CRISE HUMANITÁRIA

Indígenas YANOMAMI mostram impactos sociais graves do garimpo ilegal: "Contaminaram terra, contaminaram água, poluíram peixe"

A crise humanitária é mais visível no estado de saúde delicado, especialmente de crianças e idosos, como visto nas últimas semanas

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Filipe Farias

Publicado em 13/02/2023 às 9:05
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Da Agência Brasil

A presença do garimpo ilegal no Território Yanomami causa múltiplos impactos na vida social dos indígenas. A crise humanitária é mais visível no estado de saúde delicado, especialmente de crianças e idosos, como visto nas últimas semanas, mas alcança ainda dimensões culturais desse povo. Na última semana, a reportagem da Agência Brasil visitou algumas vezes a Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista, e também esteve no próprio Território Yanomami, no Polo Base de Surucu, entre quinta (9) e sexta-feira (10). Durante as visitas, conversou com os indígenas e especialistas para entender melhor como eles percebem esses impactos.

"Água suja para comer, estraga o peixe. Crianças muito fracas. Água bebe-se suja e barriga dói muito", diz Enenexi Yanomami, que tenta descrever a situação vivida por seus parentes na terra indígena. A Agência Brasil encontrou o jovem indígena, de 21 anos, na entrada da Casai. Segundo ele, já passavam de 60 dias sua estadia na capital para acompanhar familiares doentes. O retorno ao território, que depende de transporte aéreo, não tinha previsão. "Faltam mais horas de voo para Surucucu".

Para ele, a presença do garimpo é o que tem causado os danos que afetam seu povo. "Agora, tem que tirar garimpo. Quando tirar, tranquilo. Tem muito garimpo lá, [tem que ser] proibido".

Mãe de duas crianças internadas na Casai, Louvânia Yanomami já perdeu a conta de quanto tempo está longe de sua terra. Sem previsão de alta, ela recebeu alerta dos médicos de que, se voltar, pode colocar a vida do filho menor em risco. A criança, que tem entre 1 e 2 anos, apresenta quadro de desnutrição severa e inchaço do abdômen.

"Eu estou muito cansada, tem muita gente aqui [Casai], dá pra perceber. É uma situação difícil. Não vou deixar porque é meu [filho] e não posso levar porque ele vai morrer", relata, angustiada, com ajuda de um intérprete. Em janeiro, a Casai chegou a abrigar mais de 700 pessoas, mas o local tem capacidade para pouco mais de 200. Houve uma redução dessa superlotação, mas o espaço ainda registra a presença de mais de 500 pessoas, segundo balanço da semana passada do Centro de Operações de Emergências (COE) do governo federal.

Quem também reclama dos danos ambientais trazido pela exploração ilegal de minérios é Arokona Yanomama, com quem a reportagem conversou na Casai. Ele cita como o maquinário pesado de dragas e tratores afugenta animais de caça e polui a terra. "Cheiro ruim. Morre caça, morre tudo. A terra não é boa, é muito feio. Máquina de fumaça entrou, por isso cheiro muito ruim. Contaminaram terra, contaminaram água, poluíram peixe", relata. Agora, para caçar um porco do mato, ele tem que andar por pelo menos 50 quilômetros para se afastar da área mais deteriorada.

Referência perdida

"O garimpo vai justamente atacar a cadeia alimentar básica dos yanomami. Eles são um povo de mobilidade territorial, vivem da caça, da pesca, da coleta e da agricultura. Nada mais triste, então, do que um caçador yanomami não ter caça para suprir a família", explica a antropóloga Maria Auxiliadora Lima de Carvalho. Ela trabalha há mais de 20 anos com o povo yanomami, em Roraima.

"O povo yanomami nunca precisou de doação de alimentos para sobreviver. Todo esse cenário de vulnerabilidade foi provocado. O maior mal ainda é a presença do garimpeiro, do garimpo", afirma o secretário especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba, que visitou o território na última quinta-feira (9).

Até mesmo alguns dos rituais mais sagrados dos yanomami estão sendo drasticamente abalados pela atividade garimpeira e a desassistência generalizada em saúde dentro do território. É o caso das cerimônias fúnebres. Os yanomami não enterram seus mortos. Eles cremam os corpos de seus familiares falecidos e, depois, trituram os ossos até virar pó. O processo pode levar semanas e, muitas vezes, inclui uma fase final em que a comunidade realiza um ato de tomar mingau de banana com as cinzar do ente falecido.

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