HISTÓRIA DO FUTEBOL

Atacante que ofuscou festa de Zico no Maracanã já vestiu a camisa do Santa Cruz. Saiba quem foi

Jacozinho fez gol após receber passe de Maradona e, logo em seguida, assinava contrato com o Tricolor numa das negociações mais badaladas do Estado

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Cadastrado por

Marcelo Cavalcante

Publicado em 29/08/2021 às 10:00
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Habilidoso, rápido, ousado, folclórico. Esse era Givaldo Santos Vasconcelos. Famoso ponta-esquerda do CSA nos anos 80 e que também passou pelo Santa Cruz nas temporadas 85/86. Pelo nome de batismo, ninguém vai lembrar. Mas o apelido Jacozinho é, sem dúvida, inesquecível. "Herdei o apelido meu irmão, que se chamava Jaconias. Ele era lateral-direito do Vasco de Sergipe e a turma chamava ele de Jacó. Quando fui para o time, passaram a me chamar de Jacozinho", conta.

Jacozinho ficou conhecido pela sua irreverência. E também por ter ofuscado a festa de Zico, no Maracanã, com direito a gol após passe precioso de Maradona. Após o show no maior estádio do mundo, o atacante foi contratado pelo Santa Cruz como uma das grandes estrelas.

A história de Jacozinho é igual a de uma porção de jogadores de futebol que lutam no subúrbio das grandes cidades para ter como viver, se alimentar e ajudar a família. Antes de entrar no mundo da bola, ganhava trocados lavando carro, vendendo laranja, carregando feira. Era sofrido. Mas nunca perdeu a humildade e a fé. Sua vida mudou quando entrou no Vasco-SE, quando mostrou velocidade e faro de gol. Rodou pelo Leônico, Galícia, Jequié. Mas foi mesmo no CSA que ganhou fama, em 1981.

"Toda vez que tinha um jogo importante, eu dizia que ia fazer gol. E dava nome aos gols: Gol Marilda (homenagem a um personagem do programa de Chico Anysio), Gol Guarda de Trânsito, Gol Ayrton Senna. Eu aprendi isso com Dadá Maravilha. E eu tinha sorte de jogar bem e fazer o gol que havia prometido durante a semana", lembra. Só pelos gols, Jacozinho ganhava moral demais junto ao torcedor do CSA. Mas para reforçar ainda mais sua fama, ele caiu nas graças do repórter Márcio Canuto, a quem Jacozinho até hoje o chama de pai.

Canuto fazia a linha Jacozinho: irreverente, boa praça e com piadas na ponta língua. Não tinha como a dupla desafinar. Cada drible e cada gol flertavam com a criatividade do jornalista que bolava pautas engraçadas e jamais rejeitadas pelo jogador. Jacozinho ganhou fama nacional. "Ele era um grande jogador. Veloz, chutava bem, faro de gol. Fiz amizade com ele e passei a ajudá-lo. Recentemente, numa votação popular, os torcedores elegeram como maior jogador da história do CSA", afirma o jornalista.

Toda semana era uma matéria engraçada sem exibida nacionalmente. "Uma delas eu mostrava ele saindo do treino de bicicleta, dizendo que ia para Recife, onde a seleção brasileira iria jogar. Alguns torcedores iam atrás, gritando 'Hei, Hei, Hei, Jacozinho é nosso Rei!'", lembra Márcio Canuto. Mas de todas as ações de marketing feitas para valorizar o talento deu Jacozinho, nenhuma foi maior do que ingressar na festa de Zico.

Em julho de 1985, o Galinho de Quintino havia voltado para o Flamengo, após passagem pelo futebol italiano. Então, foi realizado o amistoso Flamengo contra a Seleção do Mundo, contando com grandes estrelas como Maradona, Passarela... e Jacozinho, que conseguiu uma brecha no elenco comandado por Telê Santana.

Márcio Canuto foi um dos líderes dessa empreitada. E Jacozinho foi para lá sem conhecer ninguém. "Lembro de quando cheguei lá e Canuto me apresentou ao Maradona. Ele tava nem aí para mim. Olhou para mim e deve ter pensado: 'quem é esse bicho feio?'", relembra sorrindo como se a partida houvesse acontecido hoje.

