Carnaval 2017

Não, é não: Quando a paquera passa dos limites e acaba em violência contra a mulher

No Carnaval, o que pode e o que não pode no jogo da sedução deve passar por um importante filtro: o consentimento

Renata Monteiro
Cadastrado por
Renata Monteiro
Publicado em 21/02/2017 às 9:21
Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
No Carnaval, o que pode e o que não pode no jogo da sedução deve passar por um importante filtro: o consentimento - FOTO: Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
Leitura:

Atualizada às 22h

Em Pernambuco, um Estado com uma tradição carnavalesca tão forte, que leva tantas pessoas às ruas no período momesco, é fácil encontrar quem tenha uma boa história da folia para contar. É também sem dificuldade que, infelizmente, encontramos mulheres com relatos de constrangimentos sexuais sofridos nesta época do ano nas ladeiras de Olinda, no Bairro do Recife ou em algum dos tantos blocos de bairro que pipocam na Região Metropolitana.

Principais causadores do problema, grande parte dos homens, entretanto, encara com naturalidade a violação do corpo da mulher e o desrespeito às suas vontades durante o Carnaval. É o que mostra uma pesquisa do Instituto Data Popular realizada entre os dias 4 e 12 de janeiro de 2016 com 3,5 brasileiros. Segundo o levantamento, 61% dos homens abordados afirmaram que uma mulher solteira que vai pular Carnaval não pode reclamar de ser cantada; 49% disseram que bloco não é lugar para mulher “direita”; e 49% acreditam que as mulheres gostam quando são chamadas de gostosa.

Enquanto isso, quem não abre mão da folia por ser do sexo feminino coleciona casos de abordagens impertinentes.“Sou neta de comerciante, meu avô é dono de um bar no Poço da Panela, e ao ajudá-lo durante o Carnaval já presenciei e vivi situações complicadas. Chegou a um ponto de que, pra me sentir segura, meu primo tinha que ficar do meu lado para evitar as gracinhas, os caras que aproveitavam quando eu ia entregar uma cerveja para alisar a minha mão, entre outras coisas”, afirmou a estudante Jamille Barros, de 19 anos.

“Quando era solteira e saía com amigas no Carnaval sempre rolava alguma situação chata, como algum homem passando a mão e cheirando o seu cabelo sem permissão, puxão no braço ou na mão para tentar beijar, essas coisas. A invasão ao espaço da mulher é tanta que você pensa duas vezes antes de sair desacompanhada nessa época”, comentou a estudante Lídia Lins, 23.

De acordo com a legislação brasileira, cercar uma mulher, puxar seu braço ou seu cabelo, por exemplo, é caracterizado como uma importunação ofensiva ao pudor e quem comete a contravenção pode ser multado ou ter que prestar serviço comunitário. Nos casos de beijos forçados ou quando um homem se aproveita do fato de uma mulher ter ingerido grande quantidade de bebida ou entorpecente para praticar sexo com ela contra a sua vontade, ele pode ser acusado de estupro. Neste caso, a pena é mais severa, pode chegar a até dez anos de reclusão.

Apesar de a expressão assédio ser amplamente utilizada nestas situações, ela não está correta. Para haver assédio, é necessário que exista uma relação hierárquica de submissão entre agressor e vítima, como no caso de um chefe que faz uma cantada ofensiva para uma funcionária, por exemplo. Se houver ameaça ou violência, é estupro.

Mas, diferentemente do que a maioria dos meninos pode pensar, a paquera não precisa ser evitada por conta disso. Desde que haja consentimento, o jogo de sedução típico desta época do ano pode seguir firme e forte.

“A chave é saber diferenciar agressão de uma forma ativa de demonstrar interesse (paquera), que pode vir de homens e mulheres, por sinal. Uma troca de olhares, algo correspondido, um sorriso, uma brincadeira leve, uma aproximação que não invada o espaço e o corpo do outro. É fácil paquerar, gente. Puxar cabelo e beijar à força definitivamente não é paquera”, ressaltou Bella Valle, pesquisadora e professora do departamento de comunicação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e uma das fundadoras do Grêmio Anárquico Feminístico Essa Fada. Vale salientar que estas ações devem ser consideradas em qualquer situação, independentemente do quanto a garota tenha bebido ou se estiver com roupas curtas.

