Saúde

Contato com outros coronavírus pode ter ajudado na queda do número de mortes por covid-19 na Amazônia

Na primeira fase da pesquisa, realizada entre os dias 14 e 21 de maio, seis cidades amazônicas despontavam como as de mais alta prevalência do SARS-CoV-2 no país

Agência Fapesp
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Publicado em 27/07/2020 às 7:42 | Atualizado em 27/07/2020 às 7:42
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De acordo com o balanço oficial, 4.635 pessoas morreram no país de covid-19, vírus que já causou quase 2 milhões de mortes no mundo - FOTO: PIXABAY

Elton Alisson | Agência FAPESP – O contato anterior da população da Amazônia com algum dos subtipos de coronavírus que circulam na região pode ser uma das hipóteses pelas quais, após atingir 25% de prevalência de infecção pelo SARS-CoV-2, algumas cidades da região Norte do país começaram a registrar queda no número de mortes por COVID-19.

A avaliação foi feita pelo epidemiologista Cesar Victora, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), do Rio Grande do Sul, e um dos coordenadores da pesquisa EPICOVID-19-BR, em debate on-line sobre o Brasil pós-pandemia da COVID-19, realizado no dia 17 de julho durante a “Mini Reunião Anual Virtual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)".

O evento foi uma versão on-line e reduzida da 72ª Reunião Anual da entidade, que aconteceria de 12 a 18 de julho, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal, cancelada em razão da pandemia de COVID-19. “Os últimos estudos têm mostrado que já ter tido algum contato com algum coronavírus confere proteção ao SARS-CoV-2, que é uma mutação extremamente letal em comparação com outros coronavírus mais comuns”, disse Victora.

“Talvez isso explique por que a prevalência da infecção pelo novo coronavírus começou a cair depois de atingir 25% da população de cidades da região”, afirmou.

Coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel, o EPICOVID-19-BR é um dos maiores estudos epidemiológicos do mundo sobre a prevalência de infecção pelo novo coronavírus. De acordo com Victora, já na primeira fase da pesquisa, realizada entre os dias 14 e 21 de maio, seis cidades amazônicas – Manaus e Tefé, no Amazonas, Macapá, no Amapá, e Breves, Castanhal e Tefé, no Pará – despontavam como as de mais alta prevalência do SARS-CoV-2 no país.

A segunda fase do estudo, que ocorreu entre os dias 4 e 7 de junho, apontou que, entre as 15 cidades com mais de 10% de prevalência, 12 estavam situadas ao longo do rio Amazonas.

“Foi surpreendente que a epidemia de COVID-19 no Brasil explodisse na região amazônica. Esperávamos que isso tivesse acontecido em São Paulo ou no Rio de Janeiro”, disse.

Uma das hipóteses, segundo Victora, é que o SARS-CoV-2 chegou às cidades amazônicas pela rota asiática, vindo diretamente da China, enquanto nas cidades do Sudeste do país o vírus chegou via Europa.

No Estado do Amazonas há uma forte presença de indústrias chinesas na Zona Franca de Manaus. O trânsito de pessoas vindas do país asiático – que foi o primeiro epicentro da doença – fez com que Manaus fosse a primeira cidade a registrar uma explosão de casos do novo coronavírus.

“Isso fez com que Manaus fosse mais fortemente impactada pela epidemia. São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife, onde o vírus chegou vindo de países da Europa, como a Itália e Espanha, foram os segundos epicentros da doença e para onde turistas brasileiros viajaram”, explicou Victora.

O transporte fluvial na Amazônia, em barcos lotados, pode ter levado o vírus para cidades pequenas ao longo do rio, como Castanhal, no Pará, e Tefé, no Amazonas. “A possibilidade de que a transmissão tivesse ocorrido ao longo do rio Amazonas, tendo iniciado em Manaus, é a mais provável”, avaliou o pesquisador.

Os resultados do estudo também indicaram que a prevalência de anticorpos em indígenas é cinco vezes maior do que em brancos. Entre pardos, negros e mais pobres a prevalência é equivalente ao dobro da dos brancos.

No caso dos indígenas, de acordo com o pesquisador, uma das razões para essa disparidade na comparação com os brancos são as condições de pobreza e moradia. Projeções indicaram que, mesmo se tivessem idênticas condições de moradia, renda e educação dos brancos, os indígenas ainda teriam duas vezes mais prevalência de anticorpos em comparação com esse grupo.

“Isso sugere que pode haver algum outro fator responsável, como um componente genético”, sugeriu Victora.

Interrupção do estudo

Os pesquisadores estão em busca de outras fontes de financiamento da pesquisa, feita com 90 mil pessoas, de 133 cidades de todas as regiões do país, e interrompida pelo Ministério da Saúde, segundo Victora, por discordância em relação a alguns resultados.

A continuidade do estudo é vital para a compreensão da real magnitude da pandemia no Brasil e para responder uma série de perguntas, como por que a epidemia no país começou em uma região quente e não fria e por que a prevalência não passa de 30%, entre outras questões, apontou o pesquisador.

“Ainda há uma série de dúvidas para serem esclarecidas. Por isso é necessário investir mais e mais em ciência”, avaliou. A ideia dos pesquisadores é, quando tiver disponível a vacina para o SARS-CoV-2, realizar um estudo, com o mesmo delineamento da EPICOVID-19, para monitorar a imunidade da população brasileira. “Manter esse tipo de investigação trará grandes benefícios para a população brasileira”, afirmou Victora.

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