Morte de brasileiro que aparece em vídeo de protesto nos EUA não teve relação com a vacina
É enganoso o vídeo que mostra um memorial em homenagem a supostas vítimas da vacina contra a covid-19 ao redor do mundo, entre elas um adolescente brasileiro. A filmagem, que tem sido compartilhada em redes sociais e aplicativos de mensagens, foi feita por uma brasileira durante um protesto de conservadores nos Estados Unidos. No vídeo, a mulher chama o memorial de "cemitério". A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) diz que a morte do brasileiro não teve relação com a vacinação. Os óbitos de ao menos outros dois jovens que são mencionados como vítimas também não foram relacionados à vacinação por autoridades sanitárias
Conteúdo verificado: Um vídeo que mostra um memorial a supostas vítimas da vacina da covid-19. Na filmagem, é mostrada a foto em uma placa de um adolescente brasileiro de 13 anos. A morte dele é associada à vacinação com a Pfizer. O conteúdo circula no Telegram, Instagram, Twitter e Facebook.
É enganoso o vídeo que mostra um memorial a supostas vítimas da vacina contra a covid-19 ao redor do mundo e que faz menção à morte de um jovem brasileiro. A filmagem, que tem sido compartilhada pelo Telegram, pelo WhatsApp e em redes sociais como Facebook e Instagram, foi feita por uma brasileira durante um protesto de conservadores norte-americanos (o “Freedom Revival”), na cidade de San Diego, nos Estados Unidos, no dia 8 de janeiro.
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Ao caminhar por um gramado, a brasileira mostra dezenas de placas no chão com nomes e fotos de pessoas (a maioria jovens e adolescentes) que teriam morrido por conta de reações adversas da vacina. No vídeo, a mulher chama o local de “cemitério”.
Entre os nomes mostrados está o de um brasileiro de 13 anos, morto no dia 8 de outubro de 2021, na cidade de Vale do Anari (RO), 45 dias após ter tomado a primeira dose da vacina da Pfizer: Weverton Santos Silva. Procurada, a Secretaria de Saúde do município afirmou que repassou todas as informações a respeito do caso para uma comissão de médicos do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De acordo com a Anvisa, o caso do menino brasileiro foi investigado e a conclusão foi a de que não houve nenhuma relação entre o óbito e a vacina. Questionada sobre quais fatores efetivamente levaram à morte de Weverton, a Anvisa alegou que não poderia fornecer esse tipo de informação por violar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Em relação às demais placas que aparecem no vídeo, todos os nomes são estrangeiros. Na maioria dos casos, ao pesquisar esses nomes na internet, os buscadores redirecionam para páginas e sites abertamente antivacina, e há pouca ou nenhuma informação em órgãos sanitários e de governo a respeito da correlação dos óbitos com a imunização, de forma que não é possível comprovar a relação das vacinas com essas mortes.
O Comprova não conseguiu identificar quem é a autora do vídeo. Também não houve resposta por parte de um perfil do Telegram que publicou este conteúdo no dia 10 de janeiro.
Para o Comprova, é enganoso o conteúdo que usa dados imprecisos, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Como verificamos?
Para identificar o contexto e o local da filmagem, foram feitas buscas no Twitter com frases que aparecem em trechos do vídeo, além de buscas reversas por imagem no Google, a partir de uma captura de tela de um trecho da gravação. O Google Maps e o Google Street View também foram utilizados para confirmar o local da manifestação.
Esses primeiros resultados levaram ao nome “Freedom Revival”, que foi pesquisado no Google e redirecionou a equipe tanto para a página oficial do evento quanto para notícias sobre a manifestação.
Em relação ao caso brasileiro, primeiro, foi feita uma pesquisa nos buscadores da internet com o nome completo da suposta vítima, seguido de termos como “morte após vacina” e “reação vacina covid-19”.
