Uns com tanto. Muitos com tão pouco. Quase nada. Um mapeamento minucioso feito pela Prefeitura do Recife mostra que o verde resiste na capital. Mas é muito mal distribuído. O levantamento vasculha com imagens aéreas cada um dos 94 bairros da cidade para pintar a mancha vegetal que sobrevive em cada um deles. Fotografa extremos.
A Guabiraba, na Zona Norte, aparece como o grande pulmão do município, com quase 75% de toda a sua extensa área coberta por árvores. É o maior e mais arborizado bairro da cidade. No ranking oposto, Brasília Teimosa, na Zona Sul, desponta como o local menos verde, com escassos 1,89% de seu território ocupado por vegetação.
A conclusão do estudo lança desafios urgentes. Os bairros com muito verde precisam se manter protegidos dos efeitos indesejados da urbanização e da especulação imobiliária. Os com pouco carecem de leis e políticas públicas que estimulem e garantam a multiplicação de suas árvores.
Quando se tem uma visão panorâmica da cidade, o retrato traçado pelo mapa desenha números até promissores. Quase 45% dos 222,93 km² do Recife são tomados por áreas verdes. São, mais precisamente, 99,61 km² de árvores, gramas, arbustos e todo o tipo de cobertura vegetal. Fazendo uma conta simples, que leva em consideração a população de 1,5 milhão de pessoas (contabilizada em 2010 pelo IBGE), a densidade de verde para cada morador do Recife é alta: quase 65 mil m² de vegetação por habitante.
O problema é quando se aproxima a lente e se comparam as distintas realidades. Quase metade de toda a cobertura verde da capital concentra-se numa única região, na parte Norte, formada por bairros como Casa Forte, Apipucos, Dois Irmãos, Sítio dos Pintos, Casa Amarela, Guabiraba e o vizinho Pau-Ferro, esses dois últimos os principais responsáveis pela alta taxa de arborização.
A área, chamada pela prefeitura de Região Política-Administrativa 3 (RPA-3), abriga alguns dos mais importantes maciços verdes da cidade. Os outros 50% de cobertura vegetal do Recife são (mal) divididos entre as outras cinco RPAs da capital.
A professora aposentada Maria José Dutra, 69 anos, e a auxiliar-administrativa Bruna Rafaela da Silva, 21, vivem essas diferenças extremas no dia a dia. A primeira mora em Pau-Ferro, numa rua de barro, com uma mata na frente de casa e fruteiras no quintal. A segunda, em Brasília Teimosa, numa residência colada à dos vizinhos, praticamente sem nenhuma ventilação e com duas árvores mortas na frente de casa.
O bairro de Maria José tem o maior percentual de verde por habitante do Recife. Nada menos que 17,5 mil m² para cada morador. O de Bruna, o pior índice. São menos de 2 m² por pessoa.
A imensa distorção não se explica apenas pela extensão da cobertura vegetal, mas pela densidade populacional de cada área. Pau-Ferro tem muito verde para pouco morador. Desde que se mudou, há quatro anos, para o bairro, Maria José se sente morando no mato.
"No começo, eu estranhei. Mas o silêncio e o vento o dia inteiro compensam. É outra qualidade de vida", garante a aposentada. Brasília Teimosa é o contrário. Pouquíssimo verde para muitos habitantes. "Aqui deve ser o lugar mais quente da cidade. Pior do que o calor é o mormaço. Fico com dor de cabeça e o médico disse que meu filho tem a bactéria do calor, vive com o corpo cheio de brotoejas", conta Bruna.
Apesar de morar a cerca de 200 metros do mar, ela não sabe o que é uma brisa. "O paredão de casas impede a passagem do vento", lamenta.
O estudo do verde urbano foi realizado pelo Instituto Pelópidas Silveira, órgão vinculado à prefeitura e responsável por planejar o crescimento e a mobilidade da cidade. O mapeamento utiliza imagens de 2007 e foi apresentado em setembro do ano passado no Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU).
"O levantamento mostra que, apesar das diferentes realidades, a cidade tem uma boa média de cobertura vegetal. Nossa preocupação é orientar o crescimento urbano de forma que possamos garantir que as áreas com menor índice de arborização ganhem mais espaços verdes. E que essa cobertura não seja consolidada apenas nas áreas públicas, mas também nos espaços privados", afirma o coordenador-geral do instituto, o arquiteto Milton Botler.
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