Do futebol à hortifruti: Luciano Totó fala sobre carreira, aposentadoria e revela torcida na final do Pernambucano

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LOURENÇO GADÊLHA

Publicado em 12/05/2021 às 20:13
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Pés descalços, campinho de terra batida e um sonho: tornar-se jogador profissional para comprar uma casa para a mãe. Esse era o maior objetivo de Luciano Ferreira da Silva - que depois ficou conhecido em solo pernambucano como Luciano Totó - ao chegar no Náutico em 1997. E ele conseguiu. Hoje, após anos e anos de vida dedicados ao futebol, divididos numa rotina de treinamentos, concentração e jogos, o jovem Luciano, que saiu do bairro do Totó, na Zona Oeste do Recife, ainda na adolescência, na década de 1990, sente-se realizado por tudo que viveu e conquistou dentro das quatro linhas.

Em entrevista ao Jornal do Commercio, o ex-atleta falou sobre a carreira, os projetos pós-aposentadoria e, claro, revelou sua torcida na final do Campeonato Pernambucano. Por toda história que criou no alvirrubro da Rosa e Silva, o coração de Luciano Totó não poderia torcer para um outro clube que não fosse o Náutico no confronto do próximo domingo (16), diante do Sport, às 16h, na Ilha do Retiro.

"Minha torcida vai toda para o Náutico, sabendo que vai ser um jogo dificílimo, porque se trata de um clássico, mas o Náutico vive um momento muito bom com o grupo que o professor Hélio montou. Vai ser um jogo difícil, mas tenho certeza que o Náutico vai ser campeão. Minha torcida toda vai para lá porque tenho um carinho enorme, sou torcedor do Náutico, clube que aprendi a gostar e amar. Domingo vou estar na telinha torcendo bastante para que o Náutico conquiste esse título, porque vai ser fundamental para todos lá", revelou.

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INÍCIO

Mas para entender toda paixão e carinho de Luciano com o Náutico é preciso voltar para o ano de 1997, mais precisamente no bairro do Totó, no Recife, onde tudo começou. Na época, o então adolescente foi observado por meio de uns amistosos promovido pelo Timbu, que era conhecido como o núcleo do Náutico.

"Num certo dia, foram olhar e gostaram de mim. Eu era infantil, joguei no juvenil também. Daí gostaram e me levaram para o Náutico, em 1997. O professor Jonas me viu jogando, que era o treinador da época e me levou para o Náutico. Foi assim que comecei. Fiquei uns anos na base até subir para o profissional com Muricy Ramalho, em 2001. Fui ficando, ficando, até o ano de 2007, que foi o meu último com a camisa do Náutico".

Curiosamente, ele decidiu carregar em seu sobrenome a história do bairro de onde veio, já que na época, o elenco tinha um lateral-direito chamado Luciano Amaral. "Como tinha dois Lucianos, o treinador ficava chamando e olhava os dois. Aí depois disso, o treinador olhou e falou que ia me chamar de Luciano Totó. Aí eu disse que podia botar sim. Aonde eu passo, sempre levo esse nome, que é o do meu bairro, onde fui nascido e criado e até hoje eu carrego o nome do meu bairro com muito orgulho e uma satisfação muito grande".

CONSOLIDAÇÃO

Apesar de ter subido ao profissional pelas mãos do técnico Muricy Ramalho, que foi bicampeão pernambucano em 2001 e 2002 pelo Náutico, o volante Luciano só veio ganhar as primeiras oportunidades, de fato, sob o comando de outro treinador conhecido do futebol local. "Muricy para mim é o início de tudo no profissional, por ser um treinador sério, que cobrava bastante. Até quando ele saiu, me disse para levantar a cabeça porque minha hora ia chegar e foi quando chegou em 2003, com o professor Givanildo Oliveira. Joguei o Campeonato Pernambucano e o Brasileiro com ele, quando comecei a me firmar no profissional de vez", afirmou.

O momento mais marcante, no entanto, aconteceu em 2004, com o título do Campeonato Pernambucano conquistado sobre o Santa Cruz, no Arruda. "Na época eu estava jogando e ali foi o melhor momento da minha vida. Foi onde tive a felicidade de marcar Iranildo, que era o craque do Santa Cruz, um jogador fora do comum. Eu tinha a meta de crescer.. eu era muito novo. Naquelas duas partidas (finais) fui muito bem, anulei ele e muita gente começou a me admirar e gostar do meu trabalho pelo que eu fazia dentro de campo", disse.

Luciano Totó durante a passagem pelo Náutico, seu time do coração. Foto: Acervo Pessoal

Por falar em 2004, Luciano Totó relembra os bastidores daquela conquista. Na ocasião, mesmo com a boa atuação individual do jovem volante no duelo de ida, o Timbu foi derrotado nos Aflitos por 1x0 e precisava reverter o placar no jogo de volta, no Arruda. E os momentos antes da bola rolar naquele 18 de abril foram marcados por percalços para à equipe alvirrubra.

"No segundo jogo o ônibus tinha quebrado, a gente pegou carona com os torcedores para ir pro Arruda, aquela agonia toda.. Quando chegou no vestiário, o professor Zé Teodoro fez um trabalho muito bom, botou umas músicas, foi falando nas famílias. Aquilo foi muito marcante. Depois, o Gil Baiano disse para mim que se eu marcasse Iranildo e a gente fosse campeão, ele me dava 4 mil reais. Aí numa dessa não tinha como não pegar, né... Quando acabou o jogo, e vencemos por 3x0, fui logo cobrar os 4 mil que Gil falou que ia me dar. E realmente ele deu o valor que foi combinado", contou aos risos.

