Conteúdo verificado: Texto diz que o resultado do Ideb teve o maior salto dos últimos 15 anos no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
São verdadeiras as informações de um texto do site Jornal da Cidade Online que diz que a avaliação do Ensino Médio teve no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) o maior salto desde 2005. A notícia usa os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019, que apresentou uma nota de 4,2, em uma escala de 0 a 10.
- Projeto Comprova: é falso que Israel controle o coronavírus sem distanciamento social
- Projeto Comprova: reportagem de TV italiana sobre vírus criado em laboratório chinês não tem relação com a covid-19
- Projeto Comprova: sepultamentos cresceram 47% no cemitério Vila Formosa em São Paulo entre março e abril
O índice é divulgado a cada dois anos. O resultado de 2019 foi maior que o de 2017 (3,8), mas o número ficou abaixo da meta prevista pelo governo, que era de 5. O resultado segue uma tendência do Ensino Médio brasileiro, que não bateu a meta nos últimos quatro resultados do Ideb.
O Ideb faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e calcula a qualidade do ensino com base nos dados do Censo Escolar e médias de desempenho nas avaliações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), como a Prova Brasil. Os índices consideram os anos iniciais do Ensino Fundamental (do 1º ao 5º ano), anos finais (6º ao 9º ano) e Ensino Médio.
Como verificamos?
O primeiro passo da verificação foi acessar o site do Inep para saber se os dados eram reais. Lá, encontramos os resultados e as metas estipuladas desde 2005.
Na sequência, fomos em busca de especialistas para repercutir os resultados do instituto. Fizemos uma entrevista por e-mail com Maria Teresa Gonzaga Alves, professora do departamento de ciências aplicadas à educação da faculdade de educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e uma por WhatsApp com Ana Helena Rodrigues, assessora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação – nesta última, as respostas foram enviadas em um arquivo de Word.
Enviamos e-mails para o Inep e para o Ministério da Educação com questões envolvendo o resultado do Ideb, mas não obtivemos resposta.
O que é o Ideb?
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica é um indicador criado em 2007, ainda na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Apesar de lançado em 2007, o programa usou o mesmo método para calcular as notas de 2005 e colocá-las como base para as metas dos anos seguintes.
Os resultados do Ideb são a combinação dos índices de rendimento escolar (taxas de aprovação, reprovação e abandono) e médias de desempenho. A taxa é calculada a partir dos dados do Censo Escolar e das médias de desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica.
A responsabilidade pelos resultados do Ideb acaba sendo dividida entre poderes estaduais e municipais. Isso porque as escolas, as cidades e os estados têm metas individuais a serem atingidas a cada dois anos. É com base nesses dados que o Ministério da Educação traça o planejamento de distribuição de recursos.
Ana Helena Rodrigues, assessora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, faz ressalvas ao Ideb como instrumento de avaliação da educação brasileira.
“É um modelo de avaliação extremamente limitado, por considerar somente as notas de Matemática e Língua Portuguesa na avaliação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e índices de aprovação do Censo Escolar para analisar o desenvolvimento da educação básica brasileira. Ainda que as notas tenham apresentado aumento, isso não significa melhora na qualidade da educação como um todo. Para avaliar a qualidade ou o desenvolvimento da educação é necessário considerar uma série de outros fatores, como infraestrutura das escolas, formação e valorização dos profissionais da educação, gestão escolar, etc.”, explica.
A cada dois anos, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, vinculado ao Ministério da Educação, divulga os resultados do Ideb dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano), anos finais (6º ao 9º ano) e ensino médio. O ciclo do índice chegará ao fim em 2021, com a meta do ensino médio fixada em 5,2.
“Seria muito bom se os educadores de fato pudessem influenciar no que irá suceder o Ideb, no seu aperfeiçoamento ou na proposição de outros indicadores para uma avaliação educacional mais relevante para as escolas”, analisa Maria Teresa Gonzaga Alves, professora do departamento de ciências aplicadas à educação da faculdade de educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Abaixo da meta
A nota do ensino médio em 2019 realmente foi superior aos números anteriores apresentados pelo Ideb. Ainda assim, o valor de 4,2 ficou abaixo da meta estipulada no Plano de Desenvolvimento da Educação, que era de 5.
“Se aceitarmos que os componentes do Ideb refletem uma concepção de qualidade – isto é, qualidade significa mais aprendizado com menos reprovação –, essa qualidade estava um pouco melhor somente nos anos iniciais do ensino fundamental devido, sobretudo, ao aumento da taxa de aprovação. (…) A elevação da média pode não ter um significado substantivo que aparenta”, analisa Maria Teresa Gonzaga Alves.
Esse é o quarto ano seguido que a nota do Ensino Médio fica abaixo da meta estipulada. O mesmo aconteceu em 2013, 2015 e 2017.
