Um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) apontou que uma notícia falsa tem 70% mais chances de viralizar do que uma notícia verdadeira. E isso não é “fake news”. De acordo com a pesquisa, informações falsas circulam com mais velocidade, de forma mais profunda e com alcance maior do que fatos. E quando o tema da notícia é política, a desinformação se espalha três vezes mais rápido. Uma das principais formas de combater isso é com a educação midiática (media literacy).
“Educação midiática é uma alfabetização que a gente faz em relação à mídia. De como que a gente recebe, filtra e compartilha os conteúdos que passam no Whatsapp, nas redes sociais e nas próprias notícias. É como aprendemos a fazer uma leitura crítica desses conteúdos, para que a gente possa se informar e agir, tomar melhores decisões em relação a questões que influenciam a sociedade”, explica Nina Weingrill, co-fundadora da Énois Conteúdo e da Escola de Jornalismo, primeira escola de jornalismo online do Brasil.
Essa modalidade já tem sido aplicada nos sistemas educacionais de alguns países. Finlândia, Dinamarca, Holanda, Suécia e Estônia estão no topo do Índice de Alfabetização em Mídia de 2019, realizado pela European Policies Initiative (EuPI) do Open Society Institute, na Bulgária. A Finlândia está na primeira posição entre 35 países considerados os mais bem instrumentalizados para lidar com o impacto de notícias falsas devido à qualidade da sua educação, à mídia gratuita e à alta confiança entre as pessoas, segundo pontos destacados na pesquisa. Para eles, um sistema de educação pública forte e robusto, tendo a educação para as mídias presente nas abordagens, é uma importante arma para combater a desinformação.
Mas esse é um trabalho a ser realizado a passos largos no Brasil, como declara Ana Luiza Aguiar, pesquisadora do projeto de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso e a Informação, da Universidade de São Paulo (USP): “A alfabetização midiática é o caminho mais sólido para se combater a desinformação, mas é um caminho longo e que só vai trazer resultados a médio ou longo prazo. Ensinar as pessoas a desconfiarem de informações randômicas que chegam nos seus Whatsapps ou nas suas redes sociais é uma parte importantíssima do processo, mas o número de variáveis que leva uma pessoa a acreditar ou não na informação que recebe é muito grande. Vai desde como a informação é apresentada (áudio, vídeo, link para site) até detalhes como o grau de intimidade com a pessoa que te passou a informação, passando por faixa etária, grau de instrução e grau de engajamento político/social”.
Para ela, não será a atual geração que conseguirá parar a desinformação. Mas, com o trabalho desenvolvido nas escolas atualmente, a futura geração de adultos conseguirá transformar esse cenário. “Quando jovens e adolescentes são ensinados a pensar e a questionar, não apenas a escrever e fazer contas, eles passam a ter um entendimento mais claro do que acontece ao seu redor. E com isso conseguem filtrar naturalmente a informação a que são expostos”, completa.
No Brasil, a temática já faz parte da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), podendo ser ensinada e discutida nas unidades de ensino. No colégio Salesiano do Recife, as aulas de Cidadania Digital têm estimulado os alunos a entender melhor suas relações com as redes sociais e a internet, além de saber como analisar informações e produzir um diálogo respeitoso dentro do ambiente virtual.
A coordenadora de Tecnologia Educacional do colégio Salesiano do Recife, Joselma Silva, conta que as aulas geram reflexão entre os alunos, criando um paralelo com a vida dentro e fora da internet. “Inicialmente, perguntamos o que ele [o aluno] entende de cidadania, a cidadania que ele exerce no mundo em que ele vive, presencialmente, e daí fazemos a ponte para a cidadania digital, a responsabilidade nesse ambiente virtual, ao uso de todas as ferramentas que são acessíveis para eles. A partir desse advento que estamos tendo nestas últimas décadas, cada vez mais percebemos a necessidade de a escola formar esse indivíduo para atuar nos ambientes online”.
Os pais também têm apoiado a inserção da temática na rotina de estudos escolares dos filhos. Pedro Henrique Moscoso, gestor empresarial, professor universitário e pai de Maria Luísa, 12 anos, aluna do sétimo ano do fundamental do Salesiano Recife, diz que ficou satisfeito com a atenção da instituição para as atitudes de seus alunos dentro do ambiente virtual. “Entendemos [eu e a mãe de Maria Luísa] ter sido muito importante para ela essa entrada de forma pedagógica e controlada no mundo do aprendizado digital. Mesmo com toda orientação que passávamos, entendíamos que o ambiente virtual é de certa forma sedutor e cheio de armadilhas, principalmente para as crianças e adolescentes”, relata. Maria Luísa complementa:“Gosto muito dessas aulas, acho muito importante porque nós aprendemos a tomar cuidado em redes sociais, em sites que acessamos, na internet em geral”.
