Direitos Humanos

Atos no Rio de Janeiro e em São Paulo reivindicam direito de pessoas trans existirem em todos lugares

O país lidera o ranking mundial pela 14ª vez, segundo estudo da Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Foram 131 assassinatos em 2022

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Mirella Araújo

Publicado em 29/01/2023 às 18:55 | Atualizado em 29/01/2023 às 19:01
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Da Agência Brasil 

Em um dia de muito sol e calor no verão carioca, um grupo de amigos e amigas resolveu comemorar o seu dia de uma forma muito comum e natural para temperaturas acima dos 30 º Celsius (ºC): indo à praia. Mas, para esse grupo, o ato corriqueiro para a maioria das pessoas de ir à praia é um ato político. Eles e elas são ativistas, homens e mulheres transexuais e travestis.

O coordenador da Marcha Trans e Travesti do Rio de Janeiro, Gab Van, destaca que o ato Ocupa Leme, praia na zona sul da cidade, foi pensado para expor os corpos considerados "fora do padrão", na comemoração do Dia da Visibilidade Trans, que é celebrado em 29 de janeiro.

"Hoje, ocupar esse espaço, ocupar o Leme, para a gente é um ato de militância. Porque muitas pessoas nunca vieram depois da sua transição [de gênero]. Não voltaram às praias. Então, voltar com uma outra perspectiva, com um outro olhar, com uma outra presença, e se sentindo acolhido e pertencente a esse lugar, traz não só uma qualidade de vida, para além do sentimento de pertencimento. O sentimento de existir. Eu posso existir em todos os lugares", disse Gab.

Atuante na ONG Capacitrans, Ágata Tariga, disse que o Dia da Visibilidade Trans remete à 2004, quando foi lançada em ato em Brasília a campanha Travesti e Respeito. Para ela, ir à praia cotidianamente pode representar perigo e agressão.

"Nós não somos corpos muito passáveis, somos corpos diversos. E por ser mulheres e homens trans, muitos não mastectomizados, e outras trans com corpos fora do padrão, então a gente fica meio receoso de vir à praia, porque só o fato de vir à praia a gente já é olhado com outros olhares, xingamentos ou o assédio sexual. Então se a gente ocupar a praia, todo mundo junto, vai se sentir mais à vontade. A gente nota que até os olhares mudam, porque muitos estão aqui. Se é uma só, um só, realmente são diferente os olhares", disse.

Ágata lembra que, nas últimas décadas, alguns direitos foram alcançados pela população trans, como fazer a terapia hormonal pelo SUS, o nome social nos documentos e o direito à retificação de nome e gênero na certidão de nascimento.

Bancada trans

A deputada estadual eleita, Dani Balbi comemora este histórico 29 de janeiro, às vésperas da posse da primeira bancada trans na Câmara Federal. Os parlamentares eleitos em outubro serão empossados na quarta-feira (1º).

"Nós temos ali a Duda Salabert, a Érica Hilton, ocupando aquele espaço com toda a qualidade política, com toda a história e densidade. Para dizer que mulheres trans, travestis, pessoas LGBTQIA+ precisam estar ali para falar de si, mas para falar também de pautas urgentes que interseccionam a existência de pessoas transsexuais e travestis. E aqui no estado do Rio de Janeiro, eu, em outros lugares, em Natal a minha companheira Linda Brasil. Então são muitas experiências, é um avanço tímido e a gente espera que cada vez mais a gente continue avançando", disse a deputada estadual eleita.

De acordo com Dani Balbi, a estimativa é que no Rio de Janeiro cerca de 15 mil pessoas se declarem transexuais. Essas pessoas têm demandas específicas a serem atendidas pelas políticas públicas.

"A gente espera fazer um mapeamento qualitativamente denso, não só quantitativamente, para que a partir daí a gente possa balizar as políticas públicas. São fundamentais, principalmente aquelas que garantem acesso à educação formal, porque a maioria das pessoas transexuais e travestis acaba sendo evadida da escola. E também saúde pública. Porque a saúde das pessoas transexuais e travestis é peculiar, exige algum grau de peculiaridade, de especificidade e de formação".

Outros eventos marcam o Dia da Visibilidade Trans no Rio de Janeiro, como a feira de empreendedorismo 1º Mercado Mundo Trans, no Museu de Arte do Rio na Praça Mauá e intervenções artísticas da cena Ballroom no evento Transcentralidades, na Lapa.

ATOS EM SÃO PAULO

No Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado neste domingo (29), uma caminhada na Avenida Paulista, concentrada em frente ao Museu de Arte de São Paulo, reivindicou políticas públicas específicas para essa população e lembra as mortes de pessoas transexuais e travestis no Brasil.

O país lidera o ranking mundial pela 14ª vez, segundo estudo da Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Foram 131 assassinatos em 2022.

A caminhada seguiu pela Rua Augusta para a Câmara Municipal, no centro. A pastora Jacqueline Chanel é organizadora do ato em São Paulo.

“Este é um protesto pela vida, porque nossas vidas importam, também para essa sociedade. Queremos mais direitos e políticas públicas para atender a nossa comunidade, de mulheres transexuais e homens trans”, afirma.

Ela pontua que as ações do Poder Público devem ser transversais, na educação, na saúde, no emprego, na segurança pública, tendo em vista que essa população é impactada de diversas formas desde a infância.

A pesquisadora e feminista Hailey Kaas, 30 anos, conta que a adolescência, antes que se percebesse como uma mulher trans, foi um período muito difícil.

“Sofri bullying, como muitas pessoas trans, mas felizmente pude fazer faculdade, coisa que muita gente trans não tem. Sou exceção na regra”, relatou. Entre tantas pautas a avançar, ela considera que há, atualmente, uma visibilidade maior para as questões trans, inclusive em relação às demandas necessárias para essa comunidade.

“Passa por várias esferas da sociedade, não é só ‘eu me sinto de uma forma diferente’, mas, pra isso, eu tenho que ter saúde, hormonioterapia, o SUS [Sistema Único de Saúde] tem que cobrir cirurgia, e essa foi uma luta dos últimos anos”, enumera.

Hailey acrescenta a conquista do uso do nome social em órgãos públicos e documentos. “Isso facilitou que a gente conseguisse emprego, a gente não é constrangido nos espaços que tem que dar o nome e o RG, em que pese ainda a gente ter que ir em cada órgão fazer a alteração.

” Pedro Silvério, 28 anos, é voluntário do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades e ajuda outras pessoas trans. “Eu encontrei um amigo na rua, que me disse que era homens trans e, no mesmo momento, eu percebi que era aquilo. Fui atrás, pesquisei. Estar num ato como hoje é mágico, chegar aqui e se sentir em casa.

Os nossos corpos são invisibilizados”, conta. Para ele, a saúde mental é um aspecto fundamental na abordagem de saúde para essa população. “A gente sofre muita violência. Muito importante esse reforço, tanto no SUS, como nas instituições privadas.”
 

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