ALIMENTAÇÃO

No Dia Mundial do Pão, saiba mais sobre a história deste alimento milenar e conheça o processo de fermentação natural

De vários nomes, formas, receitas e sabores, o pão é um dos alimentos mais tradicionais em todo o mundo e, nesta sexta-feira (16), tem um dia dedicado especialmente a ele

Vanessa Moura
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Vanessa Moura
Publicado em 16/10/2020 às 14:16 | Atualizado em 16/10/2020 às 14:16
Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Pães artesanais produzidos por Raquel Brizola, da Padaria Pé De Pão - FOTO: Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão

Seja o francês, o sírio, o australiano, o italiano ou o brasileirinho, não há quem resista ao aroma de pão quentinho invadindo o ambiente. De vários nomes, formas, receitas e sabores, o pão é um dos alimentos mais tradicionais em todo o mundo e, nesta sexta-feira (16), tem um dia dedicado especialmente a ele. Isso porque, desde o ano de 2000, a partir de uma reunião da União dos Padeiros e Confeiteiros em Nova York, o dia 16 de outubro virou oficialmente o Dia Mundial do Pão.

Com uma linha do tempo bastante comprida, a história do pão é antiga. Acredita-se que este alimento, no formato assado em forno de barro, tenha surgido há mais de seis mil anos, no Egito. No entanto, a história pode ser mais longa do que se imagina, e bem mais complexa do que se pensa.

"Não existe uma data concreta, ou registros do surgimento do pão, mas com certeza algo parecido já era feito há mais de 10 mil anos. O que a gente entende por pão hoje é uma massa de trigo fermentada e assada. Mas, na origem, o pão era bem diferente. Primeiro porque a fermentação não havia sido dominada pelos povos, segundo porque o trigo de 10 mil anos atrás não era o mesmo que comemos hoje. O pão era feito de diversos cereais diferentes, como cevada, espelta, e diversos outros que já nem existem mais", conta Milenna Gomes, jornalista de gastronomia e mestre em Alimentação, Fontes, Cultura e Sociedade, em entrevista à reportagem do JC.

Tais cereais eram macerados grosseiramente e misturados à água, criando uma espécie de massa ou creme, e desta forma eram consumidos, sem que fossem levados ao fogo. "Era tipo um mingau, e isso também era chamado de pão, só que de uma forma ancestral. Essa mistura também era assada, mas como não estava fermentada não crescia", explica Milenna. Apenas por volta de 4000 a.C, quando acredita-se que os egípcios descobriram que mistura de cereal e água poderia fermentar, crescer e ser manuseada, os pães passaram a ter o formato que conhecemos hoje.

Embora muito se fale a respeito da história do pão, os registros mais concretos são da Grécia e da Roma Antiga. “Há dois mil anos o pão era rotina no império romano, era comida tão comum, tanto de ricos como de pobres. O pão era comida básica da rotina do império e virou até slogan, pão e circo”, conta a pesquisadora. No livro Uma História Saborosa do Mundo, de Kenneth F. Kiple, o estudioso afirma que em 30 a.C já haviam cerca de 329 padarias com padeiros profissionais gregos em Roma.

Em 79 d.C, o vulcão Vesúvio entrou em erupção e engoliu as cidades de Pompeia, Herculano e Estábias, onde conhecemos como Itália. Apesar das cidades terem sido soterradas, muitos artefatos ficaram preservados por baixo das cinzas, a exemplo de um forno, que abrigava um pão carbonizado. Veja foto:

Fotografica Foglia (Naples)/ Museo Archeologico Nazionale di Napoli.
Pão encontrado nas ruínas da cidade de Pompeia - Fotografica Foglia (Naples)/ Museo Archeologico Nazionale di Napoli.

No Brasil, no entanto, foram os europeus que trouxeram a cultura do pão. “Como a farinha de trigo era bem difícil de ser encontrada no Brasil, caríssima, outras farinhas foram sendo usadas. A de mandioca e a de milho, por exemplo. Isso deu origem a muitas receitas que comemos até hoje”, revela a jornalista.