Foram procurados formalmente, por e-mail e telefone, a Secretaria Municipal de Saúde de Vale do Anari, a Secretaria Estadual de Saúde de Rondônia, a Polícia Civil de Rondônia, o Ministério da Saúde e a Anvisa. Para todos os órgãos foram pedidos esclarecimentos sobre o caso e foi perguntado se era possível fazer a correlação entre o óbito e a dose da vacina.
A equipe obteve retornos do secretário de Saúde de Vale do Anari, Léo Menezes Reyes, do Delegado Regional da Polícia Civil de Ariquemes, Rodrigo Camargo, da assessoria de comunicação do Ministério da Saúde, e da assessoria de comunicação da Anvisa. O portal da transparência do governo de Rondônia, em que é possível verificar os nomes das pessoas imunizadas no estado, também foi consultado.
A equipe ainda pesquisou nos buscadores de Internet alguns dos nomes estrangeiros que são citados no vídeo do “cemitério”.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de janeiro de 2022.
O evento
Nas imagens aqui verificadas é possível ver uma placa com a frase “The jab has killed more kids than Covid” [A injeção matou mais crianças do que a covid, em livre tradução].
A busca pela frase no Twitter levou a um tuíte que divulgava um vídeo do mesmo local. A publicação foi feita no dia 9 de janeiro de 2022. Já no Google Imagens, o termo levou a uma publicação de 10 de janeiro feita no site BigChute. Há um vídeo que mostra novamente o suposto “cemitério” e em sua descrição chama o que acontece no local de “Freedom Revival”.
O local foi encontrado a partir do edifício que aparece ao fundo do vídeo. Foi feita uma captura de um trecho da filmagem em que a fachada do prédio é mais aparente. A imagem foi enviada ao Google Lens, que é uma função embutida no aplicativo de buscas do Google. Três dos primeiros resultados sugerem um local em San Diego (EUA), onde funciona a administração municipal (“San Diego County Administration Building”).
Para confirmar a suspeita, foi feita uma busca pelo local no Google Maps/Street View. Vários outros elementos, como edifícios próximos, correspondem aos mostrados no vídeo.
Uma busca pelos termos “Freedom Revival” + San Diego no Google levou a uma matéria da Kusi News, uma emissora baseada em San Diego, de 9 de janeiro de 2022. A busca pelos termos também leva a um vídeo publicado pelo canal Jimmy Jo. As imagens mostram o “Freedom Revival 2022”. É possível ver o gramado com as placas que também aparecem no vídeo que deu início à verificação. A partir das buscas, também foi encontrado o site oficial do evento.
Assim, é possível afirmar que o evento em que a filmagem aconteceu foi o “Freedom Revival” (renascimento da liberdade, em português), que ocorreu no dia 9 de janeiro de 2022, no Waterfront Park, em San Diego, nos Estados Unidos. A filmagem do suposto “cemitério” mostra uma das ações que aconteceram durante o “Freedom Revival”. Segundo a reportagem do site Kusi News, mais de 1 mil pessoas participaram do evento no Waterfront Park.
Nas páginas oficiais de divulgação do “Freedom Revival”, não existem menções explícitas contra a vacinação, apenas manifestações a favor da “liberdade sobre o medo” e da “restauração da unidade e recuperação da nação sob Deus”.
O site oficial do evento afirma que o “Freedom Revival” tem a missão de “restaurar a nação dividida por mentiras” e “recuperar o poder que foi entregue a poucos governantes em troca da liberdade da população”. O evento contou com o discurso de pastores de igrejas, empresários e lideranças conservadoras dos Estados Unidos, além de atrações musicais.
Em vídeos e matérias da imprensa local que repercutiram a realização do festival, além de cartazes contra a vacinação, é possível ler mensagens contra o socialismo, as grandes empresas de tecnologia, como Amazon, Google e Facebook, além de diversas faixas com o slogan “liberdade não é grátis”.
