PERNAMBUCO

Sem obras e sem casa, resta esperar aos moradores da Zona da Mata

Estado ainda não entregou 853 casas que estão prontas, mas desabitadas. Falta também concluir quatro barragens

Margarida Azevedo
Cadastrado por
Margarida Azevedo
Publicado em 02/06/2019 às 6:13
Foto: Bobby Fabisak / JC Imagem
Estado ainda não entregou 853 casas que estão prontas, mas desabitadas. Falta também concluir quatro barragens - FOTO: Foto: Bobby Fabisak / JC Imagem
Leitura:

Esperar é um verbo que moradores da Zona da Mata pernambucana sabem conjugar bem. Chegou mais um inverno. E as soluções não vieram. Mais uma vez, obras que deveriam estar prontas para amenizar o impacto provocado pelas enchentes não foram concluídas. Com exceção da Barragem de Serro Azul, em Palmares, outras quatro (duas na Mata e duas no Agreste) estão paralisadas há pelo menos quatro anos por falta de recursos. Em Barreiros, distante 111 quilômetros de Recife, o retrato dessa espera tem endereço: a Fazenda Santa Clara 2 (antigo Engenho dos Macacos), na periferia da cidade. Lá estão 853 casas onde deveriam viver moradores afetados pela mais grave enchente que atingiu a região, em 2010. Em vez disso, portas e janelas fechadas, mato crescendo e vigilantes para impedir o acesso daqueles que, já sem esperança, pensaram em ocupar os imóveis na marra. Como fizeram outras famílias na área vizinha, onde a invasão já é realidade.

Mãe de cinco filhos, o mais velho com 11 anos e o caçula com 7 meses, Adriana Maria da Silva, 27 anos, lamenta não ser uma das moradoras da Santa Clara. A segunda filha, hoje com 9 anos, era um bebê quando houve o temporal de 2010. Ela acompanhou a Operação Reconstrução, a força-tarefa que reuniu diversos órgãos do governo estadual para reerguer 41 municípios atingidos pelas inundações. Quarta-feira passada, Adriana tentava salvar o pouco que tinha dentro de um imóvel simples, com água que chegou a meio metro de altura, no bairro Santa Gorete.

“Tanta casa fechada e a gente numa situação dessa. Estou dentro da lama, quando poderia morar num lugar que hoje está abandonado. Perdi colchão e guarda-roupa. Salvei geladeira, roupas e uma cama. É muito sofrimento”, diz Adriana. Em 2010, ela morava no bairro Taperibu. “Lembro que a água cobriu a casa, chegou no telhado. Tentei fazer o cadastro do governo para ganhar uma casa, mas eu não tinha registro. Uns dois anos atrás consegui me inscrever, só que até agora nem sinal de receber nada”, afirma Adriana, que sobrevive com R$ 537 do Bolsa Família. O marido é pedreiro. Está desempregado e faz pequenos biscates para ajudar no sustento da família.

Diferentemente de Adriana, a dona de Severina Augusta da Silva, 57, decidiu agir. Em abril de 2017, juntou as duas filhas e três netos e foi ocupar uma das casas na Fazenda Santa Clara 1 e que estava fechada. Ela reside no primeiro loteamento, onde não há vigilância porque boa parte dos imóveis está habitado.

“Pagava aluguel. Uma filha engravidou. A situação financeira apertou. Então viemos para Santa Clara”, afirma Severina, também beneficiária do Bolsa Família. Na residência, teve que improvisar. Na falta de uma janela na sala, colocou um lastro de madeira. Em vez de portas nos dois quartos, há lençóis. Comprou o vaso sanitário que alguém tirou do banheiro. “Gosto muito, é tranquilo. Queria muito que a casa fosse minha pra sempre”, comenta Severina. Em 2010 ela vivia no Bairro dos Lotes, um dos mais afetados pelo temporal.

Em Barreiros, a Operação Reconstrução previa 4.043 casas para a população prejudicada pelas enchentes. Desse total, 3.190 foram entregues (Fazenda Santa Clara 1, Fazenda São Francisco, Habitacional Barreiros e Engenho Baeté, mais conhecido como Massa Falida). Andreza Rosa de Lima, 35, foi uma das beneficiadas.

Mora há dois anos numa casa da Fazenda Santa Clara 1 com banheiro, cozinha, sala e dois quartos. “O ruim é que fica longe do Centro. Precisamos de posto de saúde, de estrada melhor, de transporte. Demorou um bocado pra receber a casa”, diz Andreza. “Mas é muito melhor do que quando morávamos em Santa Gorete. Qualquer chuva era um aperreio. Agora pelo menos conseguimos dormir sem nos preocupar se vai alagar tudo”, destaca a dona de casa.

SEM PRAZO

Em reportagem publicada pelo JC em fevereiro do ano passado, o governo estadual prometeu entregar 858 casas, que estavam em fase de acabamento, no mesmo semestre. Não cumpriu. Questionada, desta vez a Casa Militar preferiu não estipular datas.

Diz apenas, por meio de nota, que a liberação de 853 imóveis em Barreiros “depende da conclusão de obras de infraestrutura externa, que são acesso, água e esgoto”. O Estado afirma também que “está inventariando as obras em andamento e os recursos disponíveis para a continuidade dos projetos e obras da Operação Reconstrução.”

As casas foram construídas com recursos da Caixa Econômica Federal. No último loteamento (são cinco ainda sem moradores) há uma escola. Um parquinho e uma quadra, que deveriam ser usados pelas crianças, estão tomados pelo mato. A Casa Militar não informa quem custeou a unidade de ensino nem tampouco o valor investido.

Segundo moradores, muitas casas estão fechadas porque os donos voltaram a viver nas áreas ribeirinhas de Barreiros. O coordenador da Defesa Civil do município, Mário Joaquim Galdino, explica que fará um levantamento para identificar essas situações.

“Pretendo cruzar o cadastro dos moradores que residem no Centro com os que ganharam casa. Depois entregarei a lista para o promotor, já que o Ministério Público pode cobrar explicações”, diz Mário. “O povo conta de gente que trocou a casa por um cavalo, por moto, vendeu ou deu para outro parente morar. Infelizmente não cabe à prefeitura fiscalizar isso”, observa Mário.

Conforme o governo, “após a entrega da casa, o beneficiário assina um contrato com a Caixa Econômica Federal. A fiscalização passa a ser da Caixa e da prefeitura do município para a manutenção do controle urbano dessas áreas”.

 

Últimas notícias