O exemplo de Petrolina no transporte público

Publicado em 05/12/2019 às 8:00 | Atualizado em 08/05/2020 às 14:41
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Petrolina está renovando toda a frota de ônibus e ainda conseguiu reduzir o preço da alata tarifa em 15 centavos. Fotos: Jonas Santos/Prefeitura de Petrolina  

 

É claro que são estruturas completamente diferentes em dimensão, operação, custo e receita, mas talvez o Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife (STPP/RMR) tenha muito no que se espelhar com o novo modelo de transporte por ônibus de Petrolina, uma das cidades mais importantes de Pernambuco, localizada no Sertão do São Francisco, na divisa com o Estado da Bahia. Neste domingo (1º/12) entra em operação o novo sistema de ônibus da cidade com duas grandes mudanças significativas para o passageiro: redução do preço da passagem de R$ 3,70 para R$ 3,56 (14 centavos a menos) e uma frota de ônibus totalmente renovada. De tarifa mais cara do Estado – e uma das maiores do País –, Petrolina deixa para trás 18 anos de transporte deficiente prometendo evoluções básicas no setor, como tarifas um pouco mais acessíveis, veículos mais confortáveis, linhas e percursos melhor distribuídos, integração temporal e controle público da operação. Pelo menos essa é a promessa do prefeito Miguel Coelho (MDB) e de sua equipe, envolvida por 2,5 anos com o processo.

A redução da tarifa pode ser pequena na visão de muita gente, mas o simbolismo da decisão de reduzi-la é inquestionável. Principalmente numa conjuntura nacional em que as passagens do transporte público só aumentam. Ou, no máximo, deixam de ser majoradas, mas reduzidas nunca. Ou quase nunca. O sistema de transporte público petrolinense é uma formiguinha perto do STPP do Grande Recife. Isso é fato. Mas a decisão da prefeitura de refazer o processo de licitação, reduzir a margem de lucro do setor empresarial – minimizando a importância das lamentações dos empresários do setor, conhecidos por sempre reclamarem dos lucros –, exigir tarifas menores e um serviço melhor para os seus 1,4 milhão de passageiros mensais é merecedora de aplausos. Aliás, é de causar inveja a qualquer cidadão.

   

Algumas das mudanças que mais se destacam no novo modelo de concessão – prevista para 15 anos ao valor de R$ 516 milhões – são as exigências da menor tarifa para escolher o vencedor – venceu a empresa de Salvador (BA) Atlântico Transporte, com a proposta de R$ 3,56 –, de renovação completa da frota de ônibus, de redução da Taxa de Retorno de Investimento (TRI) para 9,37%, e de implantação de um Centro de Controle Operacional (CCO) sem qualquer custo para o município. Além disso, foi realizada uma reestruturação das linhas e dos percursos para que a área urbana da cidade fosse melhor atendida. Afinal, a linha mais extensa de Petrolina tem 27 quilômetros (ida e volta) e, em 40 minutos, é possível percorrer toda a área urbana.

José Carlos Alves, secretário executivo da Autarquia Municipal de Mobilidade de Petrolina (Ammpla) e coordenador do processo, insiste que a prefeitura não fez um milagre. Ao contrário, foi apenas decisão política, enfrentamento do monopólio empresarial do setor de transporte público e matemática pensando no que era melhor para a população. “Quem conhece a história do transporte público de Petrolina sabe que há 18 anos era prestado um serviço ruim, caro, que não atendia às necessidades da população e sem qualquer gestão do município. A gestão do prefeito Miguel Coelho decidiu mudar isso. Ignoramos a eterna choradeira do setor empresarial, sempre dizendo ser impossível melhorar o serviço ofertado, e definimos novas regras para a prestação do serviço. Fiz muitas visitas técnicas para defender o novo modelo e evitar que a licitação fosse deserta (sem interessados). Cheguei, inclusive, a sofrer ameaças”, revela, destacando que, sem a decisão pessoal do prefeito de enfrentar a situação, a mudança não seria possível. “Na prática, fizemos valer a autoridade do gestor do sistema, no caso a prefeitura”, resume.