O caso brasileiro
Em consulta ao portal da transparência com dados da imunização contra a covid-19, é possível verificar que, de fato, Weverton recebeu a primeira dose da vacina da Pfizer no dia 24 de agosto de 2021.
Em conversa pelo WhatsApp com a equipe do Comprova, o secretário de Saúde de Vale do Anari, Léo Menezes Reyes, informou que a pasta fez uma investigação e encaminhou os dados para a Vigilância Epidemiológica de Rondônia, que por sua vez repassou o caso para uma comissão de médicos do Ministério da Saúde. Ele não informou as datas em que isso foi feito.
A Secretaria de Saúde de Rondônia, órgão que responde pela Vigilância Epidemiológica, foi questionada, mas não deu retorno sobre o caso até a publicação.
Procurada, a Anvisa confirmou em nota que apurou o caso. Segundo o órgão, uma análise identificou que outros fatores contribuíram para a morte do adolescente. Questionada sobre quais fatores poderiam ter efetivamente levado à morte de Weverton, a Anvisa alegou que não poderia fornecer esse tipo de informação por desrespeitar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Na investigação da Avisa, o óbito foi classificado como tendo “relação temporal inconsistente com imunização”. Essa classificação (“temporal inconsistente”) é nomeada nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) como do tipo “C”.
De acordo com esta versão do Manual de Vigilância Epidemiológico de Eventos Adversos Pós-Vacinação, do Ministério da Saúde, um óbito classificado como “C” deriva de “condições preexistentes ou emergentes causadas por outros fatores e não por vacinas. Exemplos: manifestação ou complicação de uma condição de doença congênita ou hereditária; infecções em geral; evento adverso devido à utilização recente ou concomitante de outras medicações, ou uso de substâncias ilícitas; doenças psicogênicas etc”.
A Anvisa também foi questionada sobre quais fatores pré-existentes no corpo de Weverton fizeram com que o jovem tivesse a morte classificada como “relação inconsistente” com a vacina, mas também alegou desrespeito à LGPD e não pôde fornecer as informações.
A Agência apenas confirmou que a morte do jovem brasileiro aconteceu no último dia 8 de outubro, após parada cardíaca e insuficiência respiratória não identificada. Ainda de acordo com a Anvisa, a mãe da vítima foi ouvida e disse que há histórico familiar de mortes ocorridas em situações semelhantes.
Já o Ministério da Saúde respondeu que, no Brasil, até agora “não há nenhum óbito com causalidade relacionada com as vacinas covid-19 para a faixa etária de 12 a 18 anos.”
O site Brasil Sem Medo divulgou que um exame no corpo de Weverton teria sido realizado pelo IML de Ariquemes, mas, consultada pelo Comprova, a Polícia Civil de Rondônia informou não ter encontrado qualquer registro deste evento. A equipe conversou com o delegado regional da Polícia Civil de Ariquemes, Rodrigo Camargo. Segundo ele, também não foram registrados atendimentos recentes nas circunstâncias descritas nas notícias.
Outras supostas vítimas
Além da morte do jovem brasileiro, falsamente atribuída a efeitos colaterais da vacina, o vídeo mostra diversos outros nomes de supostas vítimas dos imunizantes contra covid-19 — todos estrangeiros. Ao pesquisar esses nomes na internet, a maioria dos resultados dos buscadores redireciona para sites que fazem campanha aberta contra a vacinação. Em dois casos foi possível coletar mais informações sobre as supostas vítimas com base em notícias veiculadas pela mídia local.
Davide Bistot tinha 18 anos e morreu em julho de 2021, na região de Vêneto, Itália. Ele era filho de um jogador de vôlei italiano, e teve sua morte noticiada em alguns veículos de imprensa local (como Corriere del Veneto e Italy 24 News), no entanto, sem qualquer menção à hipótese de que o óbito aconteceu em função da vacinação.