Jacozinho entrou em campo no decorrer da partida. A seleção do Mundo perdeu por 3x1. Adivinhem de quem foi o gol? Jacozinho. E que fez a assistência? Diego Maradona. Uma noite de inesquecível para Jacozinho, que chamou a atenção da mídia e deixou Zico encabulado. Após partida, enquanto o atacante do CSA era celebrado, o camisa 10 do Flamengo dizia que era um exagero tantos elogios. "Ofusquei a festa de Zico e ainda ganhei uma música: '"Maradona lançou, Jacozinho partiu, Figueiredo ficou, Cantarelli caiu. E a torcida gritou: É gol, É gol de Jacozinho'".

TRANSFERÊNCIA PARA O SANTA CRUZ

Quando deixou o goleiro Cantarelli no chão e balançou a rede do Maracanã, Jacozinho chamou a atenção de muitos clubes do Brasil. Mas seu destino acabou sendo o Santa Cruz. Uma contratação que sacudiu o futebol pernambucano. O então diretor de futebol do clube, Sylvio Belém, lembra que o repórter Márcio Canuto foi uma das pontes para que o negócio desse certo. "Quando acabou a partida de Zico, Zé Neves (então presidente do Santa Cruz) me ligou e disse que ia contratar Jacozinho. A gente precisava dar uma sacudida na torcida. Fechamos negócio por 180 milhões de cruzeiro, com um cheque para 30 dias. Fizemos rifa, bingo e conseguimos pagar", lembra Belém. "Quando ele recebeu o primeiro salário, condicionamos Jacozinho a comprar uma casa para família, já que ele morava num quarto", completa.

Segundo Belém, Jacozinho foi apresentado antes da partida do Santa Cruz contra o Sete de Setembro, mas não entrou em campo. "A partida que teria três ou quatro mil pessoas, passou a ter 15 mil só por ele estar presente", conta o ex-dirigente. Jacozinho, por sua vez, não esquece da festa da torcida, do outdoor espalhado pela cidade "Jacozinho é nosso".

Era um tempo em que bilheteria garantia o investimento na contratação de um atacante badalado. "Foi feito um bingo de carro para pagar minha contratação. Fui bem recebido, gostava demais do clube. Em 85, fomos vice-campeões. No ano seguinte, conquistamos o título estadual", diz Jacozinho, que em 1986, já não era o titular absoluto. Ele divida a titularidade com o recém-contratado Tiziu.

Jacozinho reconhece que a vida desregrada fora de campo estragou sua carreira. Algo que Marcio Canuto já alertava quando ainda estava no CSA: "Jacó, você é um jogador de qualidade e velocista. Tem que se cuidar". Mas o atacante não ouvia. "Realmente, eu exagerava na bebida e na prostituição. Quando eu estava de folga, eu só queria beber. Ia para farra, na frente de todo mundo. Queria nem saber. Era folga, então era farra", diz Jacozinho.

A passagem de Jacozinho foi encurtada porque seu rendimento foi prejudicado, de fato, pelas farras. De volta ao CSA, em 1987, foi recebido com festa no aeroporto, quando desembarcou, e dias depois, num amistoso contra o seu ex-clube, o Santa Cruz. Prometeu o Gol Abertura. "Vou abrir a defesa adversária e 'estraçaiá'", disse antes partida ao repórter e amigo Márcio Canuto, antes da partida começar. Acabou falhando na promessa. Não balançou as redes e viu o Santa Cruz vencer por 1x0. Ao sair de campo, Canuto quis saber do tal Gol Abertura. "Como é que eu vou abrir se o a cara mete o cacete em mim?", respondeu.

Jacozinho recorda tudo com carinho e humor. Mas reconhece seus erros. "As farras me levaram ao fundo do poço. Perdi tudo e fiquei sem chão. Só recuperei minhas coisas quando joguei no Imperatriz. Aceitei Jesus e tudo começou a acontecer", afirma. Já era o ano de 1993. Dois anos depois, encerrava sua carreira. "Cuidei do alcoolismo e, hoje, tenho uma casa, carro do ano e estou cuidando de agenciar jogadores pela empresa AJA Soccer Nion. Deus é bom demais".

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