Lugar de mulher é no Carnaval

Além do Essa Fada - criado em 2015 inicialmente para colocar em pauta a questão da liberdade sexual feminina, mas que agora agrega discussões sobre a violação sexual do corpo da mulher, sobretudo no Carnaval - , outros blocos foram criados com a intenção de confrontar esse tipo de violência. Uma dessas agremiações é o Vaca Profana, criada pela produtora de cinema Dandara Pagu, de 28 anos.

“Eu tinha feito uma fantasia de vaca em 2015 por causa da música de Gal (Vaca Profana), que era com os seios de fora, glitter e uma máscara do animal. Na ocasião, a polícia afirmou que o que eu estava fazendo era atentado ao pudor, mas ninguém disse nada com os homens que circulavam sem camisa. Foi aí que eu percebi o quanto a mulher não tem domínio sobre o seu corpo. O corpo feminino só serve como produto”, narrou Dandara. O caso repercutiu nas redes sociais e outras mulheres se uniram a ela, saindo com o bloco pela primeira vez em 2016. Este ano, várias “vacas profanas” prometem tomar as ladeiras de Olinda na segunda-feira de Carnaval (27).

O Essa Fada, por sua vez, vai encher as ruas da Zona Norte do Recife de “Pó de Sim” nesta quarta-feira (22), a partir das 19h30, na Casa Astral, no Poço da Panela. O evento contará com as DJs Zenzi e Joana Pires e uma orquestra de frevo que fará um arrastão pelo bairro com os foliões. “Pode ir quem quiser, mas o protagonismo é delas – as nossas fadas, nossas safadas, nós todas”, diz o convite para a festa, que é gratuita.

Como a luta pela conscientização dos homens pelo fim destes abusos contra as mulheres não se restringe a elas, o Bloco do Laço Branco, promovido pelo Instituto Papai e pelo e Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (Gema/UFPE), sairá às 19h desta quinta-feira (23), da Rua da Moeda, no Bairro do Recife, para defender o slogan da Campanha do Laço Branco para o biênio 2017-2018: "Lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na política". A Campanha do Laço Branco surgiu para sensibilizar homens no engajamento pelo fim da violência contra a mulher, de acordo com o Instituto Papai.

Conscientização é bom, mas tem que denunciar

A maioria dos militantes pelos direitos das mulheres concorda que o melhor caminho para combater os recorrentes casos de importunação ofensiva ao pudor e estupro durante o Carnaval é o da educação. Grande parte deles, no entanto, também acredita que medidas efetivas para a punição de quem cometer um desses crimes também deva ser adotada.

Uma dessas medidas é a ação Meu Corpo não é Folia, desenvolvida pelos coletivos Meu Recife e Mete a Colher. Divulgada através das redes sociais, a campanha pretende coletar relatos de mulheres que sofreram algum tipo de violência sexual durante os dias de momo ou que queiram denunciar casos de falta de comprometimento da polícia em investigar o crime.

Na Parada Internacional das Mulheres, que ocorrerá no Parque 13 de Maio, no bairro da Boa Vista, no dia 8 de março, uma intervenção será realizada com base nos testemunhos que forem encaminhados. Para participar, basta acessar o site da ação e compartilhar sua história.

Se liga na dica

Não custa lembrar: caso você seja vítima de vítima de algum tipo de violência sexual, procure a delegacia mais próxima e registre um Boletim de Ocorrência. Qualquer unidade policial está habilitada a coletar as informações de um caso como esse, mas se preferir, vá a uma Delegacia da Mulher. No Recife, a especializada fica na Praça do Campo Santo, S/N, Santo Amaro. O telefone é o 3184-3352.

Últimas notícias