Nina Mobile: criamos, mas não temos

Publicado em 20/08/2019 às 13:53 | Atualizado em 11/05/2020 às 9:48
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Plataforma ficou em segundo lugar no desafio do Coletivo, programa de inovação criado pelo setor de transporte público. Fotos: Nina  

 

Criamos, mas não temos. Essa é a realidade da Nina Mobile, uma tecnologia desenvolvida para ser integrada aos aplicativos de transporte público das cidades e combater o assédio sexual nos mais diferentes modais da mobilidade urbana – ônibus, metrô, trens e aplicativos de transporte privado, por exemplo. A Nina foi criada pela pernambucana Simony César, que já foi vítima da violência e sempre temeu pela segurança da mãe – uma ex-cobradora de ônibus. Virou projeto-piloto em Fortaleza em março passado, tem feito muito sucesso na capital cearense, com mais de 930 denúncias em quatro meses de funcionamento. Mas, mesmo assim e apesar de conversas já realizadas com o governo de Pernambuco, segue sem perspectiva de chegar ao Sistema de Transporte Público da Região Metropolitana do Recife.

A capital cearense abraçou a tecnologia desenvolvida por Simony César e foi a base para a criação do Programa de Combate ao Assédio Sexual no Transporte Público de Fortaleza, virando case de sucesso no País. “O assédio sexual contra mulheres no transporte é algo sério, permanente e pouco denunciado pelas vítimas. Por isso a importância da Nina. Os números obtidos em Fortaleza mostram essa força e a necessidade de as cidades usarem a tecnologia para impulsionarem as políticas públicas de combate a esse tipo de crime. Por isso queremos atrair cada vez mais parceiros e chegar ao Recife”, afirma Simony César.  

“Eu estava no ônibus, voltando para casa, quando ouvi uma algazarra na parte de trás do veículo. Vi uma moça falando que um homem tinha ejaculado numa mulher. O homem tentou fugir pulando pela janela e alguns passageiros homens tentaram segurá-lo, sem sucesso. Ele quebrou a janela, pulou e saiu correndo nu porque a roupa rasgou na confusão. Foi muito ruim. No mesmo momento eu falei com amigas minhas num grupo de WhatsApp e me falaram da Nina, que estava disponível no aplicativo dos ônibus da cidade. Quando cheguei em casa fiz a denúncia. Tinha os dados do ônibus e coloquei tudo. Eu acho importante ter essa opção para que esses casos fiquem registrados. Não é a primeira vez que isso acontece, inclusive na mesma linha em que eu estava. Com a Nina você tem certeza de que os casos ficam registrados”, Gabrielle Lohanna de Paiva Santos, 19 anos, estudante cearense  

 

Nina não é um app. É um API para ser instalado no aplicativo de ônibus das cidades  

 

As estatísticas existentes sobre o assédio sexual em ambientes públicos – embora ainda frágeis e embasadas em estimativas – reforçam o que a CEO da Nina Mobile afirma. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 8 milhões de casos de assédio sexual no transporte público aconteceram em 2016. E estima-se que esses números representem apenas 10% dos casos por causa da subnotificação comum a esse tipo de denúncia. Já uma pesquisa do Instituto YouGov, realizada em 2018, apontou que 86% das mulheres do Brasil já foram assediadas em espaços públicos.

“Essa é outra vantagem de as cidades adotarem a Nina Mobile: vamos conseguir dar voz a essas mulheres e gerar dados estatísticos sobre esse tipo de crime. Não podemos ignorar que 8 milhões de mulheres foram assediadas em transportes públicos no Brasil em 2016. Que muitas mulheres precisam mudar suas rotas, suas escolhas, suas profissões por medo da violência no transporte público ou no caminho para ele. E que o assédio sexual em ambientes públicos só virou crime no Brasil em setembro de 2018. Por isso quero tanto que a Nina chegue ao Recife”, reforça Simony César.

 

“Eu estava vindo da casa de praia de um amigo em Gaibu (no Litoral Sul de Pernambuco) por volta das 17h30. O ônibus estava super lotado, mas mesmo assim eu preferi dar o lugar para meus amigos sentarem. Não imaginava que algo pudesse acontecer comigo. Esse homem estava atrás de mim e, depois de tudo, soube que antes de fazer comigo, já tinha importunando uma outra mulher. Eu senti que ele estava excitado, mas não quis acreditar que aquilo estava acontecendo. Podia ser um telefone, uma carteira. A gente fica com medo de ser chamada de mentirosa. Foi quando eu pedi ajuda a meu amigo. Ele viu o homem excitado e começou a fazer confusão no ônibus. O motorista parou e ele teve que descer. Na época não prestei queixa porque não sabia como seria tratada nos órgãos policiais”, Nayanne Felix da Silva, 24 anos, estudante pernambucana  

A equipe da Nina Mobile já teve uma reunião com o secretário de Desenvolvimento Urbano de Pernambuco, Marcelo Bruto, para tratar sobre a operação da tecnologia no sistema de transporte da RMR e, embora o Estado tenha demonstrado interesse, não há uma data prevista. “Queremos, sim, e estamos discutindo uma forma de conseguir patrocínio para o projeto. Ele terá que estar atrelado ao Simop (Sistema Inteligente de Monitoramento da Operação), previsto para estar totalmente em operação em janeiro de 2020”, afirmou Marcelo Bruto. O custo de implantação do projeto Nina na RMR seria de R$ 504 mil (em média) por ano. Além desse valor, é cobrada uma taxa de consultoria para implantação de R$ 45 mil, paga uma única vez.






  FUNCIONAMENTO

O uso da Nina é fácil. Depois de baixado o aplicativo de transporte no qual ela estará integrada, a pessoa faz um cadastro e realiza a denúncia de assédio. Com a identificação dessa denúncia, a vítima deve procurar uma das unidades de apoio à violência contra a mulher que devem integrar a política de combate ao assédio sexual criada pelas cidades.

As informações das denúncias feitas através da tecnologia Nina são reportadas para um painel de controle que pode ser acessado pelos órgãos de segurança pública, prefeituras e por empresários do transporte. A tecnologia tem potencial para unificar vários modais (ônibus, metrô, transporte por aplicativos, bicicletas) e migrar para políticas públicas.

Em Fortaleza, a Nina é conectada às câmeras de segurança dos ônibus e coleta imagens no intervalo de horário relatado pela denunciante. Com isso, de maneira imediata, são produzidas provas contra o criminoso. Mas depois é fundamental que o caso seja encaminhado à polícia. Em Fortaleza, por exemplo, entre as ocorrências de assédio comunicadas através da Nina de março a junho, 77 foram concluídas com todos os dados necessários para virar inquérito policial. Cerca de metade dessas pessoas eram vítimas. A outra metade, testemunhas.  

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