Longe da mídia tradicional, José Trajano mergulha no mundo da literatura e da internet
Jornalista, que foi um dos fundadores da ESPN, lançou seu quarto livro e atualiza o canal do Youtube Ultrajano
José Trajano tem sua vida entrelaçada com a do jornalismo esportivo brasileiro. Com voz marcante, seguro nas informações, opiniões firmes, Trajano sempre chamou atenção em todas as emissoras por onde passou. Quem acompanhou bem o futebol nos anos 90 vai lembrar do Cartão Verde, programa dominical, na qual ele formava a bancada de debates com os jornalistas Flávio Prado, Juca Kfouri e Armando Nogueira. Era 1993, ano que a seleção brasileira se preparava para a Copa do Mundo nos Estados Unidos, e as discussões eram quentes, porém inteligentes. Anos mais tarde, fez marco. Foi um dos grandes responsáveis pela fundação da ESPN no Brasil. Torcedor declarado do América-RJ, Trajano, aos 74, após tantos anos de estrada e fora da mídia tradicional, José Trajano não parou quieto. Está antenado com a comunicação dos dias de hoje. Mantém um canal no Youtube e lançou, recentemente, o seu quarto livro. Uma virada de chave. Uma transformação.
Trajano mantém um canal no Youtube chamado Ultrajano. Hoje, são quase 35 mil inscritos, que acompanham os comentários do jornalista. E na sua pauta não é só futebol. Os vídeos são mais voltados para o momento político que o Brasil atravessa. Ferrenho crítico do Governo Federal, José Trajano se refere sempre ao presidente Jair Bolsonaro como "Capitão Cloroquina", já que o político é contra a vacina e a favor do tratamento precoce. Os comentários são curtos, pílulas com forte teor ácido. "Não sinto saudades da TV. Eu já fiz tanta coisa depois da ESPN. Uma equipe vem aqui, filma, edita o material para o canal. Também faço comentário ao vivo para o canal TVT. Voltei, recentemente, ao portal UOL. Gravo um comentário semanal, e depois da rodada converso sobre os clubes", conta o jornalista, que deixou a ESPN em 2016.
Mas é no campo literário que José Trajano está deslanchando. Recentemente, em meio à crise causada pela pandemia da covid-19, o jornalista publicou Aqueles olhos verdes, obra que mistura ficção com realidade, futebol e política, suas paixões. Uma viagem à sua infância, citando histórias do seu imaginário e personagens que marcaram sua vida. "Eu não me considero escritor. Eu tive, na verdade, uma sacada de autor. Juntei algumas ideias e pensei: vai dar samba! A história se passa entre os anos de 1938 a 1962, numa fazenda onde curtia as férias na minha infância. Aí, incluir dados históricos, com futebol, política... Tem muita pesquisa. Acho que é mais bem acabado. Nesse livro, sou um narrador. Os anteriores, eu escrevi em primeira pessoa".
Trajano se refere aos outros três livros que já publicou e que confirmou sua verve de bom contador de histórias. Todos com a pegada biográfica. O primeiro, de 2014, é Procurando Mônica - Maior caso de amor do Ri das Flores. "É uma história, uma relação minha de adolescente, que eu sempre contei para os amigos e todo mundo gostava. Então, o Matinas Suzuki (jornalista), incentivou para que eu publicasse". O segundo, de 2015, é Tijucamérica - uma chanchada fantasmagórica, em que ele reúne grandes craques do passado para salvar o América. O terceiro é Os Beneditinos, que fala sobre felicidade e tem referência à escola onde estudou na infância. "É a trilogia das paixões. A namorada, o América mais o bairro da Tijuca, e a escola", explica.
O ritmo de produção de Aqueles olhos verdes foi alucinante. Trajano pesquisou, escreveu bastante, divulgou e se sente feliz ao ver os amigos postando nas redes sociais os elogios aos livros que publicou. Mas segue consumindo suas paixões. A música é uma delas. Ama a MPB, a bossa nova, o samba, música instrumental. E não deixa de acompanhar o futebol, claro. Para José Trajano, os programas esportivos deixaram de lado as reportagens para investir nos debates. "Isso enche o saco. No rádio, além da propaganda, tem a gréia, a brincando com o outro, falando abobrinha. As matérias humanas não se vê mais", critica.
O jornalista também não esconde que já encheu o saco da seleção brasileira de Tite. "Eu não tenho paciência para ele. É muita teoria. São uns termos que ele fala e que a imprensa está adotando também. Com por exemplo, 'um terço do campo'. É chato demais", diz. "O futebol brasileiro não encanta. É lento, monótono, dá sono", completa. E, claro, as críticas vão também para a principal estrela da seleção, Neymar. "É um dos maiores do mundo. Joga muito, muito mesmo. Tem seus pecados: prende a bola, carrega o time nas costas, enfeita muito nas quedas. É o maior dos últimos tempos. Mas não é um exemplo para ninguém. Foi mal criado pelo pai", disse.
José Trajano mostra que estar fora das mídias tradicionais não significa estagnar a criatividade. Sente-se feliz como o que faz e com o retorno que recebe das pessoas. Abafa um pouco a tristeza que sente ao perceber o momento político que vive o Brasil. "Infelizmente, as pessoas não estão pensando nos outros, nos mais necessitados. No Brasil, tem muita gente assim. Um país racista, que elegeu um cara que sempre foi o que tava sendo: exaltou a tortura, o racismo, o preconceito. Mais de 50 milhões votaram num sujeito desse. Até hoje, o país paga pela ditadura no passado. E esse governo vai nos deixar sequelas horrorosas" criticou.