Três meses depois do primeiro caso de COVID-19 reportado no Nordeste, já são 240.553 pessoas infectadas, na segunda região mais afetada do país. Os dados são do Conselho Nacional de Secretários de Saúde. No período, já foram disseminados toda sorte de boatos sobre o fim da pandemia, curas milagrosas e formas de prevenção inverídicas. Uma tendência potencializada pela grande quantidade de informações produzidas sobre o novo coronavírus em todo mundo.
A Rede Internacional de Fact-checking (IFCN) une esforços com 88 organizações de checagem em mais de 70 países no mundo. O material gerado já ultrapassa a marca de 6.600 checagens. No Brasil, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) conduz uma aliança entre diversos veículos de comunicação para combater as “notícias falsas” a nível nacional por meio do Projeto Comprova, do qual o JC faz parte.
No Recife, em Salvador e no estado da Paraíba, iniciativas independentes se uniram à batalha contra a desinformação e utilizam a criatividade para alcançar desde os mais jovens aos idosos, por meio das mídias mais populares. Conheça os projetos a seguir.
Desafio Covid: ganhe pontos por acertar questões sobre o coronavírus
Pensando em entregar informações oficiais sobre o novo coronavírus de forma descontraída, os estudantes Maurício Lima e Davi Pradines desenvolveram o Desafio Covid. O jogo web possui três tipos de quizzes sobre os temas mais quentes da pandemia. Os melhores jogadores aparecem em um ranking. Segundo Davi, designer, existiu uma preocupação em democratizar o jogo ao desenvolver o UX, parte do design responsável pela experiência do usuário.
“Toda usabilidade do jogo foi pensada para torná-lo democrático. Você não precisa baixá-lo, não precisa de wi-fi para jogar. Além disso, ele tem o mínimo de cliques possível. O jogador só avança de nível quando acerta as perguntas e, ao acertar, nós mostramos as fontes. Uma coisa das ‘fake news’ é a falta de fontes, então prezamos por isso”, comenta Davi.
A ideia partiu da inquietação de Maurício com o dilúvio de informações, às vezes sem qualidade, compartilhadas sobre a pandemia. “A gente percebeu que as informações geradas nesse período estavam trazendo uma parte negativa muito grande, quisemos intervir de alguma maneira”, relata.
Tentando conciliar o desenvolvimento do jogo com seus trabalhos, os estudantes contam que passaram noites em claro e todo recurso financeiro foi independente. A dupla contou com o apoio de uma equipe de quatro pessoas, da saúde, educação, letras e pesquisadores na área de desinformação. Todos contribuíram voluntariamente.
“A ideia da gente é alcançar o máximo de pessoas. Como as crianças estavam sem informação, pois as escolas estavam fechadas na época, sem o EAD, focamos em desenvolver algo que elas fossem capaz de entender e compartilhar. A partir daí, foi se expandindo para um público variado”, conta Davi. Desde o lançamento, em abril, cerca de 7 mil pessoas já completaram o desafio.
Marília de Alcântara, mãe de Cecília, de oito anos, comenta que jogou com a filha e aprendeu junto: “é um jogo bastante informativo, principalmente para a criançada. Muito gostoso de jogar. Até eu aprendi umas coisas como o nome científico do vírus. Estão de parabéns os que tiveram a iniciativa”.
Segundo os desenvolvedores, os usuários têm contribuído com o progresso da iniciativa, sugerindo novas didáticas. Os próximos passos são adicionar novas funções, lançar um novo site, acrescentar perguntas e abordar outros assuntos com o fim da pandemia. Sobre o resultado, o sentimento é de satisfação. “Foi a primeira oportunidade que eu tive de pegar o meu trabalho e contribuir de uma forma ativa para uma questão tão importante. Se a gente conseguir ajudar uma pessoa a se proteger, a se informar e evitar uma contaminação, para mim já é uma resposta incalculável”, completa Davi.
Para acessar o jogo, basta clicar no link: desafiocovid.com.
Twitter Bot: conta automática atualiza sobre dados do COVID-19
Casos totais: 691.962
— Monitor de Casos no Brasil do Covid-19 (@MonitorCovid19) June 8, 2020
Casos ativos (doentes atualmente): 352.566
Casos novos (08-06-2020): 0
Recuperações: 302.084
Óbitos: 37.312 (813 hoje)
Testes realizados: 999.836
Tweet feito automaticamente às 10:00h (horário de Brasília)
Pedro Caminha, 20, sempre teve muito interesse pela ciência de dados. O estudante do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), começou a pesquisar sobre o impacto da desinformação nas pessoas há um ano. No início da pandemia, recebeu no WhatsApp um site para checar os dados sobre os casos de COVID-19 no mundo. O caso lhe despertou uma ideia.
Para facilitar o acesso aos números reais da COVID-19 no Brasil, Pedro desenvolveu o @MonitorCovid19, um bot no twitter que atualiza a cada 30 minutos os novos dados sobre a doença. “No começo, eu só compartilhava os casos recentes e os óbitos, mas as pessoas reclamaram. Achavam muito negativo. Então eu decidi adicionar as recuperações e os testes”, conta.
Em menos de três meses, a conta conseguiu quase 1.500 seguidores, de forma orgânica. “Os professores do Centro de Informática (CIn) compartilharam entre si, e o projeto foi engajando. Hoje até algumas personalidades mais conhecidas me seguem. Não esperava nem ter 10 seguidores no início”, relata.
