ENGANOSO

Leite materno não substitui vacinação de crianças contra a covid-19, ao contrário do que sugere ex-senador Magno Malta

O leite materno não substitui a proteção oferecida pelas vacinas. Estudo aponta que há possibilidade de crianças receberem anticorpos por meio da amamentação, mas o efeito é transitório. Também não há qualquer evidência de que crianças vacinadas contra a covid-19 possam desenvolver esterilidade no futuro porque receberam o imunizante

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JC

Publicado em 10/02/2022 às 15:55
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Conteúdo verificado: Vídeo publicado pelo ex-senador Magno Malta (PL-ES) no Facebook em que ele parabeniza o governador da Bahia, Rui Costa (PT), por não ter vacinado suas filhas contra a covid-19. Malta afirma que o leite materno é como uma vacina para as crianças. Ele diz também que crianças não devem receber o imunizante e sugere que há possibilidade de as doses provocarem comorbidades e até impedir que meninas tenham filhos no futuro.

O leite materno não substitui a vacinação de crianças contra a covid-19 como quer fazer crer o ex-senador Magno Malta (PL-ES) em vídeo publicado em sua página no Facebook, no dia 1º de fevereiro. Ele também afirma que crianças não devem ser vacinadas contra a covid-19 e que o imunizante poderia provocar problemas de saúde no futuro e até levar à esterilidade.

Na gravação, Malta parabeniza o governador da Bahia, Rui Costa (PT), por ainda não ter vacinado suas filhas. O ex-senador afirma que é provável que seja “cancelado” por grupos conservadores por causa do vídeo com elogios a um político petista. Malta é aliado do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que já afirmou que sua filha de 11 anos não será vacinada contra a covid-19.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e especialistas consultados pelo Comprova afirmaram que as vacinas contra a doença são seguras e que não há base científica para alegar que imunizantes podem gerar problemas de saúde no futuro, chegando até mesmo a levar à infertilidade. Ainda que o leite materno carregue anticorpos desenvolvidos pela lactante e seja fundamental para o recém-nascido, ele não garante a imunidade de crianças contra a covid-19 e, portanto, não substitui a vacinação.

Além disso, nos últimos dois anos, o número de mortes de crianças e adolescentes pelo novo coronavírus no Brasil superou a soma de óbitos do mesmo grupo por outras doenças do calendário vacinal (sarampo, coqueluche, meningite, gripe e febre amarela).

Procurado pelo Comprova, Magno Malta não respondeu ao pedido de informações. O Comprova tentou contato com Rui Costa, mas o governador apenas encaminhou o link para uma postagem no Twitter, em que ele afirma que suas filhas serão vacinadas, mas não diz quando.

Enganoso para o Comprova é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

A equipe começou a apuração buscando no Google por estudos e notícias relacionadas a vacinas contra a covid-19 e problemas de reprodução, usando as expressões “vacina covid-19”, “crianças”, “infertilidade”, “esterilidade”. As publicações encontradas desmentiam o vínculo entre imunização e este problema de saúde.

Em seguida, entramos em contato com a Anvisa e questionamos o órgão sobre a proteção oferecida pelo leite materno contra a covid-19. Perguntamos também se vacinas contra a covid-19 em crianças provocam problemas futuros, como esterilidade.

Os mesmos questionamentos foram direcionados ao pediatra infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri, e ao pediatra, também ligado à SBP, Eduardo Jorge da Fonseca Lima.

A reportagem tentou contato com o ex-senador Magno Malta por telefone e WhatsApp, mas não houve retorno. Malta desligou o telefone quando o repórter se apresentou. E, pelo aplicativo, não respondeu às perguntas enviadas.

Também entramos em contato com Rui Costa questionando sobre a atual condição da vacinação das filhas.

