DIREITOS HUMANOS

DIA NACIONAL DA ADOÇÃO: negação de adolescentes e de crianças com deficiências é barreira para zelar fila no Brasil

Em Pernambuco, só 14 dos 948 pretendentes aceitam adolescentes. Ainda, 890 não querem crianças com deficiências

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Katarina Moraes

Publicado em 24/05/2022 às 18:42
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Rozenaide dos Santos, 47 anos, e o marido, Lúcio Albuquerque, 49, comemoram nesta quarta-feira, 25 de maio, o Dia Nacional da Adoção, representando uma pequena parcela das pessoas que olham para as crianças “invisíveis” que permanecem por anos na lista de espera. Isso porque decidiram ingressar com um processo sem especificações, e 3 meses depois receberam a notícia de que a pequena Laura, então com oito dias de idade, “precisava de um colo enquanto tivesse vida”. 

Os médicos esperavam que o bebê, morreria em poucos dias, com sorte, poucos meses, pois foi diagnosticado com hidranencefalia, uma anomalia congênita caracterizada pela ausência de hemisférios cerebrais. Mesmo assim, Roze não hesitou. Desde a ligação que informou que ela estaria à sua espera, tornou-se mãe mais uma vez.

“A médica não queria deixar eu trazê-la para casa, dizendo que iríamos sofrer muito; mas eu disse: ‘se fosse minha filha biológica, eu deixaria no hospital para morrer?’ Se eu não a trouxesse, não teria paz”, contou a funcionária pública, que já era mãe de três quando adotou a pequena, que retribui a aceitação todos os dias. “Ela é nosso pacotinho do amor. Toda nossa família é apaixonada por ela”.

Laura contrariou as expectativas e hoje está com 3 anos e 6 meses de idade, com um quadro de saúde estável. Apesar do final feliz, a história dela ainda é uma raridade. Isso porque grande parte das crianças e adolescentes que foge do padrão desejado pela maioria dos adotantes acabam atingindo a maioridade sem encontrar um lar.

Em Pernambuco, há 160 crianças e adolescentes aptas à adoção, segundo o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Já o número de pretendentes é de 948 no Estado: mas só 14 pensam em adotar adolescentes, por exemplo. 

Ainda, 68,7% dos pretendentes só aceitam adotar uma criança, 29,8% aceitam dois irmãos e só 1,5% aceita acima de dois. Ainda, 96,3% só aceitam crianças sem deficiência, enquanto 3% declaram aceitar com algum tipo de deficiência e 27% aceitam com algum tipo de doença. Estatísticas que se repetem proporcionalmente por todo o país e impedem que a fila seja zerada.

Segundo a psicóloga Suzana Schettini, isso acontece, em muito, pelos falsos estigmas sociais sobre a adoção, como que a “adoção só dá problema” e que os mais velhos “vêm cheios de traumas”. “Todos nós temos traumas. Claro que os mais velhos vão vir com mais, porque já têm toda uma história de vida. Às vezes, não aprenderam a ser amados, não entendem o que é uma família de verdade, mas com disponibilidade afetiva isso pode ser reconstruído”, disse.

CORTESIA
Família de Suzana e Luiz Schettini, formada por cinco filhos, entre biológicos e adotados, netos e bisnetos - CORTESIA

Schettini define a adoção como o “cimento” da própria família. Ela adotou pela primeira vez há 23 anos, com a chegada de Matheus, um jovem “especial”, como ela afirma. “Ele é um bebezão, precisa de ajuda com tudo. Tem dificuldade para aprender, mas descobri que ele não veio para aprender, mas para nos ensinar. Ele me mostrou que não temos que procurar o perfeito, mas nos deparar com o mundo do possível”, afirmou.

Projeto facilita adoção de perfis renegados

Para facilitar a divulgação de perfis como o de Laura e o de Matheus, mais difíceis em serem adotados, a Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja/PE) instituiu em 2008 o Projeto Família, que já cadastrou mais de 708 crianças e adolescentes até o primeiro semestre de 2022, das quais 349 foram adotadas, representando uma porcentagem de 49%.

Após os 18 anos, elas deixam de fazer parte do cadastro. Atualmente, 38 jovens continuam na lista. As informações dos meninos e das meninas disponíveis podem ser encontradas no site do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), pelas redes sociais, pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone da Comissão: (81) 3181-5953.

“O Projeto Família passou a dar oportunidade a essas crianças e adolescentes, transformando os dados frios do cadastro em visibilidade, através de suas imagens nas redes sociais da Ceja. Quando fazemos essa divulgação, mostramos um pouco dessas crianças, seus rostos e o seu querer, promovendo a aproximação com futuras mães e futuros pais”, explica a coordenadora da Infância e Juventude do TJPE, juíza Hélia Viegas.

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