Fiscalização dos aplicativos de transporte privado começa em novembro no Recife

Publicado em 28/10/2019 às 9:17 | Atualizado em 02/03/2022 às 12:24
BIANCA SOUZA/JC IMAGEM
Os apps assumiram um papel importante de inclusão social na mobilidade urbana. Possibilitaram mais deslocamentos à periferia, onde a oferta de transporte coletivo é menor por estar afastada dos grandes corredores - FOTO: BIANCA SOUZA/JC IMAGEM
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Processo de regulamentação está sendo finalizado e, pela previsão da CTTU, fiscalização dos apps começa no próximo mês. Fotos: Bianca Souza/JC Imagem   A fiscalização dos aplicativos de transporte privado individual de passageiros – como Uber e 99 – está perto de virar realidade no Recife. Segundo a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU), começará em novembro. O processo será amplamente divulgado não só entre as empresas credenciadas, mas também com motoristas e clientes. É o que garante a presidente da autarquia, Taciana Ferreira. A expectativa entre os operadores do serviço, entretanto, é grande porque há muitas dúvidas sobre o processo de regulamentação e, até agora, apenas a Uber se credenciou para operar no município. A empresa 99, que junto com a concorrente tem 30 mil motoristas parceiros nas suas plataformas em Pernambuco (basicamente na Região Metropolitana do Recife), ainda está de fora. Ou seja, se a fiscalização começar sem que haja o credenciamento, ela será considerada clandestina. Pela Lei 18.528/2018, que regulamentou o serviço de Transporte Remunerado Privado Individual de Passageiros (TRPIP) no município do Recife, todo o processo deveria ter sido finalizado desde o dia 12 de setembro, 120 dias após a publicação do edital de credenciamento das empresas interessadas em operar os apps na cidade. Mas Taciana Ferreira argumenta que a regulamentação vai muito além das datas determinadas na legislação e que o objetivo é fazê-la de forma segura para evitar erros e injustiças. “Estamos finalizando a transferência dos dados da Uber, a única empresa credenciada até agora, para nosso banco de dados. Está bem avançado, mas ainda não foi concluído. Por isso, não podemos nos apegar a uma data apenas. Poderíamos iniciar a fiscalização e cometer injustiças com os motoristas. Vou dar um exemplo: o condutor está credenciado corretamente na plataforma, mas, no momento da fiscalização, os dados dele ainda não tinham sido transferidos para o nosso banco”, explica a presidente da CTTU. O banco de dados que está sendo transferido contem informações sobre os motoristas, veículos e viagens, e terá que ser atualizado a cada cinco dias.  

Como motorista de aplicativo, espero por mais informações. Estamos sem saber de nada. E, no meu caso, a situação é ainda pior porque a empresa que estou cadastrado, a 99, sequer se credenciou. Quando procuramos saber o que está acontecendo, ninguém sabe dizer nada. Nem a 99 nem a CTTU. Ouvimos falar da vistoria, mas ela é paga e não podemos fazer para perder depois”, critica o motorista Anderson José dos Santos

