Carnaval do Interior

Conheça dona Nice, a rainha do Maracatu Estrela da Tarde

No dia a dia, Veralice Martins cuida da casa e dos bichos. No Carnaval, assume a realeza do Estrela da Tarde de Nazaré da Mata

Mateus Araújo
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Mateus Araújo
Publicado em 06/02/2016 às 0:05
Sérgio Bernardo/JC Imagem
No dia a dia, Veralice Martins cuida da casa e dos bichos. No Carnaval, assume a realeza do Estrela da Tarde de Nazaré da Mata - FOTO: Sérgio Bernardo/JC Imagem
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No castelo amarelo, pequeno e estreito, a rainha Nice vive sozinha desde que sua mãe morreu, há dois anos. Nos fundos do palácio, em vez de jardim há um quintal com varais de roupas e uma cocheira onde ela cria três bois e dois cavalos. Seu trono é um sofá coberto com uma gola de caboclo de lança, bordada em lantejoulas coloridas e com o escudo do Santa Cruz. Para conhecer este universo de majestade não precisa melindres: o sorriso extenso é convite espontâneo para entrar na casa de Nice e ouvir a história dessa mulher. 

Há 50 anos, ela decidiu deixar as brincadeiras de mela-mela dos Carnavais do interior e fazer dos quatro dias de Momo uma “coisa séria”. “Nascida e criada” em Nazaré da Mata, cidade a 65 quilômetros do Recife, a senhora resolveu virar brincante de maracatu rural. Como baiana, desfilou por mais de cinco décadas em uma agremiação que há sete anos foi extinta. “Era o maracatu de Val, um agente (da polícia). Mas ele resolveu acabar com o maracatu. Aí meu irmão Marcos quis criar um e me botou para ser rainha”, lembra a agora realeza – uma das tantas que brilham no Carnaval de Pernambuco.

No Maracatu Estrela da Tarde, um dos caçulas da cidade conhecida como a capital do maracatu rural – são mais de 20 grupos registrados pelas prefeitura municipal –, Nice brilha sob uma coroa, reina entre os 120 integrantes da agremiação. “O povo daqui ficava perguntando por que Marcos colocou uma rainha velha. Né danado? Tu me acha velha?”, pergunta. 

Nice, magrinha e pequena, de sorriso largo e serelepe, é uma menina de 60 anos. Pertence ao Brasil Real, “dos mais pobres, dos mais escuros, dos mestiços, e é esse povo do Brasil Real que faz a arte popular”, como tratou de definir o escritor Machado de Assis. 

Veralice Moraes Martins é seu nome completo. Mas todo mundo lhe chama pelo carinho, no diminutivo e respeitoso Nice. “Eu tenho uma estrela bonita. Tenho um coração bom, menino”, garante. “Estrela bonita é ser uma pessoa boa”, explica. 

PROTEÇÃO

No amontoado de imagens que deixa sobre uma cômoda no quarto escuro, de meia-parede e uma cama, ela guarda sua fé. “Nossa Senhora da Conceição, Iemanjá, a Preta Velha, um caboclo e Padre Cícero”, nomeia Nice cada uma das réplicas dos santos a quem dedica suas rezas. É sincrética a crença da rainha. “Eu gosto de macumba. Faço pra proteger a gente, o Estrela e os outros maracatus. Eu gosto. Tem gente que num gosta de macumba, mas eu gosto.”

No primeiro dia de Carnaval, Nice toma banho de ervas. “As folhas que eu tenho aqui no quintal. Tem alfavaca, mastruz...” Quando se arruma para o primeiro desfile do Estrela da Tarde, ela veste um colar “virgem”. “Só tiro quando acaba o Carnaval. Esse colar é preparado no Centro (o terreiro de umbanda).” O colar deste ano é dourado, com pedras vermelhas brilhosas. Tal e qual gosta Luziara, a entidade que Nice incorpora. 

“Carnaval é muito bonito, né? É pra a gente se divertir, né?”, ordena a majestade. Uma das tantas mulheres e homens que desfilam pelas passarelas da nossa festa fazendo da folia coisa séria, levando sorrisos e cores às ruas em que quase sempre só existem pressa e frieza. Quarta-Feira de Cinzas, quando a magia do axé do azougue encerrar, Nice sai do seu vestido e volta ao seu reinado solitário. Volta a levar os bois e os cavalos para comer capim e ração, vai limpar a cocheira, cuidar dos dois netos (Sandriele e João Pedro) e arrumar a casa – o seu palácio.

Confira a agenda de apresentações do Maractu Estrela da Tarde de Nazaré da Mata:

Domingo (7) - O Maracatu Estrela da Tarde apresenta-se às 17h, em Itaquitinga, na Zona da Mata Norte.

Segunda (8) - Às 11h, Nazaré da Mata; 15h, Aliança; e 18h, Angélicas (Vicência), na Mata Norte.

Terça (9) - Às 14h, Tracunhaém na Mata Norte; 16h15, Recife (Av. do Forte).

 

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