativos. As pessoas só usam 99 e Uber”, conta.

Apesar do pouco tempo na plataforma, Carlos diz estar satisfeito com o novo trabalho. Destaca que as diferenças são muitas e exigem um esforço maior do motorista. Mas o retorno acontece e permite seguir a vida. “É como se você tivesse que, para cada corrida de táxi, realizar duas de app. É preciso trabalhar muito e usar o gás como combustível para ter mais lucro. Mas trabalhando a renda vem. Já estou conseguindo tirar 50% a mais do que tirava no táxi”, diz. O ex-taxista, inclusive, se diz impressionado com o movimento dos apps. “A demanda de passageiros é impressionante. Assusta. Você não tem tempo de parar para fazer um lanche ou fumar um cigarro, por exemplo. Precisa desligar o aplicativo. Nunca vi um movimento desses no táxi. Nunca. Acho que havia uma grande carência da população e, por isso, os apps deram tão certo. As viagens são curtas, mas constantes”, afirma.

Pai de dois filhos que são motoristas da 99, Carlos lembra que sentiu um grande desgosto quando o primeiro filho virou motorista parceiro. Mas foram os filhos que o ensinaram a simpatizar com o serviço e abrir sua cabeça para a possibilidade, já que o mercado para o táxi estava ficando cada vez mais difícil. “Consegui repassar minha praça por R$ 20 mil com muita sorte. Dói na gente, principalmente quando lembro que já valeu R$ 120 mil, R$ 80 mil. E só consegui porque um amigo iludido quis. Mas agora comemoro porque estou gostando do que faço e recebo muitos elogios porque os passageiros percebem a diferença do serviço quando é oferecido por um ex-taxista”, destaca.

 

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Taxistas reagem e lançam app com 40% de desconto nas viagens

Apesar do cenário ruim, os taxistas seguem tentando retomar o mercado e esboçam mais uma reação nesse sentido. Lançam, no fim do mês, o aplicativo Táxi PE, que chegará oferecendo 40% de desconto aos passageiros permanentemente. Além disso, explora o fato de os táxis serem os únicos veículos particulares que podem utilizar as faixas exclusivas de ônibus, o que permite viagens bem mais rápidas. O ganho de velocidade dos coletivos que conseguem utilizar alguns dos oito trechos de Faixas Azuis que o Recife possui impressionam: é superior a 100%.

Conheça o app TÁXI PE

“Esse é o nosso principal marketing porque os aplicativos de transporte, apesar do preço, não podem usar as faixas. Junto com o preço bem mais em conta que estaremos cobrando, queremos fazer com que o passageiro volte a andar de táxi. Sabemos que muita gente considera o serviço muito melhor do que Uber e 99”, afirma Lúcio Mauro, presidente da Associação dos Taxistas e Condutores Auxiliares de Pernambuco, que criou o app com o apoio de concessionárias de veículos, de uma convertedora de gás natural e de uma empresa de tecnologia.

Outra vantagem do app é o baixo desconto feito no valor das corridas. “O taxista perderá apenas 5%. Um percentual que estamos cobrando para garantir a manutenção e a propagando do aplicativo. Faz uma grande diferença quando o motorista lembra que os descontos da Uber e da 99 chegam a 40%”, reforça Lúcio Mauro.

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