Também italiana, e cujo nome aparece no vídeo como suposta vítima da vacina, Majda El Azrak tinha 14 anos e recebeu a segunda dose da Pfizer no dia 17 de agosto de 2021. De acordo com informações do site Lecce News24horas, ela passou mal no dia seguinte à aplicação e foi atendida em um hospital na cidade de Tricase. Um exame detectou a presença de um tumor e no dia 19 de agosto a menina entrou em coma. Ela faleceu no dia 20.
O site Lecce Prima publicou no dia 21 de setembro de 2021 que foi feita uma autópsia no corpo de Majda. Além disso, os médicos que atenderam a jovem suspeitaram de meningite.
Já o site Corriere del Mezzogiorno publicou uma matéria informando que um inquérito foi aberto para investigar a morte da garota. Três médicos responsáveis pela aplicação da vacina chegaram a ser considerados suspeitos de homicídio culposo pelo Ministério Público italiano. A matéria não deixa claro o motivo da denúncia.
Contudo, de acordo com o site Lecce News24horas, o caso foi arquivado pelo próprio Ministério Público em 21 de dezembro após o exame de autópsia não identificar relação entre a morte e a vacinação.
A família afirma, segundo a mesma matéria, que a jovem passou mal depois de receber a segunda dose de uma vacina, sem especificar o fabricante. Na época, uma autópsia estava marcada para o dia 27 de outubro.
Incidência de efeitos adversos da vacinação no Brasil
Um Boletim divulgado pelo Ministério da Saúde, com dados do período entre 17 de janeiro de 2021 (data em que a primeira dose de vacina foi aplicada no Brasil) e 22 de novembro de 2021, aponta que 92% dos efeitos colaterais nas pessoas após receberem a dose da vacina contra a covid-19 foram considerados Eventos Adversos Não Graves (EANG). A taxa de Eventos Adversos Graves (EAG), segundo o Ministério, foi de 5,1 a cada 100 mil doses aplicadas, ou seja, 0,005% do total de doses aplicadas no período analisado.
A partir desses dados e do número de mortes e internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) registradas no mesmo período no país, o Ministério concluiu que a chance de um evento adverso grave ocorrer após a vacinação é 257 vezes menor do que a de internação por covid-19 e 56,6 vezes menor do que a chance de óbito pela doença.
Segundo o mesmo estudo, até 22 de novembro de 2021 foram registrados no Brasil apenas 11 óbitos como tendo relação causal com as vacinas contra a covid-19. “Os 11 óbitos foram casos da síndrome de trombose com trombocitopenia, uma síndrome rara descrita com as vacinas de vetor viral após seu uso em larga escala na população. Desses casos, 8 foram com a vacina AstraZeneca e 3 com a vacina Janssen”, diz o relatório.
No momento da publicação do estudo pelo Ministério da Saúde, o Brasil já tinha aplicado cerca de 295 milhões de doses da vacina contra a covid-19 em aproximadamente 155 milhões de brasileiros.
Por que investigamos?
O Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas e eleições. O vídeo teve mais de 179 mil visualizações apenas na postagem no Facebook. Ele também foi compartilhado no Instagram, Twitter e no Telegram. Das sete postagens identificadas pelo Comprova, quatro não estavam mais disponíveis na data da publicação da reportagem.
Informações enganosas sobre a vacinação da covid-19 prejudicam a continuidade da campanha de imunização contra o vírus. A eficácia e segurança das vacinas é comprovada por órgãos de saúde nacionais e internacionais.
Em verificações anteriores, o Comprova também mostrou que vacinas não injetam “DNA alienígena” e que a proteção oferecida pela vacina da Pfizer supera o risco de miocardite em crianças.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para verificar conteúdos suspeitos nas redes sociais. Investigado por: NSC, O Estado de S. Paulo e O Popular. Verificado por: UOL, Band News FM, Correio Braziliense, Nexo, Correio de Carajás, Metrópoles e O Dia.