Em se tratando de sua relevância na economia, o nosso pãozinho faturou nada menos que R$ 95,080 bilhões (noventa e cinco bilhões e oitenta milhões de reais) só no ano de 2019, de acordo com dados fornecidos pela Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP). Além disso, o consumo mensal de pão francês no Brasil foi de 704,72 toneladas neste mesmo ano.

Também segundo dados da ABIP, em 2018 o Brasil contabilizava mais de 70 mil padarias, destas, 1.796 são localizadas em Pernambuco, o 12º estado com o maior número de panificadoras em todo o País.

Reprodução/ABIP
Número de Padarias por Estado 2018 - Reprodução/ABIP

A padaria Jaqueira, que nasceu com o nome de Panjovem, integra estes quase dois mil estabelecimentos instalados no Estado. A panificadora, que completa 44 anos de vida em 2020, está de portas abertas desde o ano de 1984, funcionando ininterruptamente.

Mas, é sob a tutela das proprietárias Riva e Juliana Wolfenson, mãe e filha, que há 20 anos assumiram o negócio, que a padaria vêm crescendo e se tornando referência em panificação no Estado. “É corriqueiro observar a surpresa das pessoas ao saber que somos só nós duas. Ou perguntarem pelo dono da padaria. Respondemos sempre com orgulho que, sim, somos duas mulheres e damos conta!”, conta Juliana à reportagem.

Além da paixão pelo bom e velho pãozinho, a empresária conta que ela e a mãe começaram no setor sem saber de muito, mas encontraram nas manhãs aconchegantes de preparo dos produtos, uma missão deliciosa a qual se dedicar. "A gente sempre amou pão, como praticamente toda família brasileira. Mas fizemos dele nosso 'ganha-pão'. Entramos no ramo sem experiência alguma, mas logo o ofício entrou no sangue e começou a fazer parte das nossas vidas, não largamos mais”. 

Hoje, a coproprietária da Padaria Jaqueira se enche de orgulho pela história construída ao longos dos anos. Segundo ela, é na padaria da família que as filhas e as sobrinhas encontram aconchego e afetividade. “As cinco netas de Riva, três delas minhas filhas, têm na padaria um espaço de aconchego e encontros: amam vir tomar café da manhã e comer um pão quentinho, saindo do forno, e se orgulham de fazer parte da família da Padaria Jaqueira", completou satisfeita.

Apesar das padarias serem o grande pólo de fabricação dos pães, é no forninho de casa que muitos apaixonados pelo alimento começam sua relação de afetividade e afinidade com a panificação.

“Não estaria hoje vendendo pães se não fosse apaixonada por eles, e não seria apaixonada se não tivessem entrado na minha vida desde muito nova. Minha mãe sempre fez nossos pães em casa. Pães comuns, fofinhos, de forma, às vezes com recheio doce, às vezes salgados. Desde aí eu já fui construindo uma afetividade pelo cheiro da massa crua, do pão ao sair do forno, o brilho quando eu pincelava manteiga por cima de cada um (era minha participação)”, revela a padeira Raquel Brizola.

Formada em Gastronomia desde 2013, Raquel conta que desde seus primeiros dias na academia já tinha uma leve vontade de trabalhar com panificação.

“Na época, ainda era uma área menos explorada, e a cadeira [disciplina da faculdade] não me ensinou muita coisa. Então com a receita da minha mãe mesmo comecei a vender pães que fabricava em casa”, disse.

Tempos depois, Raquel decidiu fazer a pós-graduação em Panificação e Confeitaria, onde começou a aprender sobre a fermentação natural. “Descobrir uma ciência fantástica por trás do que eu amava me deu a certeza de que era isso mesmo que queria pra minha vida”.

Após dois anos trabalhando em uma padaria de fermentação natural, onde começou a colocar em prática tudo o que havia estudado ao longo dos anos, Raquel chegou a ministrar diversas oficinas sobre panificação na cozinha do espaço. Agora, no entanto, a jovem padeira passou a trabalhar apenas em casa, onde produz suas receitas com mais autonomia e as vende em feirinhas ou online, através do e-commerce Padaria Pé de Pão, dando mais um passo em direção ao sonho de levar amor, afeto e cuidado através dos pães.

Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Pães artesanais produzidos por Raquel Brizola, da Padaria Pé De Pão - Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Pães artesanais produzidos por Raquel Brizola, da Padaria Pé De Pão - Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Pães artesanais produzidos por Raquel Brizola, da Padaria Pé De Pão - Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Pães artesanais produzidos por Raquel Brizola, da Padaria Pé De Pão - Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Pães artesanais produzidos por Raquel Brizola, da Padaria Pé De Pão - Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão
Pães artesanais produzidos por Raquel Brizola, da Padaria Pé De Pão - Raquel Brizola/Padaria Pé De Pão

“Desde que eu era criança, nunca foi só pão, ele é também um elemento que agrupa pessoas, agrupa família e amigos ao redor da mesa pro café da tarde”, finalizou Raquel.

A tendência da fermentação natural

Impossível estar vivendo em 2020 e não ter ouvido falar, pelo menos uma vez, na produção de pães de fermentação natural. Este processo, considerado muito mais saudável por médicos, nutricionistas e especialistas em alimentação funcional, está ganhando cada vez mais espaço nas ruas, nas redes e principalmente na mesa das pessoas.

“Neste ano de 2020, houve um grande aumento de pessoas querendo se alimentar melhor, das pessoas querendo produzir pães artesanais em casa. De comércios abrindo neste foco do alimento funcional. Percebo isso no consultório, como nutricionista, e também como consultora do mercado de comida saudável”, conta Débora Wagner, nutricionista há mais de 18 anos, especialista em Nutrição Clínica e Esportiva e chef de cozinha.

A profissional, que também atua como Consultora de Gastronomia Funcional e é professora de pós graduação no Centro Universitário dos Guararapes (UniFG), atua também no mercado de comida saudável, ministrando cursos e treinamentos em Culinária Funcional. “Eu ingressei na nutrição por conta paixão pela cozinha. Eu já cozinhava desde muito nova e trabalhava com venda de pães, tortas e doces. Entrei na nutrição, porque na época não tinha escola formal de gastronomia como temos hoje, mas depois que eu me formei em nutrição fiz a formação de Chef de Cozinha e me especializei em Culinária Natural”.

De acordo com ela, se consumido de forma equilibrada, o pão de fermentação natural pode ser um potente aliado no cuidado com a saúde e organismo. “O pão é um alimento maravilhoso que a gente pode preparar com três ingredientes: água, farinha e sal. Esse pão original que a gente preza tanto que as pessoas consumam, com a fermentação natural através das leveduras de fermentação da farinha, tem um valor especial e pode ser consumido de maneira equilibrada dentro do cardápio das pessoas”, disse.

A nutricionista explica que o pão só passa a ser um grande vilão na nutrição, quando o consumo dele não é equilibrado com outros alimentos que sejam fontes também de carboidratos, com fibras e fitoquímicos, substâncias de grande valor funcional.

“O pão só se torna ruim quando fazemos uma alimentação baseada apenas no pão. E principalmente um pão que não tem a qualidade nutricional de um pão de fermentação natural. Quando a gente fala em pão de qualidade, pensamos num mix de farinhas, preferencialmente de farinha branca com integral ou farinha 100% integral, que sempre terá um valor nutricional melhor, porque além de ser fonte de carboidrato, é fonte de um carboidrato complexo, que tem uma degradação mais lenta, e com o plus da fermentação natural ainda contamos com probióticos, que são as bactérias e leveduras que fermentam a farinha e são muito importantes para o nosso intestino, ajudam na digestão e absorção desse carboidrato e ainda nutre o nosso organismo. É como se o pão já viesse previamente digerido por essas leveduras. O pão dessa forma é funcional. Claro que colocado no dia a dia das pessoas de maneira equilibrada, sem exageros”, completa.

 

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