ENTREVISTA

Pioneira na polícia de PE comenta o papel da Delegacia da Mulher

Salma Bandeira de Mello, primeira delegada da Mulher no Estado, acredita que a educação infantil é a saída para barrar a violência contra mulher

Anderson Nascimento
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Anderson Nascimento
Publicado em 08/03/2018 às 6:05
Foto: Anderson Nascimento/SJCC
Salma Bandeira de Mello, primeira delegada da Mulher no Estado, acredita que a educação infantil é a saída para barrar a violência contra mulher - FOTO: Foto: Anderson Nascimento/SJCC
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Até o ano de 1985, as mulheres não contavam com uma delegacia especializada para serem atendidas caso fossem vítimas de violência doméstica e sexual em Pernambuco. Não havia segurança ou conforto para que elas criassem a coragem de fazer uma denúncia contra seu agressor. Isso mudou quando, após a criação da Delegacia da Mulher no Estado, naquele ano, inúmeras denúncias começaram a ser realizadas. Uma peça importante deste período foi Salma Bandeira de Mello, a primeira delegada da Mulher em Pernambuco e a segunda do País. Hoje, aos 60 anos e aposentada, ela viu muitos casos emblemáticos na época, semelhantes aos dos dias atuais, com a diferença de que, agora, percebe uma maior repercussão da mídia e punição para aqueles que praticam crimes contra as mulheres.

Salma é natural de Manaus. Perdeu a mãe quando tinha apenas 10 meses de vida e foi trazida pelo pai após o falecimento da mãe para Pernambuco, onde foi criada pelos avós paternos. Formou-se bacharel em direito na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e almejava ser juíza. "Como mulheres não podiam se inscrever para o concurso do Tribunal de Justiça, decidi fazer a prova para o cargo de delegada de polícia, e fui muito feliz. Não me arrependi e faria novamente", contou. Salma também é formada em psicologia, sua outra paixão, pela Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho). Também passou a escrever crônicas e tem, hoje, sete livros publicados.

Ela entrou na Polícia Civil em 1980. Passou por duas delegacias e pela corregedoria de polícia antes de ser indicada para assumir a primeira Delegacia da Mulher no Estado, no dia 13 de dezembro de 1985. "A equipe era formada por mim e outras 20 mulheres, entre psicóloga, comissárias e agentes", detalhou. Salma atuou na unidade durante 17 anos, dois anos como delegada titular e 15 anos gerenciando a casa de apoio – que acolhia vítimas de violência. Nesse período, também assessorava as demais delegacias especializadas no atendimento da mulher que foram surgindo em outras cidades, como Caruaru, no Agreste, e Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife.

A delegada contou que a sociedade aprovou e deu total apoio à criação da primeira unidade especializada. “Já no primeiro dia, recebemos inúmeras queixas. Foi uma verdadeira inovação, sucesso total na cidade. Era um sonho acalentado há anos pelas feministas e pelas mulheres que se dedicavam aos direitos humanos”, recordou. Porém, percebeu que, na Secretaria de Segurança Pública, existiu certa resistência por alguns integrantes da pasta. “Dentro da secretaria, existiu preconceito, perseguições, mas, a despeito de tudo, a delegacia prosperou e ainda está colhendo os frutos do primeiro dia de sua criação."

Na análise da delegada, depois da inauguração da delegacia, as mulheres se apossaram dos seus direitos que antes não ousavam se apossar. "Antes, se a mulher fosse atingida pelo marido, por um irmão, pelo pai ou estuprada por um homem, ela tinha muita vergonha de procurar as delegacias comuns porque temos um sistema machista. Os próprios policiais, às vezes, não tinham a sensibilidade suficiente para acatar uma queixa feminina, então ela sentia-se muito incomodada por isso e silenciava", disse.

"Após a delegacia especializada, as mulheres sentiram-se seguras e mais acolhidas porque era uma equipe totalmente feminina. Tivemos um preparo muito grande para iniciar os trabalhos nessa delegacia. E, a cada dia, elas se sentem mais seguras em denunciar, até porque outros segmentos da sociedade também se voltaram para a defesa dessas mulheres."

Casos emblemáticos

Quando perguntada sobre qual caso mais a chamou atenção, Salma lembrou de uma jovem professora de educação física, de 17 anos, que foi estuprada por três homens.

"Ela saiu de manhã cedo para dar aula de ginástica, e, a poucos metros de sua casa, foi raptada pelos agressores. Eles a violentaram sexualmente das 6h30 até 11h. Ao ser liberta, conseguiu voltar para casa e pedir socorro. A família a levou para uma emergência, mas, no caminho, a jovem sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), e até hoje ficou com um lado do corpo paralisado", lamentou. "O que nos confortou um pouco, foi que minhas policiais conseguiram prender um dos suspeitos. Ele foi condenado a 21 anos de prisão."

"Mas não fui tocada apenas uma ou duas vezes. Casos brutais em que pais estupraram crianças pequenininhas, de dois, três anos, isso me tocava profundamente que, minha maneira de ver e sentir o mundo, mudou muito, embora eu tenha continuado com meu lado sensível", narrou a delegada.                        

Como evitar reincidências?

Para evitar as constantes reincidências de violência contra a mulher, ela comenta que há, atualmente, uma tendência em aumentar a pena para os que cometem esses tipos de crimes. Mas a delegada aposta que somente uma reeducação das crianças poderá frear as agressões contra o sexo feminino.

Confira um trecho da entrevista com Salma Bandeira de Mello em vídeo:

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