A professora Joselma Silva também explica que esse aprendizado precisa ser compartilhado com os pais, de forma prática, tentando identificar diferentes tipos de mídia e interpretar as informações e mensagens enviadas nessas mídias. Elas incluem não apenas os conteúdos de texto que circulam em redes sociais, como também memes, vídeos virais, videogames e propagandas. “Essa necessidade permeia todas as áreas, deve ser trabalhada com as crianças e também os adultos, porque há uma falta de educação muito grande nos ambientes online, desde como se portar até o que compartilhar, até se proteger também. Um exemplo é a questão das ‘fake news’, que apresentamos aos alunos de uma forma muito leve, muito delicada, fazendo um paralelo com a fofoca em si, em como antigamente e como ainda existe ‘a senhorinha da janela’”.
Ferramentas de educação midiática te ajudam a não cair em desinformações
A professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ana Beatriz Carvalho, destaca que ao se fazer domínio da alfabetização midiática, as pessoas terão conhecimento de como se produzem desinformações, e então poderão evitar sua produção e disseminação. E, em um cenário pandêmico como o presente, a população fica ainda mais suscetível a acreditar nos boatos e informações não-verídicas, pela carga emocional envolvida no contexto.
“A maior parte das pessoas que não possui o letramento midiático serão dominadas pelas estratégias de disseminação de informações falsas de quem possui esse letramento. Por isso mesmo, é tão importante desenvolver ações de letramento midiático para todos. No cenário da pandemia, a situação é ainda mais complexa porque envolve o medo das pessoas diante de uma nova realidade bastante assustadora e desconhecida até mesmo para os cientistas. Nesse contexto desfavorável, a carga emocional potencializa ainda mais a limitação das pessoas na avaliação crítica das informações que circulam”.
Alguns meios de comunicação e organizações independentes já realizam iniciativas para educar os cidadãos em questões básicas de jornalismo e reforçar a capacidade de ler notícias de forma crítica.
A UNESCO reconhece o papel da informação e da mídia na sociedade e, por isso, criou um material sobre alfabetização midiática e informacional. A instituição acredita ser importante empoderar cidadãos a “compreender as funções da mídia e outros provedores de informação, a avaliar criticamente seus conteúdos e, como usuários e produtores de informação, tomar decisões com base nos dados disponíveis”.
Já o Guia de Letramento Midiático, feito pelo Instituto Palavra Aberta em parceria com a Nova Escola, mostra como identificar e combater a desinformação com um material para educadores trabalharem em sala de aula. Além do Guia, o Instituto produziu o EducaMídia, um projeto que forma professores da educação básica para que eles ensinem às crianças e aos adolescentes as habilidades necessárias para “acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático”, segundo o site do projeto.
O projeto já treinou 2.500 educadores em formações presenciais, que podem durar de um a três dias, em escolas públicas e particulares. Nos cursos online, foram 5.600 matriculados – todas as capacitações são gratuitas.
Em outubro do ano passado, o EducaMídia veio ao Recife e ofereceu uma oficina de formação para professores da rede pública, numa parceria com a Escola Técnica Estadual Cícero Dias, em Boa Viagem, Zona Sul da cidade. A ação teve a participação de 120 professores e coordenadores pedagógicos do ensino médio e dos anos finais do ensino fundamental. Os participantes puderam vivenciar exemplos da prática da educação midiática e discutir ferramentas para aplicação em sala de aula.
Patricia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, entidade que lidera o EducaMídia, destaca a importância de possuir uma educação midiática que auxilie o cidadão no combate às desinformações. “Essas necessidades são para todos nós, independente da idade ou classe social. Somente assim podemos participar de forma crítica e responsável da sociedade, sem disseminar desinformação, boatos, mentiras e outros tipos de conteúdos comumente chamados de ‘fake news’. É só observar o cenário da pandemia não só aqui, mas em outros lugares do mundo. No Irã, mais de 40 pessoas morreram após ingerirem uma substância que prometia a cura do coronavírus - essa ‘informação’ mentirosa foi espalhada por lá. As pessoas precisam ter ética e responsabilidade na hora de se informarem e de compartilharem conteúdos. É uma questão de cidadania e de empatia".
A Escola de Jornalismo da Énois, além de realizar trabalhos de checagem de notícias, também sistematizou metodologias de comunicação que apresentam aos professores boas práticas de consumo de informação.
Parte da responsabilidade para o combate das desinformações e o acesso mais democrático para adquirir as competências de leitura crítica da mídia precisam vir dos veículos de comunicação, segundo Nina Weingrill, da Énois Conteúdo. “Os veículos tradicionais usam jargões, palavras, formas de se comunicar que não são acessíveis para grande parte da população. A gente tem um número muito grande de analfabetos, analfabetos funcionais, então é também dever da mídia, da imprensa, de pensar de que forma ela consegue se tornar mais acessível, se conectar mais com as pessoas e estar mais a serviço da sociedade, e ser mais transparente nos seus processos”, relata Weingrill.
Conheça o Confere.ai
O Confere.ai, uma ferramenta de checagem automática de notícias e de produção de conteúdos sobre desinformação desenvolvida pela startup Verific.ai e pesquisadores da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) junto ao Sistema Jornal do Commércio de Comunicação (SJCC). O projeto tem o objetivo de ampliar a cultura da verificação e criar mecanismos para ajudar a audiência a identificar de forma mais rápida e segura conteúdos falsos ou enganosos. Para acessar, basta entrar no site confere.ai ou buscar nas páginas iniciais dos sites do SJCC.
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