A Matinê Branca, criada pelo Clube Carnavalesco Misto Lenhadores, em 26 de agosto de 1917, completou 100 anos nesse fim de semana mantendo a velha tradição da festa: bilheteria aberta, cavalheiros envergando terno branco com gravata borboleta preta e damas de vestido (ou saia e blusa) na mesma cor, com sapatos pretos. A data foi comemorada neste domingo (27/08) numa tarde dançante na sede do Clube Lenhadores, na Mustardinha, bairro da Zona Oeste do Recife.
Embalados ao som de trio de forró pé de serra, grupo de chorinho e da Orquestra Brilhante com a cantora Josiane, os pares deslizaram no salão das 13h às 18h, a hora da valsa. Hoje, a Matinê Branca é só festa. No passado, era também um disfarce para a comunidade negra cumprir os rituais de culto e oferenda aos orixás. “Com a polícia reprimindo, ficava difícil professar a religiosidade”, afirma o advogado Edvaldo Ramos.
O assentamento dos orixás era montado por trás do palco, longe dos olhares repressores da polícia, recordam Edvaldo Ramos, 83 anos, e Lindivaldo Leite, 82, conselheiros do Clube Lenhadores e frequentadores da Matinê Branca há cerca de 40 anos. “A comunidade queria fazer os cultos, porque não podia deixar de cumprir as obrigações, e a polícia não permitia, quebrava os assentamentos”, afirma Edvaldo Ramos.
“Com a festa, as pessoas cultuavam os orixás sem o couro receber bordoada, é mais uma das astúcias dos negros da época”, acrescenta o advogado. A Matinê Branca também surgiu como uma resposta à elite pernambucana do fim do século 19, observa Jamesson Tavares, diretor de cultura do clube. “Naquela ocasião, os burgueses promoviam festas em clube, fechadas e pagas, excluindo os pobres. Lenhadores resolveu fazer um evento tão bonito quanto o deles, sem cobrar ingresso”, relata Jamesson Tavares.
CLUBE
Fundado em 5 de março de 1897, o Clube Lenhadores tem 120 anos de história e inaugurou a primeira sede no Beco das Barreiras, atual Rua José de Alencar, na Boa Vista, bairro do Centro do Recife. Ali nasceu a Matinê Branca. Depois, a agremiação passou a ocupar uma casa na Rua da Glória, no mesmo bairro. Na década de 1950 transferiu-se para a Mustardinha.
“A Matinê Branca tem 100 anos ininterruptos, fazemos todos os anos para mostrar a nossa alegria e a nossa emoção. Cem anos não são cem dias. Organizamos a festa com muita honra e de cuia na mão. Eu passo de porta em porta pedindo apoio ao governo do Estado, à Prefeitura do Recife, à Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco), à Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco) e à Cepe (Companhia Editora de Pernambuco)", diz Jamesson Tavares.
De acordo com Maria Leci dos Santos, presidente em exercício do Clube Lenhadores, a festa é prestigiada por moradores de diversos bairros do Recife e de municípios do Grande Recife. “A maior parte do público é de pessoas idosas, os mais jovens são filhos, netos e conhecidos que eles trazem”, diz Maria Luci. “Lenhadores é a minha segunda casa, sou da diretoria e não perco uma festa. Só não gosto de dançar suado e não danço com mulher suada”, avisa João Paulo da Silva, 84.