“O Ensino Médio é uma etapa que tem sido negligenciada pelas políticas educacionais. A própria reforma do Ensino Médio não trouxe melhora, pois a exclusão se mantém com a carência de políticas intersetoriais mais robustas, com programas de aprendizagem, de proteção social etc.”, opina Ana Helena Rodrigues, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Em entrevista coletiva depois da divulgação dos resultados, Carlos Eduardo Moreno Sampaio, diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, considerou “expressivo” o aumento do índice do Ensino Médio. “Temos de comemorar, sobretudo porque o ensino médio vinha em um ritmo bem lento de crescimento
Posição semelhante teve Fernando Haddad (PT), ministro da Educação na época da criação do PDE:, “Havia (e há) grande preocupação com o Ensino Médio, que reagia pouco aos estímulos oferecidos. Só os desinformados, contudo, podem considerar o recém-divulgado aumento de 0,4 ponto do Ideb um fato menor”, escreveu em sua coluna na Folha de S. Paulo.
Ele considerou ser normal uma demora na evolução do Ensino Médio, em comparação com os resultados apresentados pelo Fundamental. “A onda de melhoria tinha que começar pelos anos iniciais e só com o tempo chegaria ao ensino médio.”
Limitações
O índice deveria servir apenas como um auxílio, mas adquiriu protagonismo político ao ser incluído na Meta 7 do Plano Nacional de Educação. Especialistas citam uma série de falhas e de limitações no uso do Ideb como ferramenta para avaliar o Ensino Médio brasileiro. A começar pela periodicidade do índice, divulgado apenas nos anos ímpares.
De acordo com pesquisadores da área, sistemas de ensino podem “burlar” o Ideb ao adotar critérios diferentes conforme o ano em questão. Segundo eles, nos pares, emprega-se um nível mais exigente, com maiores taxas de reprovação para estudantes com desempenho mais fraco; nos ímpares, quando o índice é calculado, evita-se a reprovação.
“Essa hipótese nos leva ao problema das trajetórias escolares que não são consideradas no índice. Esse é um problema invisibilizado no Ideb. O indicador é calculado com dados transversais. Ele não capta as trajetórias escolares, que só podem ser estudadas com dados longitudinais”, explica Maria Teresa Gonzaga Alves.
Sinaeb
O impacto do resultado do Ideb esbarra em outras limitações. O índice não mede ítens importantes como infraestrutura das escolas, formação e valorização dos profissionais da educação e gestão escolar. Para contemplar esses aspectos, especialistas defendem a implementação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), previsto na lei 13.005/2014. Ele consta na EC 108/2020, que regulamentou o novo Fundeb.
“Celebrar um avanço tão pequeno em uma avaliação tão limitada é, no mínimo, insensato. Ainda que tenha havido uma melhora, esse dado vale para um período pré-pandemia. Vivemos em uma realidade em que as políticas de continuidade das atividades escolares de forma remota excluíram e discriminaram uma grande parcela dos estudantes. Esses resultados do Ideb 2019 já não têm valor. Houve uma quebra de continuidade no processo do desenvolvimento da educação que está sendo ignorada”, analisa Ana Helena Rodrigues.
Os microdados do Ideb de 2019, com o detalhamento de todos os resultados que compuseram a nota, ainda não foram divulgados. Sem eles, para Maria Teresa Gonzaga Alves, é difícil analisar o atípico crescimento em Matemática e em Língua Portuguesa no Saeb.
Por que investigamos?
A terceira fase do Comprova visa verificar postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia da covid-19 e de políticas públicas do governo federal.
Apesar da melhora apresentada no último resultado divulgado pelo Inep, o Brasil tem tido dificuldade para atingir as metas recentes do Ideb para o Ensino Médio.
Esta verificação foi sugerida por leitores do Comprova. A postagem do Jornal da Cidade Online teve 25 mil curtidas e mais de 1 mil comentários no Facebook até o fechamento deste texto.
O Comprova já fez outras verificações envolvendo o site. Durante as eleições de 2018, mostrou ser falso que códigos das urnas eletrônicas haviam sido entregues a venezuelanos. No ano passado, um artigo publicado no site de notícias misturava dados para fazer parecer que a avaliação do presidente Jair Bolsonaro havia melhorado. Mais recentemente, um texto do Jornal da Cidade Online distorcia declarações da Organização Mundial da Saúde sobre a hidroxicloroquina.
Comprovado, para o Comprova, é o fato verdadeiro ou o conteúdo original publicado sem edição.
Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para checar conteúdo viral nas redes sociais. Investigado por: O Estado de S. Paulo e UOL. Verificado por: Jornal do Commercio, Nexo Jornal, Folha de S. Paulo, Correio, A Gazeta, Poder 360 e Diário do Nordeste.
Comentários