BATALHA DOS AFLITOS

Mas nem só de alegria vive o jogador e um clube profissional. Pouco mais de um ano após aquele que foi o melhor momento da carreira, veio um baque coletivo com o Náutico: a Batalha dos Aflitos. O fatídico dia 26 de novembro, numa partida completamente atípica, que resultou na conquista, pelo Grêmio, do Campeonato Brasileiro da Série B em 2005. Na ocasião, o Timbu brigava para subir, mas acabou derrotado por 1x0 para o Tricolor Gaúcho, que teve quatro jogadores expulsos e ainda viu o alvirrubro perder dois pênaltis nos tempos normais do confronto.

"Foi uma tristeza só. Um ano onde a gente tinha tudo para subir, mas aquele ano ali, lembro como hoje, que a gente poderia jogar até o dia seguinte e a bola não entrava. A equipe jogou muito bem, teve dois pênaltis, bola na trave. Inclusive, a gente saiu até aplaudido quando acabou o jogo porque os torcedores reconheceram isso. Não era uma noite da gente ser feliz. Foi muito triste. A gente tinha tudo na mão, de brigar pra subir, do Santa Cruz ser campeão e a gente ser vice, mas a gente não conseguiu. Então foi uma dor muito grande".

A VOLTA POR CIMA

O jogo ficou marcado negativamente na história do Náutico, onde muitos pensavam, inclusive, que o Timbu não resistiria à tamanha humilhação. Se engana, portanto, aquele que chegou à cogitar isso. "Em 2006 passava aquele mesmo filme do jogo contra o Grêmio. A gente tinha um jogo a menos e se ganhasse, subia no jogo contra o Ituano. Ali foi onde a gente fez uma grande partida e conseguimos o acesso, no próprio Aflitos, que tava lotado e a gente pôde comemorar o acesso para a Série A, dando a volta por cima depois daquele sofrimento no ano anterior", relembrou Totó.

APOSENTADORIA

O volante ainda viria à ficar mais um ano no Náutico, em 2007, aquele que foi o seu último com a camisa alvirrubra. Na época, teve uma lesão no púbis, que o afastou dos gramados por meses. Com isso, ao fim da temporada, optou por não renovar o vínculo e seguir por outros clubes como Itumbiara, Figueirense, Bahia, Atlético Goianiense, Brasiliense e Campinense, entre outros, até a aposentadoria em 2016, no CSE, de Alagoas.

"Poderia estar jogando até hoje, minha esposa não queria mais me acompanhar por causa da minha filha, já que a gente sempre acabava ficando um período em um canto, depois em outro. Também teve o acidente da Chapecoense, onde perdi alguns amigos, e acabou me dando aquela queda, onde desanimei de querer jogar. Conversei com minha esposa e decidi parar, foi quando resolvi abrir o meu comércio, onde tenho uma quitandaria, que é uma loja de frutas e verduras. Assim estou levando minha vida".

Luciano Totó sendo apresentado no Figueirense, em 2009. Foto: Acervo pessoal

Hoje, Luciano Totó tem uma hortifruti no bairro de Boa Viagem, onde mora. Na entrevista, ele contou como é sua rotina diária na vida pós-aposentadoria. "À noite saio para ir no Ceasa fazer as compras para a loja. A gente chega aqui por volta das 5h, e, às 6h30 já estou abrindo para vender minhas coisas. A loja é toda de hortifruti junto com minha família", relatou.

"Depois que me aposentei, o futebol ficou só como diversão mesmo.. pelada, campeonato de master, essas coisas. Nunca quis continuar trabalhando com futebol. Na minha vida, antes de jogar, minha família toda trabalhava com comércio de frutas e verduras, e sempre gostei de trabalhar com isso, onde tinha a vontade de abrir uma quitanda. Hoje tenho a minha e, em breve, vamos abrir um mercadinho", projetou.

Ex-jogador profissional, Luciano Totó hoje é dono de uma hortifruti, no bairro de Boa Viagem. Foto: Acervo pessoal

Depois de passar um filme na cabeça com tudo que viveu, Luciano Totó afirmou que nunca se deslumbrou com a fama, já que tinha muito claro um único objetivo na cabeça. "Quando eu menos esperava, tudo aconteceu muito rápido na minha vida. Sempre tive uma cabeça muito boa, nunca me deixei levar pela empolgação. Sempre fui humilde, pés no chão. Cabeça sempre foi tranquila porque eu sabia que tinha que dar o máximo de mim para poder comprar a casa da minha mãe, que era o meu maior sonho. Então eu fico feliz por poder ter feito tudo isso", completou.

ARREPENDIMENTO

Ele ainda revelou um arrependimento que teve antes de se aposentar: não ter voltado a jogar no time do coração. "Em muitos anos os torcedores pediam. Poderia ter ficado mais uns dois ou três anos no Náutico e um sonho que eu poderia ter era encerrar a carreira lá. Queria que meu último clube tivesse sido o Náutico, mas infelizmente não deu. Porém, tenho a sensação de dever cumprido por tudo que fiz. Até hoje as portas são abertas para mim no Náutico. Tinha dinheiro para receber, mas não coloquei na justiça. Tenho o Náutico como a minha segunda casa. Conheço tudo de canto a canto ali naquele clube. Sou torcedor fiel do Náutico, porque ali foi minha vida toda", finalizou.

 

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