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Mortalidade materna no Recife é tema de audiência pública

Médicos dizem que pré-natal tem falhado em evitar morte de mulheres durante ou logo após gestação

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Publicado em 13/11/2018 às 7:20
AFP
Médicos dizem que pré-natal tem falhado em evitar morte de mulheres durante ou logo após gestação - FOTO: AFP
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Mesmo com largo acesso ao pré-natal, o alto índice de mortalidade materna ainda é uma realidade no Recife. Até outubro, 15 óbitos de gestantes ou puérperas com até 42 dias após o parto foram confirmados na capital e há outros três em investigação. No ano passado, houve um total de 16 mortes. Por que os números não caem? Onde estão sendo aplicados os recursos federais encaminhados ao município? Por que as negras morrem mais do que as não negras? Essas e outras questões estarão em discussão hoje em audiência pública na Câmara Municipal do Recife, a partir das 9h.

“Cerca de 80% das mulheres chegam a fazer o pré-natal, mas os números mostram que eles não estão servindo para nada”, afirma o médico Rodrigo Cariri, que é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e presta assessoria ao vereador Ivan Moraes (PSOL), responsável pela audiência que atende a reivindicação do movimento de mulheres. Na sua avaliação, está ocorrendo um aumento dos casos.

Em 2015, o município registrou 22 mortes de mulheres, uma taxa de 93 por 100 mil partos realizados, bem acima das 35 mortes/100 mil partos, índice considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Este ano a taxa está em mais de 60%. “Esperávamos que com o Hospital da Mulher (inaugurado em maio de 2016) a situação fosse melhorar, mas para nossa surpresa isso não vem acontecendo. Além disso, 69% das que morreram entre 2014 e 2017 eram negras”.

Um dos questionamentos a ser apresentado ao município é referente a aplicação de R$ 216,3 milhões repassados pelo Governo Federal, via o programa Rede Cegonha, de 2011 a 2017. Entre os projetos, três Centros de Parto Normal, cada um ao custo de R$ 350 mil. “Onde estão esses recursos, se eles foram liberados especificamente para esses projetos? Por que as três maternidades do Recife estão em situação precária, se há dinheiro para melhorias?”, questiona Cariri.

BAIXA QUALIDADE

A obstetra Luíza Menezes, que integra o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) e atua na rede estadual, diz que não dá para ter certeza se há aumento da mortalidade materna. “Mas sabemos que não está acontecendo redução, no País como um todo”, declara. “Mais de 90% das mortes são evitáveis, pois decorrem de problemas como hipertensão e infecções não tratadas e se dão pela falta de um pré-natal de qualidade ou acesso tardio ao pré-natal. Então, quando chega na maternidade a situação já está incontrolável. A assistência básica de saúde ainda é muito falha, daí a greve que o Recife enfrenta no setor e o aumento dos casos de sífilis”.

O secretário municipal de saúde, Jailson Correia, observa que os números devem ser avaliados em um contexto mais amplo e ao final de cada ano. “Há o que melhorar no pré-natal. Mas o que especificamente? O acesso? A quantidade de consultas? A qualidade? Precisamos estudar isso”, diz, observando que dez das 68 mortes registradas entre 2014 e 2017 foram de mulheres com câncer.

LICITAÇÃO

O gestor informa que os três Centros de Parto Natural estão em licitação e vão funcionar dentro das maternidades. E que o município recebe, como custeio, uma média de R$ 19 milhões ao ano do Governo Federal. “Ou seja, são cerca de R$ 500 mil ao mês para cada maternidade e gastamos R$ 750 mil só com terceirizados, água, energia... sem contar o quadro de pessoal e o Hospital da Mulher, que vai receber 68 novos leitos, sendo dez de UTIs neonatal, dez de UTIs da mulher, 27 de cuidados intermediários e 21 de alto risco”, salienta.

“Também temos projetos de requalificação das três maternidades, que ficam sobrecarregadas porque mais de 30% dos partos são de mulheres de outros municípios”, destaca o secretário. “Essa discussão precisa ser serena e técnica, sem cunho político, para buscarmos melhorias em conjunto, pois temos investido sim em políticas públicas para o setor”.

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