Mais de 72 horas depois do temporal que causou apagão em São Paulo, ao menos 315 mil imóveis seguiam sem luz nesta segunda-feira (6) - com previsão de restabelecimento apenas nesta terça (7). Após uma reunião de cerca de três horas no Palácio dos Bandeirantes, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou que as concessionárias vão estudar opções para ressarcimento de moradores e de melhoria nos canais de atendimento à população. Além disso, será montado um grupo de trabalho no âmbito da Aneel (agência federal) para acompanhar as ações e adequar os serviços a eventos extremos.
O governador paulista havia acenado com "um TAC (termo de ajustamento de conduta) para que a gente possa facilitar a vida desse cidadão (prejudicado pelo apagão), porque não seria razoável que esse cidadão entre num caminho ordinário de atendimento e acabe não tendo resposta", disse. À noite, não detalhou o que pode ser feito. "Não adianta pensar no que passou", disse. Segundo ele, eventos extremos serão cada vez mais recorrentes, "estão aí e vieram para ficar". E salientou a importância de se criar planos de contingência para evitar novas crises.
Conforme Tarcísio, o "grande vilão" da crise foi a quantidade de árvores, que, por falta de manejo adequado, caíram na rede aérea. "Um plano de manejo arbóreo é uma das soluções mais baratas e efetivas para lidar com o problema", disse. Um projeto será enviado para Assembleia Legislativa para lidar com a questão, adiantou. Antes, ele evitou culpar a Enel, concessionária responsável pelo fornecimento de energia na capital paulista, pela falta de luz em diversos bairros.
Mas propôs alterações no modelo de contrato firmado entre empresas do setor e a União, ente detentor do poder concedente e que firma tais acordos. "Foi um fato extraordinário. Agora, eu acho que algumas medidas deixaram de ser tomadas ao longo do tempo. O contrato eventualmente não tem as servidões que deveria ter. A gente precisa olhar para trás para ver como estabelecer a normalidade o mais rápido possível e olhar para frente para garantir que isso não aconteça novamente", afirmou, após participar de um painel do BTG Pactual Macro Day com governadores.
Na conta da distribuidora ficou, porém, o problema de comunicação. Segundo o governador, o contato com a empresa precisa ser mais "azeitado". Tarcísio afirmou que durante encontro com as distribuidoras esse foi um ponto de discussão. O dirigente afirmou que há esforço por parte das concessionárias de investir em redes de comunicação e torná-las mais inteligentes.
SABESP
Ele ainda evitou durante o dia qualquer ligação do problema com a privatização da Sabesp. Conforme o governador, o contrato estudado para a privatização da Sabesp tem um modelo "absolutamente diferente" daquele adotado no setor elétrico. "Não é um contrato aberto, não é um contrato frouxo. É um contrato muito descritivo em termos de servidões", disse.
O Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, informou que vai notificar a concessionária de energia elétrica em São Paulo, a Enel, para explicar a interrupção no fornecimento de luz. O Ministério Público de São Paulo também abrirá uma apuração.
SOFRIMENTO
Entre os moradores que enfrentam transtornos estão pacientes que dependem de aparelhos ligados à rede de energia elétrica para continuar o tratamento médico. Um dos pacientes é Pedro Ducati Lima, de 12 anos, que mora na Vila Invernada, zona leste paulistana. Por causa da atrofia muscular espinhal (AME) tipo 1, sua casa tem uma UTI domiciliar. Ele não respira, não engole e não se mexe sozinho, mas as funções cognitivas estão preservadas.
Por isso, o menino precisa de ventilação mecânica para respiração, do aspirador de secreção pulmonar e de uma bomba de infusão para se alimentar, além de um colchão pneumático para evitar escaras. Também faz parte do cuidado permanente um aparelho para fisioterapia respiratória. "Quando perdemos a energia elétrica, nós perdemos tudo isso", diz a mãe, Cristiane Graziela Ducati, de 49 anos.
A saída foi deslocar o paciente para a casa da avó, no bairro da Vila Diva, também na zona leste, ou simplesmente levar os aparelhos para serem recarregados lá emergencialmente. Outra preocupação era recarregar os aparelhos celulares para continuar em contato com a Enel. "Além de todo esse transtorno, nós tivemos o desgaste emocional. Ficamos muito preocupados. E se faltar energia na casa da minha mãe?"
Outro paciente com tratamento comprometido é William Ferreira de Oliveira, de 29 anos. O rapaz vive com mucopolissacaridose (MPS III-A), doença rara genética causada pela falta de um tipo de enzima e que leva à regressão neurológica. Recentemente, ele ficou dois meses na UTI.
William utiliza BiPAB, aparelho eletrônico que funciona como um respirador artificial. O drama foi relatado pela mãe Patrícia Ferreira nas redes sociais, durante o final de semana. O abastecimento de energia em sua região, no Jardim Santa Margarida, zona sul de São Paulo, já foi normalizado. "Minha luta começou na sexta-feira à tarde. Passei à luz de velas. Foram 36 horas sem luz ligando para a Enel e tentando um nobreak (equipamentos de proteção à rede). Mas na hora que você mais necessita ninguém ajuda. É muito difícil ter um filho acamado. Sou cuidadora. Tudo tem de ser com muita luta", lamenta Patrícia.