    Quando tiver início, a fiscalização acontecerá a qualquer hora e em qualquer local da cidade. Os motoristas poderão ser abordados pelos agentes de trânsito da CTTU não só para confirmação da regularidade do transporte remunerado de passageiros, mas também por irregularidades de trânsito, como parar em local proibido e fazer fila dupla – duas práticas comuns entre os condutores de apps. Mas, segundo a CTTU, o principal foco da fiscalização serão os motoristas que burlam as regras de uso dos aplicativos. É o caso dos condutores que ficam parados em determinados pontos da cidade oferecendo viagens aos passageiros ou aqueles que fazem simulações de corridas por fora dos aplicativos. LEIA MAIS A realidade pós-regulamentação dos aplicativos de transporte Aplicativos de transporte privado estão piorando o trânsito nas cidades, diz estudo Aplicativos de transporte já realizam seis vezes mais viagens do que os táxis no Recife Apps de transporte não podem virar táxi “Embora a fiscalização da prática de transporte irregular de passageiros seja diferenciada, toda a nossa equipe de agentes de trânsito está preparada para atuar. Nas abordagens, contarão com um app, já criado, que permitirá checar se o motorista abordado está ou não credenciado a partir da placa do veículo. Mas lembrando que a autuação será para a operadora. Toda nossa relação será com as empresas”, destaca Taciana Ferreira. A CTTU, entretanto, segue com dificuldades de efetivo nas ruas – são aproximadamente 400 agentes no município. E, para quem não recorda, a multa por realizar transporte irregular de passageiros é de R$ 3.498,37 (Lei 16.856, de 2003), além do recolhimento do veículo.     QUESTIONAMENTOS Apesar da tranquilidade da presidente da CTTU ao detalhar o passo a passo da regulamentação dos aplicativos de transporte individual privado no Recife, operadores e motoristas têm feito muitos questionamentos ao processo. E há muitas dúvidas no ar. A empresa 99, por exemplo, tem dado sinais de que poderá judicializar o processo. Nenhum representante da empresa conversou com a reportagem, mas por nota afirmou que, ainda em setembro, fez questionamentos à Prefeitura do Recife sobre o cadastramento e diversos pontos que ferem a legislação nacional que regulamenta o transporte individual remunerado de passageiros.     Segundo a 99, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que os municípios e o Distrito Federal não podem proibir ou restringir o transporte remunerado individual de passageiros. Alega, ainda, que o edital de credenciamento trata “erroneamente as plataformas como prestadoras de serviço público, quando a 99 é uma empresa privada que presta um serviço inteiramente privado e não sujeito à autorização, concessão ou permissão”. E que, por tudo isso, até agora aguarda resposta. Confira o que diz a 99: “A 99 reitera que aguarda resposta por parte da Prefeitura para os questionamentos feitos pela empresa e protocolados no dia 11 de setembro que dizem respeito ao cadastramento e diversos pontos que ferem a legislação nacional que regulamenta o transporte individual remunerado de passageiros. A empresa mantém o diálogo aberto com o governo para resolver esta questão o mais breve possível”. Sobre os questionamentos, informou: “O Supremo Tribunal Federal determinou no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.054.110 e da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 449 que os Municípios e o Distrito Federal não podem proibir ou restringir o Transporte Remunerado Individual de Passageiros. E o Edital de Credenciamento nº 003/2019 trata erroneamente as Plataformas como prestadoras de Serviço Público. A 99 é uma empresa privada que presta um serviço inteiramente privado e não sujeito a autorização, concessão ou permissão”. Outros questionamentos estão sendo feitos pela Associação dos Motoristas de Aplicativos de Pernambuco (Amape), principalmente em relação ao prazo de vistorias dos veículos. “Causa preocupação o fato de a CTTU estabelecer prazo para fiscalização, haja vista que somente 15 empresas estão credenciadas para atender pelo menos 30 mil veículos. Se cada uma das vistoriadoras atenderem 100 veículos por dia, será necessário realizar 1.500 atendimentos para conseguir atender toda a frota estimada. Esperamos que a CTTU tenha consciência de que é impossível vistoriar toda a frota em um espaço de tempo tão curto e, por isso, prorrogue os prazos”, afirmou Thiago Silva, presidente da Amape. A associação, inclusive, pretende questionar judicialmente as vistorias. A ausência de sinalização de áreas de embarque e desembarque para os apps no Aeroporto Internacional do Recife, Terminal Integrado de Passageiros (TIP) e em grande eventos - como previsto na lei - também é um ponto criticado. Sobre ele, a CTTU explicou que está finalizando o processo e aguarda apenas a validação dos locais pelos gestores dos equipamentos. E que a definição do espaço também depende da conclusão da transferência dos dados. "Precisamos saber se iremos delimitar uma área de três ou de 30 metros, por exemplo", argumenta Taciana Ferreira.   Por enquanto, apenas a empresa Uber se credenciou para operar no Recife. A 99 ainda não fez o mesmo. Foto: Arnaldo Carvalho/JC Imagem   A Amape questiona, ainda, a validade das vistorias, que pelo laudo seria de apenas 30 dias. Esse período diverge do que está previsto na nova legislação – validade de um ano. A presidente da CTTU, entretanto, esclareceu que a autarquia vai considerar o prazo de um ano, contado a partir da data de realização da inspeção. Embora esteja credenciada e na fase final de transferência do banco de dados dos motoristas, veículos e viagens, a Uber não respondeu à reportagem sobre as perspectivas para o processo e o início da fiscalização. AÇÃO CONTRA PREÇO DINÂMICO Pouca gente sabe, mas desde 2016 tramita na Justiça pernambucana uma ação civil pública contra o chamado preço dinâmico praticado pelas empresas de transporte remunerado individual de passageiros por aplicativo. A cobrança, que já chegou a 500% do valor normal da corrida, é feita quando há uma grande concentração de viagens numa mesma área. O questionamento é da Associação Brasileira de Defesa dos Usuários de Veículos (Abuv), sob o argumento de que a prática fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei de Defesa da Concorrência (12.529/2011).  

