Lirismo

Bloco das Flores se renova com projeto Flores do Amanhã

Quinze crianças desfilam com a velha guarda no Carnaval deste ano

Larissa Rodrigues
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Larissa Rodrigues
Publicado em 02/02/2018 às 7:01
Guga Matos/JC Imagem
Quinze crianças desfilam com a velha guarda no Carnaval deste ano - FOTO: Guga Matos/JC Imagem
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Mayara Roberta, 7 anos, corre inquieta entre os adultos. Ajeita a fantasia, mexe nos cabelos, sorri e diz “me sinto uma princesa”. Imita a dança da senhora ao lado. A saia de tule amarela e a meia calça branca parecem não incomodar, mesmo no calor. A menina demonstra intimidade com o clima de Carnaval. Ainda bem, porque Mayara é uma das 15 crianças com a missão de dar continuidade ao Bloco das Flores. A agremiação lírica recifense completa 100 anos em 2020 e, para chegar aos 200, a preparação já começou. No Carnaval de 2018, será lançado o projeto Flores do Amanhã, com meninas e meninos entre 6 e 15 anos que pela primeira vez desfilarão junto à velha guarda.

A maioria das meninas é de origem humilde e participa do projeto Sementes do Amanhã, ONG que funciona na Escola Municipal de Água Fria, Zona Norte do Recife. Há 24 anos, a iniciativa cuida de meninas em situação de vulnerabilidade social por meio da dança. A diretora do Sementes, Lúcia Tavares, 68, faz parte do Bloco das Flores há seis anos e diz que uniu suas duas maiores paixões. “No meu primeiro ano na agremiação alimentei o sonho de levá-las para fazer parte de algo que amo tanto. Se eu morresse hoje, iria feliz. Estou realizada.”

A ideia de misturar Bloco das Flores com Sementes do Amanhã e originar às Flores do Amanhã surgiu no Carnaval de 2017, quando a agremiação centenária foi homenageada pelo Bloco Flor do Cajueiro. Na ocasião, as meninas da ONG se apresentaram e a presidente do Bloco das Flores, Kátia Calheiros, ficou encantada. Ela, então, convidou Lúcia a ajudá-la. “Quando a gente quer perpetuar algo, começa plantando a semente. As crianças vão aprender com as pastoras e as pastoras, com elas. Isso é o amanhã”, frisou.

Já Lúcia relata o fascínio em acompanhar a força de vontade das meninas e suas famílias. Cada uma delas, contou, tem uma história de luta pela sobrevivência. Carlos José do Nascimento, 58, é pai de uma das adolescentes, Carla Magali Patrícia do Nascimento, 15. Ele sustenta a família vendendo pipoca. Mora próximo ao terminal da Campina do Barreto. A vida dura ganha pausa e se transforma em conto de fadas cada vez que ele vê a filha fantasiada nos ensaios. “Se os pais soubessem como é lindo, colocavam seus filhos nesse mundo de alegria. Minha filha tem talento. O caminho dela vai ser esse.”

A mãe de Carla, a dona de casa Magali Nobre do Nascimento, 53, se emociona ao ver a filha dançando. “São muitas coisas que sinto, não consigo explicar. Minha filha é tudo para mim”, disse, com os olhos marejados. Carla não esconde a satisfação de integrar o bloco e vê na convivência com as veteranas a oportunidade de adquirir conhecimento. “Estou muito feliz por estar no meio de pessoas que sabem mais e aprender com elas. É uma responsabilidade levar o bloco adiante, mas estou preparada, é o que quero para mim”, enfatizou.

Iracema Gonçalves Maia, 65, tem 18 anos no Bloco das Flores. Para ela, Carla, Mayara e as outras crianças são o futuro da agremiação. “É preciso ter a nova geração para seguir com bloco. A gente aprende muito com elas. Ao mesmo tempo, é gostoso ensinar letras e danças de antigamente. Me vejo no meio de um monte de anjos.” Já Marly Marques Alves, 77, também há 18 anos no bloco, diz sentir-se “uma criança entre as meninas”.

Ideia é igualar números

A presidente do Bloco das Flores, Kátia Calheiros, disse que a ideia é colocar cada vez mais crianças na agremiação e igualar ao número de pastoras. Atualmente, são 50 veteranos, sendo oito homens, e 15 crianças. Os senhores têm a função de proteger as pastoras durante os desfiles, um hábito dos Carnavais antigos que permanece. Jubiracil Albuquerque Ferreira, 75, mais conhecido como Seu Juju, está na agremiação há seis anos e defende veementemente a entrada da nova geração. “As crianças vão renovar o Bloco das Flores, porque somos todos idosos. Precisamos da participação delas para elevar o bloco. Um outro aspecto é que, do jeito que o mundo está, cheio de corrupção, precisa-se apresentar um caminho para as crianças, como o da arte.”

Por se tratar de menores de idade, as famílias das meninas também interagem com o bloco e participam de todo o processo. Segundo Kátia Calheiros, a ideia é justamente essa, incluir a comunidade. “As mães fizeram rifas, bingos, venderam bolos, se mobilizaram, tudo para arrecadar dinheiro para as fantasias. Eu quis que elas adquirissem sentimento de pertencimento pelo bloco”, explicou Kátia Calheiros.

A dona de casa Maria de Fátima da Silva, 38 anos, moradora do bairro de Cajueiro, na Zona Norte do Recife, é mãe de uma das Flores do Amanhã. Sua filha é Mayara Roberta, aquela que não para quieta em meio aos adultos e quer dançar igual às pastoras. Mayara faz parte do projeto Sementes do Amanhã há quatro anos. Lá, aprendeu a escrever, dançar balé e interagir com outras crianças. Agora, entra no mundo do lirismo recifense e leva Maria de Fátima junto. “Fico muito orgulhosa de ela estar fazendo parte dessa missão de dar continuidade ao bloco. Nunca imaginei que minha filha entraria em uma agremiação lírica. Mas estamos curtindo muito, tanto ela como eu”, contou Maria.

A historiadora e pesquisadora de cultura popular Carmem Lélis diz que o Bloco das Flores está no caminho certo para garantir sua renovação. Perguntada se as crianças podem encarar o desfile como uma brincadeira de momento e não se interessarem em participar nos próximos anos, ela afirmou que a história mostra que a afetividade cresce nessas situações. “A influência da arte é muito forte para que elas fiquem (no bloco). A proposta é fantástica. Essa semente pode dar flores de primeira”, destacou. Outro fator que pode fazer com que o projeto Flores do Amanhã de fato floresça é a participação das comunidades onde moram as crianças. “Uma agremiação resiste a partir das relações de sociabilidade criadas dentro da comunidade, do envolvimento com o bloco”, explicou a pesquisadora.

A estreia do Flores do Amanhã será no domingo de Carnaval, dia 11, durante o desfile oficial do Bloco das Flores. A concentração é às 16h, na Praça Maciel Pinheiro. O cortejo até o Bairro do Recife começa às 17h.

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