Educação

É seguro voltar à escola? O que dizem os pesquisadores

Para que o ambiente tenha risco mínimo de transmissão do coronavírus, novos casos devem ser menores que cinco por 100 mil habitantes, e a taxa de contágio, inferior a um

Débora Oliveira
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Débora Oliveira
Publicado em 09/10/2020 às 13:52 | Atualizado em 10/12/2020 às 15:20
BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM
Professores que lecionaram na rede estadual de Pernambuco entre 1997 e 2006 vão receber o abono com precatório do Fundef nesta sexta-feira - FOTO: BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM

Além de Pernambuco, outras sete redes estaduais do Brasil se preparam para reabrir as portas. Para que a retomada não represente riscos de tornar as escolas epicentros de surtos, as medidas sanitárias devem ser consonantes ao controle da transmissão na comunidade, segundo órgãos internacionais e nacionais de saúde.

No início de setembro, o Governo publicou um protocolo que determina o envio de máscaras e álcool em gel 70% para alunos e funcionários, medição de temperatura na entrada do local, pontos de fácil acesso para lavagem das mãos, higienização de grandes superfícies e calçadas com soluções específicas, além de uma etiqueta de distanciamento a ser seguida por estudantes e funcionários durante todo o convívio.

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), questiona até quando essa estrutura de condições sanitárias poderá ser mantida. Além disso, a entidade argumenta que, apesar da queda nos números em Pernambuco, os casos se estabilizaram em um patamar bastante elevado e não significam controle da transmissão. Em assembleia realizada na última quinta-feira (08), a entidade interrompeu a greve iniciada na segunda (06) para entrar em negociação com o estado, que suspendeu as aulas presenciais na rede pública até o próximo dia 21 de outubro. O ensino remoto também será tema dos debates.

Caso não haja efetivação do pacto entre o estado e o Sintepe, a determinação do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) desta sexta-feira (09) é de que "o retorno se efetive dentro do prazo de três dias, a partir de 13/10/2020".

>> TJPE suspende liminar que proíbe aula presencial na rede estadual e dá prazo para retorno à escola

Para a epidemiologista do Instituto de Pesquisa Aggeu Magalhães (IAM/Fiocruz) Ana Brito, a decisão não é sobre a qualidade ou não das orientações do estado. “Hoje o que vale é o ‘protocolo’. Você tendo um pode abrir qualquer atividade. Mas antes de tudo existem parâmetros que são necessários para que as coisas funcionem. Protocolo não é segurança sanitária, são condições que você cria para conviver com uma disseminação em baixos níveis desta pandemia. Se nós não temos controle disso, não temos condições de flexibilizar atividades que resultarão em interação entre as pessoas.”

A reportagem buscou algumas das recomendações publicadas por entidades internacionais e brasileiras que destacam para onde os governos locais devem olhar a fim de tomar decisões sobre a abertura das escolas.

Indo além dos protocolos: como está a pandemia?

Em setembro, o órgão estadunidense Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) publicou um guia com os principais indicadores de uma volta às aulas segura, com base na observação do coronavírus e no exemplo de outros países. A publicação reforça que a reabertura não deve depender apenas de estratégias de mitigação internas, mas ocorrer após observação das taxas de transmissão na comunidade local.

Reprodução/CDC
Tabela parcial dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), traduzida para o português. Acesso em: 07/10/2020. Confira a tabela completa, com os indicadores secundários, no site da CDC: www.cdc.gov - Reprodução/CDC
Para que o ambiente tenha risco mínimo de transmissão, os novos casos durante os últimos 14 dias devem ser menores que cinco por 100 mil habitantes. Além disso, durante o mesmo período, os resultados positivos dos testes de biologia molecular (RT-PCR) não podem ultrapassar os 3% do total. Eles são indicados para quem apresenta sintomas gripais até o sétimo dia do início do quadro.

Até a tarde desta quinta-feira (08), Pernambuco registrou 83,5 casos por 100.000 habitantes, ou seja, estaria entre os locais onde potencialmente há maior risco de transmissão nas escolas. Segundo dados divulgados pelo boletim diário da Secretaria de Saúde, no total foram mais 500 mil testes realizados no estado, dentre os modelos rápidos, sorológicos e RT-PCR. A Secretaria de Saúde informou que não dispõe de dados específicos sobre os positivos RT-PCR.

Atualmente, estes últimos só são realizados no Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen-PE), Instituto Aggeu Magalhães, HLA Diagnóstico, Laboratório Federal de Defesa Agropecuária (LFDA), IMIP, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), todos no Recife, além do Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco (HU Univasf), em Petrolina, e em unidades privadas.

Caso as escolas retornem, os casos suspeitos devem ser isolados em domicílio e agendar os testes por meio do aplicativo Atende em casa. Os pacientes presentes em municípios não atendidos pelos laboratórios devem ser encaminhados para as cidades onde há a realização de teste moleculares, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. O agendamento depende da capacidade de testagem dos centros e do local.