Antes da remodelagem do sistema, a informação era de que o transporte público de Petrolina era muito ruim. Existiam duas empresas operando irregularmente, com concessões vencidas há mais de 18 anos. Não havia investimento, o serviço era péssimo, com ônibus velhos ao ponto de parte da frota não ter condições de rodar.  

 

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  ENTREVISTA/MIGUEL COELHO

O prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (MDB), não restringe à decisão política os méritos por estar remodelando o sistema de transporte público da cidade, oferecendo ônibus totalmente novos e até reduzindo o preço da passagem. Diz que a vontade de mudar orientada por estudos técnicos é a solução. Reconhece que Petrolina é bem diferente da Região Metropolitana do Recife, mas diz ser possível, sim, oferecer transporte com qualidade e um preço mais justo. Esse é o recado.

JC – Qual a receita para conseguir refazer o sistema de transporte público de Petrolina, que há muitos anos tem a tarifa de ônibus mais cara do Estado e uma das maiores do País?

Miguel Coelho – Aceitar que o serviço não era satisfatório, que a população estava cansada foi o primeiro. Transporte coletivo em Petrolina era uma dos três pontos prioritários da população. Poderíamos deixar do jeito que estava e acreditar que a população iria continuar aceitando. Mas como prefeito, seria um erro político e administrativo não pensar em mudar o que existia. Antes da assumir a prefeitura, vimos que a população não permitia mais o que era oferecido. Não era digno nem justo. Assumimos o compromisso de melhorar o serviço, tirar os ônibus antigos e ao menos entregar um serviço melhor. Nós não tínhamos prometido baixar o valor da tarifa, mas quando começamos a estudar a mudança, percebemos que era possível até manter o preço e, felizmente, baixar.

JC – Quais as estratégias adotadas para vencer o monopólio dos empresários de ônibus na cidade? Vocês exigiram tarifas menores e reduziram o percentual de lucro dos operadores... (SEM RESPOSTA)

JC – O que o senhor e sua equipe enfrentaram para conseguir realizar uma nova licitação? Soubemos que houve até ameaças...

Miguel Coelho – Foi um enfrentamento muito duro. Não é simples fazer uma mudança dessa. Claro que tivemos muitas dificuldades de variados tipo, mas isso é passado. Prefiro ver o resultado que estamos entregando. Esse tipo de dificuldade é da vida pública e para ser gestor público, muitas vezes, precisamos contrariar interesses.  

Prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (MDB)  

 

JC – Quais os passos mais importantes e desafiadores do processo? Afinal, ele durou 2,5 anos.

Miguel Coelho – A reestruturação do serviço, o processo de mudança em si, inclusive, na questão judicial, e o enfrentamento político. Pode ser muito tempo dois anos, mas para mudar algo tão impactante numa estrutura tão consolidada, creio que faz até sentido. Óbvio que queríamos entregar o serviço de transporte melhor antes, se dependesse apenas da prefeitura isso já existiria há meses. Mas infelizmente a gente sabe que algo tão complexo não se muda assim rápido. A ruptura foi feita e o que importa agora é que a população terá um transporte mais digno.

JC – Sua equipe técnica diz que, se não houvesse a decisão política, não seria possível comprar essa briga. O senhor concorda que tudo passa pela figura do prefeito?

Miguel Coelho – A decisão política é muito importante, mas os estudos técnicos, as consultas feitas pela equipe da Ammpla e todo o processo de construção da licitação e implantação do novo sistema foram tão ou mais importantes que o compromisso de mudar. É importante dizer que são muitos fatores como bilhetagem, custos de operação, tecnologia que influenciam no resultado final. Portanto, creditar apenas à vontade política seria exagero.

JC – O senhor acredita que, com essas mudanças, a demanda de passageiros aumentará em Petrolina?

Miguel Coelho – Petrolina vem crescendo muito. Saímos de 300 mil moradores há 10 anos para 350 mil atualmente. Nossa cidade voltou a se desenvolver, então existe uma migração que já era histórica por conta da fruticultura e a economia pulsante. Agora com a retomada do desenvolvimento e serviços de transporte, educação, saúde melhores, é natural que cresça a demanda de atendimento a usuários do transporte coletivo.

