Antiviral em teste da Pfizer não tem ivermectina na fórmula
São falsas as alegações feitas em vídeo de que a Pfizer estaria desenvolvendo um remédio para covid-19 que contém, entre seus componentes, a ivermectina. A farmacêutica está, sim, produzindo um medicamento via oral contra a doença, mas, como a empresa informou ao Comprova, sua fórmula não contém o antiparasitário, comprovadamente ineficaz contra o coronavírus
Conteúdo verificado: Um vídeo que circula no TikTok afirma que a Pfizer está desenvolvendo um remédio para covid-19 com ivermectina na composição.
É falso o conteúdo de um vídeo que circula no TikTok afirmando que a Pfizer está desenvolvendo um medicamento contra a covid-19 com ivermectina em sua fórmula. O PF-07321332 (nome provisório do medicamento em teste) é uma terapia antiviral projetada especificamente para ser administrada por via oral.
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Como a farmacêutica informou ao Comprova, o remédio é um “inibidor de protease”, enzima presente no novo coronavírus necessária para que ele se replique, e não tem nenhuma semelhança com a ivermectina ou com “qualquer composição” dela.
Naylson Ribeiro, farmacêutico clínico formado pelo Instituto de Ciência e Tecnologia da Qualidade (ICTQ) do Piauí, explica que a ivermectina é um antiparasitário, enquanto o medicamento desenvolvido pela Pfizer é um antiretroviral. “São mecanismos de ação diferentes”, disse.
A reportagem tentou contato com o autor do vídeo, mas não obteve retorno até a conclusão desta verificação. O Comprova considerou o conteúdo falso porque foi inventado.
Como verificamos?
A reportagem buscou informações sobre o autor do vídeo em redes sociais como TikTok, Facebook e LinkedIn.
Para saber sobre o remédio em desenvolvimento, levantamos informações no site da farmacêutica Pfizer e contatamos a assessoria de imprensa da empresapor e-mail. Além disso, buscamos sua composição química nos sites DrugBank, PubChem e Chemical & Engineering News.
No site da Abbott Laboratories, fabricante da ivermectina, encontramos informações sobre o antiparasitário, inclusive sua fórmula molecular.
Também entrevistamos Naylson Ribeiro e o professor doutor em Farmacologia da Universidade Federal de Campina Grande Sávio Benvindo Ferreira.
O medicamento em teste
Em março deste ano, a Pfizer iniciou um estudo clínico de fase 1 de um antiviral contra a covid-19 via oral em adultos saudáveis para verificar sua segurança, tolerabilidade e farmacocinética. Chamado inicialmente de PF-07321332, o medicamento atua como um inibidor que impede a replicação do vírus causador da doença nas células.
Em julho, a farmacêutica anunciou em seu site o progresso dos estudos e a evolução para testes nas fases 2 e 3 com o intuito de avaliar a eficácia e a segurança do medicamento, administrado com uma baixa dose de ritonavir (antirretroviral prescrito no tratamento do HIV) em pacientes diagnosticados com o coronavírus e com alto risco de ter o quadro piorado.
Segundo explica reportagem da Galileu, “a droga foi desenvolvida para se conectar à estrutura do Sars-CoV-2, impedindo que ela realize o seu papel: ‘cortar’ o material genético do patógeno e dar origem a novos vírus”. E, como informou a farmacêutica ao Comprova, no passado, o mecanismo dos inibidores de protease revolucionaram o tratamento de HIV e hepatite C, outras doenças virais.
O medicamento em teste e a ivermectina
Diferente do que o autor do vídeo afirma, o remédio que a Pfizer está testando não leva ivermectina em sua fórmula. No vídeo, ele diz que quando a farmacêutica “precisava vender vacina, a ivermectina não tinha comprovação científica” e que, “agora, ela pode ser usada”, o que é uma informação falsa, segundo a checagem feita pela reportagem.
A Pfizer está pesquisando medicamentos contra a covid desde o início da pandemia, como afirma em seu site. E, como afirma mensagem enviada ao Comprova, o PF-07321332 não tem relação nenhuma com o antiparasitário.
