Um cartão-postal que pode ficar manchado para sempre. Esse é o provável triste legado que as mais de 200 toneladas de óleo devem deixar nas praias do Nordeste. Mesmo com a solidariedade da população e o esforço das autoridades para se retirar o material do litoral da região, o impacto ambiental do produto é uma realidade que afetará a orla nordestina por décadas, podendo inclusive ser uma cicatriz que nunca vai fechar dada a complexidade de decomposição do produto a longo prazo e os danos já causados ao ecossistema marinho.
“Uma vez que chegou nas praias e não foi retirado, o petróleo acaba cobrindo a praia, raízes e recifes de corais, principalmente esses últimos. Uma vez no local, esse óleo fica ali se decompondo e liberando muitas substâncias, como hidrocarbonetos (produtos formados basicamente por carbonos) que acabam entrando na cadeia alimentar. Acaba o local atingido virando uma zona morta. Esse processo é muito lento e pode levar décadas para ocorrer”, diz o biólogo, oceanógrafo e professor da Universidade de Pernambuco (UPE), Clemente Coelho Júnior, em entrevista ao Jornal do Commercio. Ainda segundo ele, uma parte desse petróleo se solidificará, se incorporando à paisagem para sempre. “Essa parte física fica para o resto da vida”, complementou.
Dentro desse contexto, o tempo acaba sendo um fator-chave na luta para evitar um impacto maior no litoral nordestino. “A grande questão é agir rápido, resolver o problema, não ficar buscando culpados. Isso pode ser feito depois”, afirmou Márcio Nele, professor de Engenharia Química do Programa de Pós-Graduação da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Depois que a mancha se espalha, o problema aumenta muito, o óleo se mistura com a água do mar e com areia e fica mais viscoso, mais difícil de ser dispersado. Se chegar à praia, a situação é ainda mais grave.”
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A forma de combate é justamente uma das críticas feita por Clemente. Na avaliação dele, houve demora para se fazer a prevenção da maneira mais efetiva inclusive com o uso do Plano Nacional de Contingência por parte do governo federal. “É uma crítica que fazemos. Em nenhum momento foi utilizado esse plano. O que estamos assistindo é apenas a limpeza das praias. É como apagar incêndio apenas. O óleo estava o tempo todo no mar e só agora que se fala em antecipação de danos com sobrevoos. Chegamos tarde. Agora temos que evitar um dano amplificado e aprender com os erros para o futuro”, declarou.
O Plano Nacional de Contingência (PNC) foi criado em 2013 e visa traçar planejamento estratégico no combate e controle de vazamentos de óleo no País. A não utilização desse plano foi alvo de questionamento de procuradores dos nove Estados do Nordeste, que ajuizaram uma ação civil pública para obrigar o governo federal a acionar, em toda a costa, da Bahia ao Maranhão, o planejamento.
A cobrança pelo PNC é coerente pelo temor de que o óleo continue chegando às praias no futuro. Segundo Clemente Coelho, essa possibilidade é real dada as correntes marinhas e a quantidade de material despejado. “Esse óleo começou a ter registros no dia 30 de agosto. Chegou em Pernambuco no começo pela Corrente Sul Equatorial e se dividiu entre Norte e Sul. Mas foi uma primeira parte. Esse petróleo foi jogado em grande quantidade em alto mar, já em águas internacionais e ficou lá boiando. Com algumas mudanças nos ventos, a corrente está trazendo com mais força esse material que ficou inicialmente no oceano. Esse material chega como se fosse um musse após se decompor com a água. Chega denso e é difícil de se retirar”, explica.
Apesar desses alertas sobre a gravidade, tanto o Ministério do Meio Ambiente como a Marinha apontam que estão sendo tomadas as iniciativas necessárias para o combate ao petróleo. A Marinha também segue com as investigações para se descobrir a origem do produto, que até agora não foi confirmada. Estudos feitos pela Petrobras apontam que o petróleo tem traço da Venezuela. O navio que provocou o vazamento, contudo, não foi localizado.
Em Pernambuco, onde o óleo voltou a chegar com força, as ações estão voltadas para o controle na orla. No que diz respeito à avaliação do impacto, o Estado fiz que são necessários mais estudos. “A nossa agência ambiental está fazendo a identificação de todos os danos causados. Em Pernambuco, o auto de infração será lavrado também pela agência ambiental. A extensão ainda estamos calculando porque não acabou o incidente. Não se tem notícias, na história de Pernambuco, de um dano ambiental dessa extensão”, disse o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, José Bertotti.
DESCARTE PREOCUPA
Além da preocupação com o petróleo que permanece chegando às praias nordestinas, as autoridades que estão combatendo as manchas na costa da região também devem atentar para o descarte desse produto depois que ele é recolhido. Segundo o professor Clemente Coelho Júnior, é preciso ter muito cuidado com esse material pelo potencial que ele tem de contaminar, principalmente os lençóis freáticos, caso seja apenas enterrado, por exemplo.
“Temos que ter um cuidado especial com o destino final desse petróleo. Não podemos apenas enterrar. Ele tem ficar isolado sem contato com nada, senão ele vai continuar contaminando, podendo infiltrar e chegar a lençóis freáticos, por exemplo. Aí traria um grande problema não só para o meio ambiente como para a população como um todo. É preciso que as prefeituras que estão recolhendo esse material procurem especialistas que possam dar o destino correto a ele”, disse.
Atendendo demanda do JC sobre o vazamento do petróleo, o Ibama ratificou que os resíduos não podem ser colocados em lixo comum, mesmo que em sacos plásticos. De acordo com o órgão, em um primeiro momento, o material encontrado em cada uma das praias deve ser afastado da faixa de areia sob influência da maré em uma ação de emergência para evitar maior poluição da vida marinha. Em seguida, todo o montante recolhido tem que ser consolidado em um só local para posterior encaminhamento a uma prefeitura, onde ficará depositado temporariamente.
Em Pernambuco, o governo estadual informou que todo o petróleo recolhido do litoral será guardado para que a Petrobras faça um posterior recolhimento e dê o destino correto ao produto.
DANO À VIDA MARINHA DEVE SER MAIOR
Fora o dano às praias, a fauna marinha também sofre com o impacto do petróleo nas praias nordestinas. De acordo com o Ibama, 15 tartarugas-marinhas foram encontradas mortas, assim como duas aves. O biólogo Clemente Júnior, contudo, alerta que o prejuízo aos animais marinhos deve ser muito maior. O argumento dele é que alguns casos podem não estar sendo notificados ao Ibama.
“O que ocorre é que as pessoas quando encontram uma tartaruga-marinha elas acabam enterrando sem avisar às autoridades. Acredito que esse número de animais mortos podem ser três ou quatro vezes maior”, diz.
Ainda segundo o biólogo, há outro impacto que não foi mensurado pelos especialistas, que é o dano a micro-organismos do oceano. “Essa questão não está sendo vista porque é difícil de se mensurar. Os micro-organismos são a base da cadeia alimentar marinha. Isso traz um impacto direto ao ser humano. Possivelmente, teremos mais estudos no decorrer dos anos do impacto para esse tipo de vida”, analisou Clemente.