Sem mobilidade, desigualdade é ampliada nas cidades brasileiras

Publicado em 03/02/2020 às 13:26 | Atualizado em 08/05/2020 às 12:38
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Estudo do Ipea e ITDP mostra que o transporte público é o grande indutor da redução de desigualdades. Fotos: Brenda Alcântara/JC Imagem  

 

O argumento de que sem transporte as pessoas não vão, não chegam, não têm acesso ao trabalho, à escola, faculdade, médico ou a qualquer tipo de lazer se confirma mais uma vez. Agora no estudo Desigualdades Socioespaciais de Acesso a Oportunidades nas Cidades Brasileiras – 2019, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). O levantamento é um dos primeiros resultados do Projeto Acesso a Oportunidades, e faz um retrato das desigualdades na busca por oportunidades nas maiores cidades brasileiras no ano de 2019, com estimativas de acesso a empregos, serviços de saúde e educação. O Recife está entre elas.

Acesse a plataforma interativa https://www.ipea.gov.br/acessooportunidades/

 

No geral – e sem gerar surpresas, é preciso destacar –, constata-se que o Brasil segue se preocupando em reduzir os congestionamentos do trânsito – numa clara demonstração de privilégio ao automóvel – e esquece da acessibilidade urbana em si, que é algo mais amplo e envolve outros modais bem mais utilizados pela população, como o transporte coletivo, a bicicleta e a caminhada. O estudo, inclusive, destaca que o grande indutor da redução de desigualdade nas cidades é o transporte público.

 

     

E tem mais: os resultados obtidos pelo Ipea e ITD apontam que a periferia é quem paga a conta. É nela onde ficam os excluídos das oportunidades porque, em geral, o transporte público e as ciclofaixas não chegam. E, por consequência, as oportunidades de emprego, saúde e lazer também não são oferecidas, num ciclo perverso e viciado. A educação se faz mais presente, pelo menos no caso do ensino infantil e fundamental. A saúde básica também. Mas, mesmo assim, a exclusão é grande. Os pesquisadores concluem no estudo que há um abismo de desigualdades entre o centro e a periferia das cidades, com o primeiro dispondo de mais transporte e atividades em geral, enquanto o segundo vive isolado. As periferias chegam a ter o que os dois institutos denominam desertos de oportunidades.  

 

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Recife se destaca no uso de bicicletas para acessar oportunidades. por ser plana e ciclável
5 - Recife se destaca no uso de bicicletas para acessar oportunidades. por ser plana e ciclável
Mobilidade a pé é presente, mas limita o acesso. Foto: Diego Nigro/Acervo JC Imagem
2 - Mobilidade a pé é presente, mas limita o acesso. Foto: Diego Nigro/Acervo JC Imagem

 

“Os resultados revelaram dois padrões gerais. Em todas as 20 cidades estudadas há uma concentração de atividades nas áreas urbanas centrais que tem relação direta com a oferta de redes de transporte. Em contraste com regiões de periferia marcadas por desertos de oportunidades por apresentarem baixos níveis de desenvolvimento e por serem menos servidas de infraestrutura urbana e transporte público. Por isso o acesso à mobilidade urbana é tão importante. Principalmente ao transporte público, um indutor da redução da desigualdade. Quanto mais transporte é oferecido, mas fácil é acessar oportunidades de emprego, serviços de saúde, educação e lazer”, destaca Bernardo Serra, gerente de Políticas Públicas do ITDP e um dos colaboradores do estudo.

 

As conclusões perversas não param por aí: a discrepância entre renda e raça/cor é ainda mais gritante. “A população rica e branca tem sistematicamente maior acesso a oportunidades do que pessoas negras e de baixa renda. E esse resultado foi percebido em todas as cidades analisadas”, diz Bernardo Serra. O estudo Desigualdades Socioespaciais de Acesso a Oportunidades nas Cidades Brasileiras – 2019 faz estimativas de acessibilidade por modos de transporte ativo (a pé e de bicicleta) para as 20 maiores cidades do País, e por transporte público para sete grandes cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Porto Alegre e Curitiba. O objetivo é disponibilizar o material para guiar o planejamento e avaliação de políticas públicas que promovam cidades sustentáveis e inclusivas.  

 

   

Ao analisar o acesso a emprego em até 30 minutos de caminhada, os pesquisadores identificaram São Paulo como a cidade mais desigual de todas, com o indicador maior que nove – isso significa que o número de empregos acessíveis aos 10% mais ricos em São Paulo é mais do que nove vezes maior do que o número de empregos acessíveis aos 40% mais pobres. Curiosamente, o Rio de Janeiro apresenta uma das menores desigualdades neste quesito, por conta da aglomeração da população de renda baixa próxima ao centro da cidade. Quando o assunto é educação, em todas as cidades, com exceção de Brasília, se gasta entre cinco e dez minutos de bicicleta para se chegar até uma unidade de ensino médio mais próxima, o que é menos mal.

 

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Filipe Jordão/JC Imagem
8 - Filipe Jordão/JC Imagem

 

No caso do Recife, a bicicleta se destaca em algumas análises do estudo porque, segundo os pesquisadores, a cidade é extremamente ciclável. Em até 30 minutos de caminhada, o recifense consegue acessar 18% das oportunidades de emprego. No transporte público esse acesso aumenta para 29% e, de bike, alcança 64%. O fato de o transporte público ter um percentual menor do que o da pedalada se justifica, segundo o estudo, porque as pessoas perdem tempo esperando o transporte.

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