Para localizar o vídeo original da entrevista de Costa, citado por Malta em sua publicação, a equipe procurou pelo nome do governador no YouTube junto com a expressão “vacinação de filhas”. Ao filtrar a busca por vídeos mais recentes, o resultado da pesquisa apresenta vídeos com recortes da entrevista original, por meio dos quais é possível identificar que a declaração foi feita ao programa Brasil Urgente Bahia, da Band Bahia.

A equipe encontrou o vídeo original no canal da emissora no YouTube, no minuto 23:50.

O Comprova fez esta verificação com base em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 10 de fevereiro de 2021.

Leite materno protege contra o coronavírus?

No vídeo verificado pelo Comprova, Magno Malta afirma que “a vacina da criança já vem no peito da mãe”, frase que, no contexto, pode levar à interpretação de que o leite materno é suficiente para proteger crianças contra o coronavírus. No entanto, a afirmação é refutada por especialistas e, ainda que fizesse sentido, não se aplicaria às crianças que já podem ser imunizadas no Brasil (maiores de 5 anos), já que elas teriam sido amamentadas antes do início da vacinação contra a covid-19 no país.

O pediatra Eduardo Jorge da Fonseca Lim afirma que o leite materno é uma das intervenções mais importantes da pediatria, inclusive na transmissão de anticorpos. Diante disso, a amamentação deve ser estimulada. No entanto, isso não garante a imunidade da criança. “Nós não deixamos de vacinar uma criança contra o sarampo porque a mãe teve sarampo. Não deixamos de vacinar contra a pólio (poliomielite) porque a mãe já tomou a vacina”, afirma.

De acordo com Lima, a passagem de anticorpos da mãe para o bebê por meio de leite materno tem duração transitória. Mesmo com a constatação de que essa transmissão é fundamental, diz o médico, ela é temporária e não garante a imunidade da criança. “Quando tiver vacina autorizada no Brasil para menores de 5 anos, terá total indicação de ser realizada independente de a mãe ter sido contaminada com covid ou tomado a vacina”, afirma.

Esse é o mesmo entendimento do presidente do Departamento de Imunizações da SBP. Renato Kfouri explica que o leite materno não substitui a vacinação. “É um jeito de a gente proteger indiretamente as crianças, mas é uma proteção indireta, de curta duração, no máximo dura uns seis meses para outras doenças, para a covid a gente não tem muita certeza, e jamais substitui a vacinação”, ressalta.

O pediatra infectologista deixa ainda um alerta: “Hoje, a covid é a doença prevenível que mais mata nossas crianças. Se nós somarmos todas as mortes pelas doenças do calendário infantil, a covid, sozinha, matou mais do que todas juntas. Você soma mortes por sarampo, coqueluche, meningite, gripe, febre amarela, junta todas essas mortes, e não são 2,6 mil mortes em dois anos. Precisamos de vacinas para todos.”

A Anvisa faz afirmações semelhantes. Segundo o órgão, o aleitamento materno é fundamental para o desenvolvimento saudável das crianças, mas não garante imunidade contra doenças infectocontagiosas, como a covid-19.

Em agosto de 2021, o Instituto Butantan divulgou que estudo feito pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) apontou que lactantes vacinadas com a CoronaVac (produzida pela entidade) apresentaram anticorpos contra a covid-19 no leite materno, capazes de proteger também os bebês. Como ressaltado pelos especialistas consultados pelo Comprova, a publicação também destacou que essa proteção é transitória, de até quatro meses.

Vacinação infantil

O Ministério da Saúde anunciou, no dia 5 de janeiro, a inclusão de crianças de 5 a 11 anos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. A Anvisa já havia aprovado a imunização desta faixa etária com doses da Pfizer desde 16 de dezembro. Em 20 de janeiro, o uso da CoronaVac foi ampliado para crianças e adolescentes de 6 a 17 anos.

Mesmo com as autorizações, o ritmo de vacinação da faixa etária avança lentamente no país. Levantamento do jornal Estado de S. Paulo, publicado no dia 4 de fevereiro, mostrou que cerca de 1,9 milhão de crianças foram imunizadas no Brasil até o fim de janeiro. O número representa 10% do público-alvo.