O bot colhe as informações de uma API no site Worldmeter, uma iniciativa que reúne os números sobre o coronavírus no mundo em um só banco de dados. “É muito difícil existir uma sincronia entre as bases de dados massivas, pois os números são coletados em vários hospitais do Brasil, que enviam os dados para suas respectivas secretarias, que enviam para o Ministério da Saúde. O Worldmeter é privado, então consegue colher as informações sem depender que os dados cheguem no Ministério”, explica Pedro.
Sobre os próximos passos do projeto, ele deixa a tecnologia trabalhar por si só. “O bot consegue rodar sozinho agora, em um servidor gratuito, pelo menos por um bom tempo. Fico muito feliz com o resultado que alcancei. Algumas pessoas me perguntam se podem compartilhar, até sem marcar. Por mim tudo bem, o importante é que a informação seja disseminada.”
Dendicasa: informativo da Bahia envia áudios para combater o “baratino” no WhatsApp
O Dendicasa é um informativo no formato de áudio, produzido pelos jornalistas Wallace Cardozo, Joyce Melo e Vinícius Nascimento, para a região metropolitana de Salvador. Todas as terças e quintas novos episódios são lançados para uma lista de transmissão no WhatsApp. O projeto surgiu em abril, com o objetivo de combater as desinformações que se disseminavam no estado, e logo se reformulou para atender as demandas das periferias, principal público do informativo.
Segundo Wallace, o Dendicasa foi a maneira que os jornalistas encontraram para combater os “baratinos”, gíria para as desinformações, que afetam as periferias soteropolitanas. Além disso, o projeto busca construir outras narrativas sobre esses bairros, contrariando o estereótipo de violência.
Com uma linguagem descontraída, o Dendicasa conquistou principalmente os jovens. É através deles que o informativo chega nas pessoas mais velhas. “A gente pede para inscreverem os pais, avós e tios ou para eles mesmos se inscreverem e encaminharem aos grupos de família, do condomínio”, comenta Wallace.
A lista de transmissão já conta com mais de 300 inscritos. O desafio é metrificar o impacto fora dela, dos compartilhamentos no aplicativo de mensagens. A solução que encontraram foi solicitar feedbacks aos ouvintes, enviados para o número oficial. Veja alguns comentários:
A preocupação do projeto, no momento, é construir credibilidade para expandir a cobertura a outros temas, além dos dados sobre o novo coronavírus. Há também a possibilidade de aumentar a cobertura para periferias fora de Salvador.
Os interessados em apoiar o projeto podem fazer doações na conta do Picpay: @dendicasa. Para ouvir o Dendicasa, basta salvar e mandar uma mensagem para o número 71 9 9378-1678 ou pelo link: bit.ly/Dendicasa. Ouça uma prévia:
Jornalistas x Fake News: grupo colaborativo no WhatsApp combate a desinformação na Paraíba
O governo da Paraíba acabara de decretar situação de emergência no estado quando Meyri Gomes recebeu a ligação de um parente, desesperado por causa da pandemia. No mesmo dia, mais de cem mensagens inundaram seu WhatsApp. “Choveram boatos afirmando que os hospitais estavam superlotados e selecionando quem iria viver, disseram que as pessoas estavam morrendo no chão. Inventaram curas milagrosas...cada coisa absurda”, narra a jornalista.
Como resposta, Meyri convocou colegas de todos os veículos de comunicação da Paraíba para trabalharem colaborativamente contra a desinformação. O grupo no WhatsApp é formado ainda por professores universitários, estudantes, assessores da área de saúde estadual e municipal, representantes de hospitais e outros. Já são 93 profissionais que trabalham de forma voluntária para desmentir boatos e publicar em seus respectivos veículos.
O repórter Raniery Soares, do Jornal da Paraíba, é membro do grupo e sente os benefícios da colaboração na sua rotina de apuração. “Especificamente para meu trabalho [na editoria política], a gente tem alguns exemplos de políticos que publicam informações falsas, como sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina e isso tem provocado animosidades na população”, comenta.
Já foram produzidas em média 90 checagens, mas o alcance pode ser muito maior. Meyri acredita que o grupo impulsionou campanhas contra a desinformação no estado. Em março, o governo da Paraíba sancionou a Lei nº 11.659, de autoria do deputado Wilson Filho (PTB). Quem compartilhar “fake news” de maneira dolosa e por meios eletrônicos sobre a pandemia, endemias e epidemias, poderá pagar entre 20 a 200 Unidades Fiscais de Referência (UFR), unidades referenciais para calcular dívidas com o estado da Paraíba. O valor pode variar de acordo com a inflação e outras taxas. Em junho, segundo a Sefaz-PB, era de R$ 51,78.
Com mais de 10 anos de experiência em assessoria de saúde, Meyri comemora o engajamento do grupo em prol de uma causa sanitária.”Era cabível que nós, como jornalistas, cumpríssemos o nosso papel social. Para minha surpresa, muitas pessoas abraçaram a causa, deixando a competição da área de lado.”
Se você também tem algum projeto local cujo objetivo é combater a desinformação, manda para a gente no e-mail contato@confere.ai.
Conheça o Confere.ai
O Confere.ai, uma ferramenta de checagem automática de notícias e de produção de conteúdos sobre desinformação desenvolvida pela startup Verific.ai e pesquisadores da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) junto ao Sistema Jornal do Commércio de Comunicação (SJCC). O projeto tem o objetivo de ampliar a cultura da verificação e criar mecanismos para ajudar a audiência a identificar de forma mais rápida e segura conteúdos falsos ou enganosos. Para acessar, basta entrar no site confere.ai ou buscar nas páginas iniciais dos sites do SJCC.
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