JC – É claro que são sistemas completamente diferentes, mas qual o conselho que o senhor daria para o gestor do sistema de transporte público da Região Metropolitana do Recife?

Miguel Coelho – São realidades diferentes. O Recife tem outras complexidades. Nossa cidade tem características muito diferentes. Petrolina é muito maior em território, tem uma zona rural enorme, os projetos de irrigação também muito habitados. Já o Recife tem uma superpopulação, a cidade tem morros, enfim, são muitos aspectos. Mas creio, tomando nosso caso como exemplo, que abrir o mercado para concorrências mais amplas, foi fundamental. O transporte coletivo é uma das coisas junto com saúde e educação que mais importa para a população. Se a gente pensar em atender essa demanda como prioridade principal, a população vai olhar o serviço público de outro jeito. É possível, sim, oferecer transporte com qualidade num preço mais justo, mas depende muito de posição, compromisso de gestão, abertura de mercado e estudos técnicos para identificar o melhor cenário.

 

   

 

E A CONCLUSÃO DA LICITAÇÃO DAS LINHAS DE ÔNIBUS DO GRANDE RECIFE?

 

Enquanto Petrolina dá lição ao reestruturar o transporte público da cidade, a licitação das linhas de ônibus da Região Metropolitana do Recife se arrasta. Incompleto há cinco anos – depois de enfrentar mais de dez anos para sair do papel –, o processo segue engavetada pelo governo de Pernambuco. Oficialmente, o discurso do Estado é de que está refazendo os estudos para equilibrar as propostas para cinco dos sete lotes que foram licitados. O argumento continua sendo o mesmo nesses cinco anos: a busca pelo equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, que foram projetados numa época em que o País decolava e Pernambuco voava ainda mais alto.

Em 2018, o Grande Recife Consórcio de Transporte (GRCT) chegou a anunciar que retomaria em breve a segunda e maior etapa da licitação – que envolve praticamente 70% da rede de transporte, até hoje operando com permissões precárias e pouco controle do poder público. Mas nada aconteceu. Eram promessas ao vento. Na época, o GRCT chegou a dizer que, na remodelagem prevista, haveria ampliação dos prazos e das exigências previstas inicialmente. Era a forma encontrada para que poder público e setor empresarial chegassem a um acordo em relação à operação de contratos estimados em R$ 10,5 bilhões.

   

Por nota, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano afirmou que o Consórcio está realizando estudos necessários solicitados pela Procuradoria Geral do Estado (PGE). Para isso, foi licitada atualização de pesquisa nos terminais de integração e está em fase de contratação a revisão dos contratos e seus anexos. A expectativa, agora, é de concluir todos os estudos no primeiro semestre de 2020.    

 

Fotos: Prefeitura de Maricá/RJ
Tarifa Zero Maricá 1 - Fotos: Prefeitura de Maricá/RJ
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  NO BRASIL, CIDADE FLUMINENSE OFERECE TARIFA ZERO NO TRANSPORTE PÚBLICO

Enquanto Petrolina reduz o preço da passagem e o governo do Estado se atrapalha para conseguir finalizar uma licitação iniciada 15 anos atrás, uma cidade do Rio de Janeiro, a 50 quilômetros da capital, dá exemplo. É Maricá, o primeiro município brasileiro com mais de 100 mil habitantes a oferecer ônibus gratuito para a população.

O programa Tarifa Zero entrou em operação em 2014 com a frota de ônibus vermelhos (chamados pela população de vermelhinhos), já oferece 15 itinerários diferentes e transporta 17 mil pessoas por dia (foram 15 milhões de passageiros até agora). Lançado em 2013, o Tarifa Zero é operado e gerido pela Empresa Pública de Transportes (EPT). Por ser um modelo no qual não há relação com concessionárias ou permissionárias, virou referência internacional. Tallin, capital da Estônia, primeira cidade europeia a contar com o transporte público gratuito para a população, usou o Tarifa Zero de Maricá como referência.

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