Conforme destacado na reportagem, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já disse que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem capacidade para vacinar 2,4 milhões de pessoas por dia. A desinformação relacionada ao tema e o estoque baixo de doses estão entre os motivos que levam à lentidão na campanha.

Vacinas provocam esterilidade?

No vídeo, Magno Malta diz também que meninas vacinadas podem não conseguir ter uma gestação no futuro. Como o ex-senador não respondeu ao nosso pedido para esclarecimento das suas afirmações, não é possível saber se ele se sugere que a vacina possa causar esterilidade ou que possa inviabilizar uma gestação por outras razões também decorrentes da imunização. Decidimos então investigar esse primeiro ponto.

O pediatra Eduardo Jorge da Fonseca Lima afirma que não existe base científica para afirmar que as vacinas contra a covid-19 aplicadas em crianças podem provocar esterilidade no futuro. “Não existe lógica biológica para racionalizar que esse efeito adverso seja possível”, argumentou o médico.

Questionado se há possibilidade de desenvolvimento de outros problemas de saúde no futuro por causa dos imunizantes, Lima afirma que é pouco provável, mas, como no caso de qualquer vacina, é preciso manter a vigilância. “Não podemos indicar com certeza absoluta o futuro, mas é pouco provável que estas vacinas não sejam seguras. Mas precisamos, sim, manter a vigilância”, diz. Para o médico, a aplicação de mais de 10 bilhões de doses no mundo pesam a favor do entendimento sobre a segurança dos imunizantes.

O pediatra infectologista Renato Kfouri acompanha o colega e destaca que, até o momento, não há dados que demonstrem a relação entre esterilidade e vacina. Tampouco haveria ligação entre a própria doença e eventuais problemas de reprodução. “É fake que a doença cause problemas e mais fake ainda que a vacina possa trazer alguma complicação em termos de esterilidade”, garante.

O tema é alvo de conteúdo de desinformação desde o primeiro ano da pandemia. Um boato sobre a vacina Pfizer causar infertilidade em mulheres foi desmentido pela Fato ou Fake em dezembro de 2020. Além disso, postagens que tentam vincular o uso de imunizante à esterilidade em homens também foram refutadas pelo Ministério da Saúde em agosto de 2021. O Comprova também verificou que agências reguladoras negam risco de infertilidade de vacinados.

Na publicação aqui verificada, o ex-senador também cita que vacinas atualmente obrigatórias para crianças têm longo período de estudo, insinuando que imunizantes contra a covid-19 não são confiáveis por terem sido desenvolvidos em menor período. Lima explica que as vacinas usadas contra o novo coronavírus no Brasil são eficazes e seguras, pois passaram por estudos de fase 1 (segurança), 2 (estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos) e 3 (eficácia), que foram publicados e revisados por pares.

Segundo o médico, em seguida, as vacinas vão para a fase 4, que é conhecida como “vida real”, e consiste na análise do que ocorre quando as doses já estão disponíveis para a população. Este é um procedimento padrão para qualquer imunizante. Lima diz que os estudos nesta fase precisam continuar em andamento, mas volta a ressaltar que as vacinas já foram aplicadas mais de 10 bilhões de vezes no mundo.

No Brasil, os imunizantes Pfizer e CoronaVac são usados em crianças. A primeira é produzida com tecnologia RNA mensageiro. Lima explica que o método já é estudado há mais de 10 anos e foi adaptado à covid-19 pela oportunidade. No caso da CoronaVac, a produção é por meio de vírus inativado, método amplamente conhecido na comunidade científica.

O que diz a Anvisa

Órgão regulador federal responsável por avaliar a qualidade das vacinas e verificar dados de segurança e eficácia no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que “não há nenhum dado que aponte para eventos adversos que levem à esterilidade após o uso de vacinas contra covid”. Em nota enviada ao Comprova por e-mail no dia 9 de fevereiro, a Anvisa afirmou ainda que todos os imunizantes autorizados no Brasil contra o novo coronavírus “passaram por todas as etapas de estudos clínicos necessárias para que o seu uso fosse permitido”.

