Se você está lendo este texto, certamente sobreviveu ao Carnaval, brincando nas ruas ou vendo a festa passar na janela. Então, agora que você está relaxado e com tempo para leitura, deixa eu te contar a história dessa ofegante epidemia que se chama Carnaval.
Dizem que ele tem origem nas festas pagãs da Grécia antiga. E se você pensou nas bacanais que marcavam a passagem do inverno para a primavera, acertou em cheio. De alguma maneira essas diversões seriam absorvidas e transformadas pelo Cristianismo.
Como um bom folião, você deve ter reparado que o Carnaval tem um pé na religiosidade. Quando os estandartes dos blocos são recolhidos na Quarta-Feira de Cinzas a bandeira da Quaresma, preparação para a Páscoa, é hasteada pela Igreja.
E é assim mesmo, vinculado à liturgia católica, que o Carnaval chega ao Brasil, trazido pelos portugueses, que aqui se aboletaram desde tempos remotos. Nessa época se brincava o Entrudo, bem diferente do Carnaval de hoje, diz a historiadora e pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Rita de Cássia Barbosa de Araújo.
O Entrudo, para quem não sabe, é a introdução à Quaresma, aquele período de jejum e recolhimento depois da festa da carne. A brincadeira era o velho mela-mela. Haja água e pó para se jogar nas pessoas! “Era uma certa liberalidade permitida numa sociedade escravista”, diz ela.
Nem pense que era todo mundo junto e misturado nessa alegria fugaz. No século 19, quando aparecem os primeiros registros do Carnaval, pobre brincava nas ruas. As famílias abastadas se divertiam com seus pares, em jogos e almoços nas suas casas, relata Rita de Cássia.
Resistência
Enquanto você descansa da farra, fique sabendo que nem tudo são flores nessa história. Em 1822, num desejo de romper com o passado colonial português, Estado, Igreja e imprensa se juntaram para acabar com a festa.
Tentativas não faltaram e a repressão policial comeu solta. Mas quem disse que diversão popular se elimina por edital? “As pessoas resistiram e continuaram a brincar. Carnaval é festa de resistência, cultural e política.”
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Sabia que foi desse estica-puxa que surgiram as famosas máscaras que ainda usamos no Carnaval? Pois é, sem conseguir acabar com o Entrudo Estado, Igreja e imprensa começam a estimular uma brincadeira burguesa, com máscaras encobrindo rostos, carro alegórico, corso e festa de salão. Porém, com rédeas curtas. Nada de tirar onda com a religião católica e com militares.
Nasce aí um Carnaval elegante e civilizado, ao gosto de uma sociedade progressista, explica a historiadora. E separado do Entrudo, que permanecia virado nas ruas, do jeito que o povo gosta. A classe média, que antes brincava em casa, passa a se divertir em clubes. Depois em camarotes. Sempre com seus pares.
Popular e burguês, assim é o Carnaval, uma narrativa que não tem fim, ao contrário desse texto, que precisa terminar. A cada ano, o folião escreve mais um capítulo dessa história com samba, frevo e maracatu, atrás de trio elétrico, bloco e troça ou em festas de clube, desde que o Carnaval durava só três dias de cachaça e de folia. A cultura é dinâmica, ensina Rita de Cássia.