A estrada de ferro que liga Gravatá ao distrito de Russinhas, no Agreste pernambucano, tem 17 quilômetros de extensão com 14 túneis escavados nas rochas e seis viadutos construídos no século 19. Todos desativados. O último trem cruzou a ferrovia em 2000, conduzindo forrozeiros para Caruaru e encerrando um ciclo de apitos e fumaça. Defensora da reativação da linha – inicialmente para passeios turísticos – a ONG Amigos do Trem percorreu os trilhos escondidos pelo mato, sábado passado (4), levando um grupo de caminhantes.
“Esse é o maior trecho da linha férrea do Nordeste com tantas obras de arte no percurso”, declara André Cardoso, representante local da ONG Amigos do Trem, logo no início da caminhada. Além das passagens subterrâneas e dos viadutos, há uma ponte ferroviária entre o túnel nº 1 e a Estação de Pombos, com vão de ferro e cabeceiras de pedra. Tudo isso no meio de uma convidativa paisagem serrana. “Sem dúvida, é uma das partes da Linha Centro mais favoráveis para o turismo sobre trilhos. E na chuva a serra fica ainda mais bonita”, afirma André Cardoso.
A aventura na ferrovia de Gravatá, descendo a Serra das Russas, se inicia no quilômetro 70 da BR-232. Saindo da rodovia federal logo se chega à linha, parcialmente coberta por construções irregulares. “Numa extensão de 400 metros, perto da BR, temos problemas de ocupações ilegais e roubo de trilhos”, aponta André. O passeio é lento, porque o mato toma conta da estrada e é preciso abrir clareiras com ajuda de uma foice, além de manter silêncio para não atrair marimbondos e abelhas.
Dos 14 túneis ferroviários, o grupo visitou oito (do 14º ao 7º), incluindo o maior de todos, de número 11, com 254 metros de extensão; e o túnel nº 7 (179 metros) que mantém nas paredes de pedra a fuligem do tempo da locomotiva a vapor. Também passou por quatro viadutos, que tiveram as estruturas metálicas originais substituídas por concreto na década de 40 pela Great Western, numa caminhada de quase oito quilômetros. “Nós queremos chamar a atenção da sociedade para o potencial turístico da ferrovia. Mas a volta do trem depende de vontade política”, diz André Cardoso.
No mês de maio de 2016, a Prefeitura de Gravatá revelou o interesse em resgatar o trecho Gravatá-Russinhas para passeios, com uma Maria Fumaça. “A ideia é excelente, a ferrovia tem potencial”, comenta Antônio Veríssimo, um dos coordenadores do Grupo de Estudos Turísticos, formado por guias e turismólogos. Ele participou da caminhada e disse que a equipe está mapeando pontos de interesse turístico do Estado para elaborar o projeto de um novo roteiro de visitações e apresentar a empresas do setor. “Os trilhos da Serra das Russas são atrativos demais”, destaca.
Frederico Haeckel, representante da Associação Nacional dos Transportadores e Usuários de Estradas, Rodovias e Ferrovias (Antuerf), acompanhou o grupo e registrou toda a situação da linha, dos túneis ferroviários e dos viadutos. A entidade tem interesse em usar o VLT – Veículo Leve sobre Trilhos – numa rota turística ligando o Porto do Recife aos municípios de Gravatá e Pombos. “Estou avaliando o local para um possível projeto numa parceria com investidores da Europa”, informa Frederico Haeckel. “Estamos discutindo o assunto e o Recife e Gravatá têm potencial.”
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A ideia, diz ele, seria o governo federal bancar o financiamento, o estadual contribuir com o roteiro, o municipal fazer as desapropriações necessárias e a iniciativa privada garantir a administração do empreendimento. “A proposta é viável”, sustenta André Cardoso, lembrando a necessidade de se fazer um estudo para analisar as atuais condições da rochas e da estrutura dos viadutos. “É preciso trocar todos os dormentes, o ideal seria substituir as peças de madeira e ferro, oxidadas, por concreto.”
Com 76 quilômetros de extensão, a Estrada de Ferro Recife-Gravatá, onde ficam os 14 túneis abertos de 1887 a 1894, é tombada como patrimônio de Pernambuco desde 1986. A Ferrovia Transnordestina Logística, concessionária que opera a malha ferroviária Nordeste, informa que a Linha Tronco Centro Recife está em processo de devolução à União, proprietária da via.