O autor do vídeo

Responsável pelo vídeo checado pelo Comprova, Magno Malta é político pelo estado do Espírito Santo. Foi vereador, deputado estadual e federal e senador por dois mandatos. Nas eleições de 2018, foi cogitado como vice na chapa de Jair Bolsonaro, mas decidiu tentar a reeleição como senador e não conseguiu a vitória nas urnas.

Magno Malta protagonizou uma cena curiosa ao rezar de mãos dadas com o então presidente recém eleito após o resultado confirmado nas urnas antes da primeira entrevista coletiva oficial dentro da residência de Bolsonaro no Rio de Janeiro.

Apesar de alguns atritos, seguiu com bastante influência no governo federal. Sua assessora parlamentar, Damares Alves, foi nomeada chefe do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Em suas redes sociais, ele costuma postar encontros semanais com o alto escalão do governo.

O Comprova tentou contato com o político por telefone em três ocasiões desde o dia 3 de fevereiro. Magno Malta atendeu uma das ligações, mas quando o assunto foi mencionado, a ligação caiu. O Comprova também enviou mensagens via WhatsApp, mas não obteve retorno até a publicação.

Declaração de Rui Costa

A entrevista concedida pelo governador Rui Costa, citada no vídeo gravado por Malta, foi ao ar no dia 27 de janeiro, no Brasil Urgente Bahia, transmitido pela Band Bahia. O repórter pergunta a Costa sobre a vacinação de suas filhas. O programa completo está disponível no canal da emissora no YouTube.

Em resposta, o governador diz que as filhas ainda não receberam a vacina e argumenta que o fato tem sido usado por pessoas “levianas e de má-fé”, que, segundo Costa, serão acionadas na Justiça. Em seguida, o chefe do Executivo defende o imunizante.

Procurado pelo Comprova, Costa respondeu apenas com o link de uma postagem no Twitter em que diz que suas filhas serão vacinadas. A equipe não encontrou informações oficiais sobre a idade delas.

O jornal Sociedade, de Salvador, repercutiu o assunto no dia 1º de fevereiro, informando que elas têm 8 e 6 anos. Na conta de Costa no Instagram, há publicações de fotos do governador com a família em que ele e a esposa aparecem ao lado de duas crianças. Na descrição do perfil, Costa diz que tem quatro filhos.

Na Bahia, o público estimado de crianças entre 5 e 11 anos é de 1.476.908 pessoas. Os dados são da Secretaria Estadual de Saúde. Até a data desta publicação, havia o registro de 267 mil crianças que receberam a 1ª dose da vacina contra a covid-19 na Bahia, número que representa 18,13% do total.

Na capital, o público é de 236.449 crianças, sendo que 88 mil (37%) receberam a vacina.

Por que investigamos?

O Comprova verifica informações suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais ou aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia da covid-19. O conteúdo checado teve mais de 144 mil visualizações no Facebook até o dia 9 de fevereiro.

A desinformação relacionada à vacina para crianças pode levar pais e responsáveis a decidirem não levar seus filhos aos postos de saúde para receber o imunizante contra a covid-19. Este cenário atrasa a campanha de vacinação no Brasil e coloca a vida das crianças em risco.

Outras agências de checagem já mostraram que não há relação entre a vacina e a fertilidade, como este exemplo do Fato ou Fake do G1. A segurança dos imunizantes já foi alvo de verificações do Comprova, como nesta publicação sobre eventos adversos e nesta que mostra que no Brasil não há registro de mortes de crianças provocadas pela vacina contra a covid-19.

Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para verificar conteúdos suspeitos nas redes sociais. Investigado por: O Popular, Grupo Sinos e CNN Brasil. Verificado por: O Dia, Jornal do Commercio, O Estado de S. Paulo e Correio de Carajás.

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