Estudo

A década do crack

Pesquisa da UFPE revela que, em 2010, o derivado de cocaína passou a maconha como droga mais apreendida na RMR

Wagner Sarmento
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Wagner Sarmento
Publicado em 26/10/2013 às 14:23
Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
Pesquisa da UFPE revela que, em 2010, o derivado de cocaína passou a maconha como droga mais apreendida na RMR - FOTO: Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Foi no final da última década que o crack passou a ser a principal droga comercializada no Grande Recife. A constatação é fruto de pesquisa realizada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e que faz parte do livro Integração ensino-serviço e política sobre drogas, organizado pela professora de serviço social Roberta Uchôa. O estudo revela que, em 2010, pela primeira vez na história, as apreensões de crack na Região Metropolitana superaram as de maconha. No último ano descrito no trabalho, foram 76 quilos de crack apreendidos na RMR. De lá para cá, a realidade só pirou. O mais recente balanço da Secretaria de Defesa Social (SDS), de janeiro a setembro deste ano, denuncia a apreensão de 235 quilos no Estado.

A pesquisa, em parceria com o Instituto de Criminalística (IC), apontou que, em 2001, a maconha era a droga soberana, concentrando 78,8% das apreensões na RMR. Naquele ano, o crack representou um universo mínimo, de 1,8% dos entorpecentes confiscados pela polícia. A erva continuou na dianteira ao longo da década, mas crescendo numa velocidade muito menor que o ritmo registrado pela pedra da morte. O ponto de encontro entre as drogas ocorreu em 2009. E, no ano seguinte, o crack passou a ser hegemônico no Grande Recife: em 2010, correspondeu a 45,97% das apreensões, contra 41,84% dos casos de maconha.

O caminho tem sido sem volta. A cada dia, o crack invade lares, vicia com volúpia e destrói famílias. “Já existe uma tendência de diminuição nas apreensões de maconha. Enquanto isso, o crack só aumenta. A subida é exponencial. No final da década, ele passou a ser a droga principal”, afirma o biomédico Antonio Gomes de Castro Neto, um dos autores do estudo. Fatores explicam a tendência: “Existem aspectos como o baixo custo, sobretudo em relação à cocaína, além do alto grau de dependência que o crack gera. Até por isso, os próprios traficantes fazem predominar a venda da pedra, pelo vício que causa nos compradores”. Uma pedra chega a custar só R$ 5.

Os números escondem histórias. Nestor (nome fictício), 50 anos, fumava maconha desde os 25. Foi em 2010, ano em que o crack ultrapassou a maconha em quantidade apreendida, que ele provou a pedra. Não parou mais. O uso social de antes deu lugar a um vício desenfreado. O homem, pescador a vida inteira, perdeu o rumo.

“Isso destruiu minha vida. O crack arrasta tudo, ninguém acredita mais em você. Viciei na primeira pedra. Para entrar é fácil. Para sair é difícil demais”, conta ele, há um mês numa casa do Programa Atitude, da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos de Pernambuco.

O relato de Gabriela (nome fictício) é ainda mais dramático. Estudante de direito, estagiária de um escritório de advocacia, um filho pequeno para criar e um futuro cheio de sonhos. Aí veio o crack. Gabriela perdeu o estágio e o respeito do filho, abandonou a faculdade, passou a se prostituir e começou a traficar o produto. Numa só noite, fumou 20 pedras. “É a pior de todas as drogas. Devasta a vida de todo mundo”, afirma. Quando chegou ao abrigo, estava há seis noites sem dormir. Agora, está há 20 dias sem crack.

O crack também pode causar problemas de saúde. O estudo da UFPE analisou as substâncias que compõem as pedras e revelou a presença de polímeros (38,3%), fenacetina (25,2%), medicamentos (13%) e resinas (7,5%), entre outros. “É uma bomba. Entre os remédios misturados ao produto encontramos anti-inflamatórios, anestésicos e estimulantes. Essas substâncias podem provocar danos no fígado, rins e comprometimentos cerebrais”, diz Antonio Neto.

A assistente social Roberta Uchôa, professora do Departamento de Serviço Social da UFPE, afirma que o exército de traficantes de crack é fruto da falta de políticas públicas nos anos 90. “É uma geração perdida que, sem estudo e sem se inserir no mercado de trabalho, passa a atuar nesse campo. Virou uma atividade econômica alternativa, o que explica o alto número de apreensões”, observa.

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