O mesmo já havia sido informado pela empresa anteriormente. Conforme a Folha noticiou em agosto, “em ofício enviado ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, que solicitou informações sobre o medicamento à empresa”, a Pfizer afirmou que o antiviral estudado “é composto de estruturas químicas e mecanismos de ação totalmente diferentes da hidroxicloroquina, da azitromicina e da ivermectina”.
Entrevistado pela reportagem, Naylson Ribeiro, farmacêutico do ICTQ do Piauí, diz que os dois remédios são de classes farmacológicas totalmente diferentes. “A ivermectina é um antiparasitário de amplo espectro, enquanto que o PF-07321332 atua na inibição da protease, enzima que o vírus precisa para se replicar e infectar novas células”, diz ele.
Sobre o uso do antiparasitário contra a covid, o Ministério da Saúde do Brasil afirmou em março que “o uso da ivermectina para covid-19 não está previsto em bula e a utilização off label [fora do que a bula prescreve], até o momento, não teve o respaldo das agências reguladoras, bem como do fabricante do medicamento”. Mesma opinião da Organização Mundial da Saúde (OMS), que não recomenda a utilização “para quaisquer outros propósitos diferentes daqueles para os quais seu uso está devidamente autorizado, como para tratamento de oncocercose e sarna”.
O vídeo
O autor do vídeo usa como fundo de tela uma ampliação de um texto do site Zero Hedge intitulado “Pfizer lança estudo final para medicamento covid que é supostamente semelhante a ‘pasta de cavalo'” e, logo após ler o título, aponta no conteúdo do texto a palavra “ivermectina”.
O Zero Hedge afirma em um manifesto no site que uma de suas missões é “liberar o conhecimento oprimido”. A página é conhecida por compartilhar informações de extrema-direita.
O link do texto citado no vídeo está com um aviso no Twitter dizendo que ele pode ser inseguro.
Em uma reportagem da ABC News, divulgada em fevereiro deste ano e intitulada “Os super espalhadores por trás das principais teorias da conspiração covid-19”, o Zero Hedge é citado por republicar um texto de um site ligado a teorias da conspiração.
No ano passado, o Zero Hedge foi banido do Twitter por relacionar um cientista chinês à pandemia.
O autor do vídeo
No Linkedin, Luciano Raul Mazeo – que usa o perfil @lucianomazeo no TikTok – se denomina jornalista, estudante de História e autodidata e afirma ter experiência como “coordenador de mídias sociais no partido Patriotas”.
A reportagem enviou e-mail para o grupo Anhanguera Educacional, que aparece no LinkedIn de Mazeo, para confirmar se ele estuda ou já estudou na instituição – a faculdade respondeu que ele “não é mais aluno da instituição”.
Já em sua página no Facebook, Mazeo se apresenta como empreendedor.
O Comprova tentou falar Mazeo via WhatsApp e mensagem privada no Facebook e no Instagram, mas ele não respondeu em nenhum dos canais. Após a tentativa de contato, o post verificado aqui passou a aparecer como “vídeo indisponível” no TikTok.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O post verificado aqui foi visualizado 31,7 mil vezes no TikTok até 18 de outubro — depois, foi retirado do ar.
Ao defender a ivermectina contra a covid-19, o autor do vídeo vai contra as evidências científicas e coloca a saúde da população em risco ao indicar um medicamento que até o momento não possui eficácia comprovada contra a doença. Além disso, ele menospreza a vacina, dizendo que não se imunizou, sendo que o produto é a ferramenta mais eficaz contra o coronavírus no momento.
UOL Confere, Boatos.org, AFP Checamos, Associated Press e Politifact checaram conteúdos semelhantes.
O Comprova já publicou outras verificações relacionadas à pandemia, como a que informa ser falso que documento da Suprema Corte dos Estados Unidos afirma que vacinados se tornam transumanos e a reportagem que mostra que deputada distorce entrevista de diretora do CDC para criticar vacinas e “passaporte sanitário“.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para verificar conteúdo viral nas redes sociais. Investigado por: Folha de S. Paulo e Residência Comprova. Verificado por: UOL, Correio Braziliense, GZH, Jornal do Commercio, Correio de Carajás, A Gazeta, Revista Piauí e SBT.