“Não temos testes suficientes para massificar a testagem”, argumenta Ana Brito, “Vamos dizer que o Governo corra o risco de reabrir e algum caso surja em uma turma, todos os alunos e professores de lá serão contatos. Todos teriam que fazer o teste de biologia molecular. A gente passa horas para conseguir que um paciente faça o teste por drive-thru, mesmo depois de anunciado que o teste está conosco. Nós não temos retaguarda de saúde.”

O rastreamento do contato é uma das medidas sanitárias recomendadas pelo CDC, além dos indicadores epidemiológicos. No Brasil, o procedimento é quase inefetivo, segundo pesquisadores.

Reprodução/CDC
Tabela parcial dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), traduzida para o português. Acesso em: 07/10/2020. Confira a tabela completa, com os indicadores secundários, no site da CDC: www.cdc.gov - Reprodução/CDC

Outro documento, com contribuições da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), destaca a subnotificação dos casos e de testagens no cenário brasileiro. De acordo com o relatório, os sistemas de saúde devem ser capazes de realizar os testes RT-PCR em massa antes de considerarem reabrir os locais de ensino. A partir deles, o rastreamento de contato deve ser imediato.

“O ideal é que o rastreamento seja feito dois dias anteriores ao início dos sintomas quando, aparentemente, você já está transmitindo o vírus. Os contatos identificados precisam manter um distanciamento pelo menos até o resultado do exame do caso suspeito. As medidas precisam ser tomadas muito precocemente, senão um contato passa para dois, que passa para mais dois e a cadeia sai do controle”, explica Patrícia Couto, pneumologista da Fiocruz e coordenadora do relatório.

Para Patrícia, a demora na realização dos testes é preocupante. “Quanto mais demoramos para testar o caso suspeito, mais a pessoa pode achar que os sintomas não são importantes ou que não são de covid-19, pode relaxar o isolamento e contaminar outros.”

A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um pedido para que os países da América reforcem o rastreamento de contato e sistemas de dados à medida que os setores da economia voltarem a abrir.

Outra recomendação da Fiocruz é que a taxa de contágio seja menor ou igual a 0,5 por um período de pelo menos sete dias. Isso significa que cada contaminado tem a possibilidade de infectar menos de uma pessoa. Quando este número é maior, uma cadeira de transmissão pode se multiplicar rapidamente.

Em parecer publicado pela Rede Solidária em Defesa da Vida de Pernambuco, endossado pelo Sintepe, profissionais de saúde e demais áreas do estado argumentam, dentre outras coisas, que a baixa cobertura de testagem, uma das menores do país, impossibilita o monitoramento da circulação do vírus nos municípios, sobretudo em um cenário de retorno das aulas.

Os assintomáticos

Um estudo conduzido pela Universidade Harvard, publicado no periódico The Journal of Pediatrics, identificou uma alta carga viral em crianças infectadas pelo novo coronavírus, apesar delas apresentarem um número menor do receptor que os colegas mais velhos e os adultos. Os cientistas descobriram que as crianças carregavam uma alta concentração do vírus, principalmente nos dois primeiros dias de infecção. A pesquisa vai de encontro a estudos anteriores, cujos resultados indicaram que os mais jovens eram menos suscetíveis ao Sars-Cov 2.

“Durante esta pandemia de COVID-19, rastreamos principalmente indivíduos sintomáticos, então chegamos à conclusão errônea de que a grande maioria das pessoas infectadas é de adultos. No entanto, nossos resultados mostram que as crianças não estão protegidas contra esse vírus. Não devemos descartar as crianças como propagadores em potencial”, disse o diretor do Centro de Pesquisa em Imunologia e Biologia da Mucosa do Hospital Geral de Massachusetts (MGH) e co-autor da publicação, Alessio Fasano, à The Harvard Gazette.

O estudo foi realizado com 192 crianças e adolescentes com idades entre zero e 22. Entre elas, 49 testaram positivo para SARS-CoV-2 e outras 18 tiveram Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), doença relacionada ao covid-19.

Para os cientistas, um problema específico da covid-19 é que muitas crianças são assintomáticas, podendo levar o vírus para suas casas sem passarem por isolamento e testes. Isso é especialmente preocupante em famílias de baixa renda que foram mais afetadas pela pandemia e/ou vivem com idosos no mesmo domicílio. “A criança é um importante vetor da pandemia porque na maioria das vezes as crianças desenvolvem a forma assintomática da covid-19. Isso já foi confirmado em outros países que fizeram rastreamento dos sintomáticos e seus contatos como a Itália, na Alemanha, na França e outros. Elas mantêm o vírus sem desenvolver nenhum sintoma”, explica Ana Brito.

Os órgãos recomendam que nenhum indicador, ou conjunto deles, sejam observados em separado, mas tomados como referências para que as comunidades analisem os riscos inerentes às decisões que optarem por tomar.

“O principal é dialogar com a comunidade. Para que qualquer protocolo funcione bem, ele deve ser entendido e aceito pela comunidade escolar. E isso são todos: alunos, pais, professores e funcionários. É importante a discussão e a participação no plano de retorno”, orienta Patrícia.

Confere.ai: não deixe de checar as informações sobre a retomada das aulas

Para verificar as informações que receber sobre os protocolos das aberturas das escolas, utilize o Confere.ai: https://confereai.ne10.uol.com.br/

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