A fragilidade do consumidor é gritante. A tarifa cobrada flutua e pode chegar a cinco vezes o valor normal. Há casos em que o aumento é até maior. O passageiro cede porque necessita. É um flagrante de aumento arbitrário dos lucros, o que é proibido. É absurdo e por isso entramos com a ação. Mas infelizmente a primeira instância negou o pedido de liminar e até hoje esperamos um posicionamento sobre o agravo de instrumento que impetramos no TJPE”, lamenta Wilson Feitosa, diretor jurídico da Abuv

    Wilson Feitosa, diretor jurídico da Abuv e conselheiro do Procon, explica que o preço dinâmico é, visivelmente, um flagrante de desrespeito ao consumidor. “A fragilidade do consumidor é gritante. A tarifa cobrada flutua e pode chegar a cinco vezes o valor normal. Há casos em que o aumento é até maior. O passageiro cede porque necessita. É um flagrante de aumento arbitrário dos lucros, o que é proibido. É absurdo e por isso entramos com a ação. Mas infelizmente a primeira instância negou o pedido de liminar e até hoje esperamos um posicionamento sobre o agravo de instrumento que impetramos no TJPE”, lamenta o diretor. Outro aspecto que também foi questionado judicialmente é a alteração do valor da viagem durante o percurso. “Essas empresas sempre usaram como diferencial o fato de o cliente saber exatamente quanto iria pagar pela corrida. E, de repente, esse valor é alterado. Isso também é errado. Tivemos uma cliente que foi constrangida por só ter o dinheiro indicado pelo app no início da viagem”, explica Feitosa. O pedido de liminar para suspender o preço dinâmico foi negado pelo juízo da 17ª Vara Cível do Recife. Um agravo de instrumento (recurso) foi impetrado no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), mas até agora sem um posicionamento. Por email, o TJPE informou que o julgamento de mérito do recurso caberá ao colegiado de três desembargadores da 1ª Câmara Cível do TJPE, mas sem dar qualquer previsão, apesar de estar no tribunal há quase três anos. Já o MPPE informou que a 36ª Promotoria de Justiça de Cidadania da Capital, que irá atuar no processo, ainda aguarda intimação e abertura de vista para se pronunciar. Embora o preço dinâmico seja cobrado pelos apps em geral, a ação civil pública citou apenas a Uber porque, na época, a 99 ainda não operava na cidade. Por nota, a Uber afirmou que “a decisão no processo até agora foi favorável à Uber, reconhecendo que não há qualquer irregularidade no preço dinâmico”.    

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