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"O mosteiro não pode ser um local de fuga?

Aos 37 anos, o paulistano dom João Evangelista (batizado Alexandre) é o 106º dom abade do Mosteiro de São Bento em Olinda, cargo vitalício

Paulo Sérgio Scarpa
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Paulo Sérgio Scarpa
Publicado em 26/01/2013 às 15:32
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Aos 37 anos, o paulistano dom João Evangelista (batizado Alexandre) é o 106º dom abade do Mosteiro de São Bento em Olinda, cargo vitalício - FOTO: NE10
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Aos 37 anos, o paulistano dom João Evangelista (batizado Alexandre) é o 106º dom abade do Mosteiro de São Bento em Olinda, cargo vitalício. Ele será guia espiritual de cinco noviços e 15 monges. Aos 20, trocou cursinho para medicina pela vida monástica, em São Paulo, em 1996, após servir à Polícia do Exército. Professor de filosofia, dirigirá o Colégio São Bento disposto a reciclar professores e instigar intelectualmente os alunos. Sobre a Igreja Católica, condenou a pedofilia e defendeu punição dos acusados. Em entrevista ao repórter Paulo Sérgio Scarpa e ao presidente da Associação de Imprensa de Pernambuco (AIP), Múcio Aguiar Neto, garantiu: “Quero ser um pernambucano com os olindenses”.

VOCAÇÃO

Meus pais têm raízes religiosas, mas não frequentavam a Igreja. Apesar disso, sempre me colocaram em colégios religiosos. Nunca fui de fazer farra, muita bagunça. O Carnaval não me anima, quando tiver Carnaval em Olinda, irei para fora. Não sou contra o Carnaval, mas não é da minha afeição pessoal. A palavra certa é que fui um jovem indiferente para a religião. Estava indo muito bem no cursinho para medicina, tinha feito um bom ensino médio no Colégio Etapa, mas aí eu senti bem forte que a minha vocação era o sacerdócio. Sempre gostei da medicina, mas minha amizade com Deus nunca iria se alterar. Foi quando falei com meus pais, o que foi muito difícil. Passei a juventude sem referências religiosas, andava no ritmo que parecia ser o da sociedade, indiferente às coisas de Deus, inclusive nas crises da adolescência. Depois foi o período da busca da verdade, da presença de Deus, de uma atitude espiritual que transforma a vida, que veio com o despertar intelectual. Não que me faltasse inteligência, mas estímulo intelectual.

MONASTÉRIO
Quando entrei pela primeira vez no Mosteiro de São Bento senti algo diferente, uma espécie de piedade sóbria, sequencial. Após três dias, fiquei pensando na vida monástica, no silêncio, nas orações e descobri que lá era o meu lugar. Pedi então para ficar hospedado no mosteiro, e, uma semana depois, vi que era ali o meu lugar. Um mês e meio depois ingressei no claustro. Eu sabia que era para entrar ali. Por eu ser um pouco teimoso, às vezes Deus tem de criar um estratagema para não ficar a dúvida de que a vontade não era minha, que era vocação mesmo.

COLÉGIO

Sou professor de filosofia e vou assumir a direção do Colégio São Bento. Uma experiência que acho muito boa foi a de eu ter sido um aluno que não souberam instigar intelectualmente. Na minha vida escolar ocorreu algum despertar intelectual, mas também muitos momentos de marasmo, com o professor desatento, ele mesmo sem amar o que ensinava. Essa é uma experiência que trago para revisitar a situação do nosso adolescente, que precisa ser despertado. Uma aula para ser instigante não precisa ter professor que fale alto e gesticule muito, mas alguém que tenha atenção para a matéria, que olhe nos olhos dos alunos para tirar as dúvidas e que perceba algo a mais além da lição. Muitas vezes, o professor está cansado, sua vocação precisa ser renovada e o aluno fica sem o seu momento. A escola precisa ajudar o jovem a desenvolver uma visão de mundo e de sociedade. O aluno precisa conhecer, por exemplo, para que serve e como funciona um banco e como ele ganha dinheiro, o que são as ações e como age o mundo financeiro. Vou trabalhar com os professores a questão vocacional e profissional e chamar ex-alunos para palestras sobre suas profissões para despertar o talento do aluno.

COMUNIDADE
Meu lema de abade será Pax in Domino (Paz no Senhor). Em julho de 2012 preguei um retiro no Mosteiro de Olinda sobre a justiça de Deus, que é diferente da justiça dos homens, que é uma justiça mediada pela lei e pela qual podemos entender o que é certo ou errado diante da lei. Mas a justiça de Deus vai além. O retiro foi sobre isso e a paz sempre entrava no debate. A paz, para o Antigo Testamento, é a presença de Deus. E a paz é algo difícil para o ser humano, que não é muito amigo da paz, não. E foi isso que voltei a dizer aos monges após ser eleito abade dia 21 de novembro de 2012. Não sei ainda como será meu abaciado (gestão) porque tudo é muito recente e novo para mim, mas digo com segurança que será para buscar a paz. Mas, para viver a paz, que é ideia muito simples, mas muito ousada, deve-se saber que será muito difícil por causa da inquietude do nosso coração. Para conseguirmos, teremos de viver uma vida fraterna muito justa e prestativa porque, sem irmandade, não conseguiremos viver a paz.

IDENTIDADE
Em Olinda, assim como nos demais mosteiros de São Bento, ninguém deve nada aos demais mosteiros. A questão cultural regional estará impregnada se ela realmente for cultural. Ninguém precisa fazer força para ser monge em Olinda. Se precisar fazer força, a cultura não existe. Imitar o passado não é cultura, é coisa de outro tempo, não é coisa nossa. Eu estou aqui com o propósito de ser monge de Olinda com os pernambucanos, sem a preocupação de importar nada. Para mim, isso é um prazer, não é um desconforto.

VITALÍCIO
O abade vitalício é uma das figuras da instituição monástica que faz com que o monge busque a estabilidade no seu coração, com o voto de estabilidade. O turista que chegar a Olinda depois de muitos anos encontrará os mesmos monges, fora as exceções. O monge dom Fernando Saburido foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife, eu estou aqui porque fui eleito abade. A principal função do abade é o princípio da sabedoria. O mosteiro, porém, não pode ser um local de fuga, mas o monge pode fugir se distraindo, não se comprometendo.

PEDOFILIA
Um mal deste tipo na Igreja Católica causa mais escândalo? Causa. Ainda bem que o caso de um padre pedófilo causa mais escândalo porque, se causar o mesmo escândalo de quando ocorre com professores, médicos, ele se iguala. Se a Igreja causa mais escândalo é porque existe algo precioso a ser preservado. Logo, deve causar mais escândalo, mesmo. Mas querer levar isso para desqualificar a vida da Igreja, dizendo que padres e freiras são assim mesmo, é fugir da questão principal ao dizer que eles se afastaram de Deus. Isso é autojustificação. A Igreja que lida com isso tem que se pronunciar com justiça numa situação difícil, e em muitas situações nas quais nem queremos acreditar. A Igreja deve ir até o fim e o caso deve ser punido. Nenhuma investigação deve ficar no meio do caminho. Fazer vista grossa é injustiça. Não se deve passar a mão na cabeça para que os mais fracos não sejam injustiçados.

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