Se hoje o clima é de paz entre as religiões que dividem espaço no Morro da Conceição, a realidade nem sempre foi assim. A perseguição, principalmente com as religiões de matriz africana, existiu durante boa parte da história. E o preconceito ainda perdura. Como forma de dar um basta à intolerância religiosa, a 115ª edição da Festa do Morro incluiu no período pré-festa, pela primeira vez, uma celebração inter-religiosa, que contou com a presença de católicos, umbandistas, juremeiros evangélicos, candomblecistas e espíritas kardecistas.
Há 32 anos, quando começou a seguir o candomblé, José Bonfim encontrou outra realidade. “Era muita perseguição. Os terreiros precisavam ficar escondidos nos fundos das casas, era muito difícil”, lembra. A situação era ainda pior durante a ditadura militar, entre as décadas de 1960 a 1980. “Próximo aos anos 1980, existia muita repressão. Era polícia batendo, levando preso. Éramos proibidos de tocar, de manifestarmos nossa fé”, conta Pai Bonfim. Por consequência, os terreiros foram, aos poucos, parando de atuar.
Para Bonfim, ainda que a situação tenha melhorado, o preconceito é uma realidade enfrentada diariamente. “Não só o candomblé, mas as religiões de matriz africana, de forma geral, são vistas como algo do mal. A gente precisa e quer semear a paz e a união entre as religiões”, defende.
O precursor da paz
Quando se fala em respeito entre as diferentes manifestações religiosas existentes no Morro da Conceição, um nome é lembrado por todos: o do padre Reginaldo Veloso. O religioso atuou enquanto pároco do hoje Santuário de Nossa Senhora da Conceição de maio de 1978 a dezembro de 1989, quando foi expulso das funções de sacerdote.
Durante esse tempo, estabeleceu diálogo com as diferentes religiões da comunidade. “Entendo como possibilidades legítimas de manifestação da fé do povo, que precisam de espaço e da possibilidade de manifestar sua fé livremente”, argumenta Veloso.
Enquanto padre, ele abria espaço ao fim das missas da Festa do Morro para que os seguidores de religiões de matriz africana pudessem reverenciar Iemanjá. “Eu tentei garantir a paz. Muitas pessoas se consideram de mais de uma religião. Lembro de Mãe Marina, que tinha um terreiro no morro, e que também se considerava católica. Na festa de Cosme e Damião, ela me convidava para almoçar no terreiro dela, e eu ia. A gente sempre procurou caminhar com atitude de respeito e diálogo”, relata o religioso.
Do entendimento de que o fim da intolerância é urgente, os missionários redentoristas que administram o santuário resolveram incluir, pela primeira vez, uma cerimônia inter-religiosa na programação da Festa do Morro, a mais popular do Estado.
A cerimônia ocorreu no dia 23 de novembro. “A igreja já perseguiu por muito tempo quem seguia outras religiões. Ainda hoje existem tensões entre o clero, mas as ciências religiosas nos ajudam a entender o fenômeno do sincretismo. Não para trazer as pessoas para dentro da igreja, mas para que a gente possa dar as mãos, somar juntos e perceber que não é preciso maltratar o outro por ele ser diferente de mim”, resume o padre Maílson Régis de Queirós Costa, reitor do santuário.