Testemunha diz que ''kit covid'' foi usado para reduzir custo de internações
No depoimento, a ex-funcionária da Prevent Senior listou uma cadeia de comando com 11 médicos da direção da empresa
Uma ex-funcionária da rede Prevent Senior ouvida pela Polícia Civil de São Paulo disse que a estratégia da operadora de saúde ao conduzir um estudo com hidroxicloroquina em pacientes com covid-19 tinha como objetivo reduzir custos com internações e, ao mesmo tempo, dar "visibilidade" à empresa como referência no tratamento do vírus.
O Estadão teve acesso ao depoimento da testemunha, que faz parte do inquérito aberto para investigar as mortes ocorridas em hospitais do plano de saúde. A identidade dela foi mantida em sigilo pelos policiais como medida de segurança.
No depoimento, a ex-funcionária listou uma cadeia de comando com 11 médicos da direção da empresa que seriam responsáveis por pressionar toda a equipe médica da rede a adotar o tratamento precoce com o chamado "kit covid", composto por hidroxicloroquina e azitromicina, fármacos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. A orientação, disse ela aos policiais, era enviar o medicamento para a casa dos pacientes com sintomas, mesmo antes de qualquer teste diagnosticar a doença.
"Tais medidas de combate à pandemia visaram apenas a redução de custos com a internação de pacientes, uma vez que o hospital é do próprio convênio e internações geram custos", diz o relato da testemunha. Segundo ela, a prática era recorrente nas unidades da rede.
A Prevent Senior passou a ser alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid depois de um grupo de 15 médicos, todos ex-funcionários da rede, enviar um dossiê aos senadores afirmando que pacientes receberam tratamento com cloroquina sem serem informados, o que é ilegal. Em entrevista à GloboNews, profissionais afirmaram ainda que a operadora de saúde omitiu mortes pela doença no estudo em que pretendia comprovar a eficácia do kit covid. Segundo eles, nove pacientes vieram a óbito, mas o estudo relata apenas dois casos.
Essa pesquisa foi citada pelo presidente Jair Bolsonaro, defensor do tratamento, como indício de que as drogas funcionavam em casos de covid. Enquanto isso, o presidente desestimulava outras medidas para combater a disseminação do vírus, como uso de máscaras, isolamento social e a vacinação.
As mortes de pacientes tratados com hidroxicloroquina na Prevent Senior já vinham sendo investigadas por autoridades de São Paulo desde antes da instalação da CPI da Covid, após reportagens sobre o tema serem veiculadas pela GloboNews, em abril deste ano. Uma dessas frentes é na Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da capital.
O inquérito policial ainda está em andamento. Ele foi aberto a pedido do Ministério Público. Em São Paulo, há também uma investigação na esfera civil que apura atos contra a saúde pública por parte da empresa na condução da pandemia do novo coronavírus.
Atendimento
A Prevent Senior é uma das maiores operadoras de saúde do País, focada no atendimento de idosos. Ela controla a rede de hospitais Sancta Maggiore. Foi em uma unidade da rede que, em março do ano passado, houve a primeira morte por covid-19 - a confirmação de que a vítima, um homem de 62 anos, estava com o vírus, se deu após o óbito.
A rede privada informou, por nota, que "vai pedir investigações ao Ministério Público que apurem as denúncias infundadas e anônimas levadas à CPI por um suposto grupo de médicos". Disse ainda que uma advogada teria proposto um "acordo" para evitar a divulgação das informações. "Devido à estranheza da abordagem, a Prevent Senior tomará todas as medidas judiciais cabíveis."