folia de momo

Não basta brincar o Carnaval, tem que aprender o passo e botar o frevo no pé

Escolas ensinam o ritmo mais pernambucano de todos para botar todo mundo para frevar

Valentine Herold
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Publicado em 07/02/2020 às 14:47 | Atualizado em 10/09/2020 às 14:51
Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem
Escolas ensinam o ritmo mais pernambucano de todos para botar todo mundo para frevar - FOTO: Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem
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Era 25 de janeiro, mas poderia ser qualquer outro sábado deste período pré-carnavalesco. Na matemática cadenciada da melodia do frevo, a vontade de sentir a embriaguês da música tomando conta do corpo e acabando no pé é o denominador comum entre qualquer folião. Enquanto as ladeiras de Olinda já eram tomadas pelo fervor dos ensaios das agremiações, a Praça do Hipódromo, na Zona Norte do Recife, acolhia outros foliões, focados em aprender e treinar a mais pernambucana das danças antes da chegada da grande festa. O Sol e o calor eram os mesmos da Cidade Alta, assim como a animação de quem é de fato bom pernambucano e esperou o ano todo para se jogar na brincadeira, mas sem o incentivo do etílico “3 por 10” ou do empurra-empurra para ficar mais perto da orquestra.

Mesmo longe do centro da folia, a vontade de se entregar ao passo e de se preparar para o Carnaval é a mesma entre os alunos das aulas abertas dos Guerreiros do Passo, que se encontram todas as quartas e os sábados das semanas que antecedem os dias de Momo. O grupo, idealizado em 2005 pelo passista Eduardo Araújo, dá continuidade ao legado de Mestre Nascimento do Passo, de quem ele e alguns outros professores foram alunos, seguindo sua metodologia e filosofia de ensino. Tesoura, pontilhado, ponta de pé e calcanhar, chutando de frente, metrô, trocadilho.... Os passos se sucedem e os passistas seguem o ritmo da música.

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As aulas são gratuitas e abertas para qualquer pessoa que deseja dançar, seja iniciante ou não. Crianças, adolescentes, adultos e idosos de todo canto da cidade e das mais diversas profissões dividem, por cerca de três horas, a paixão em comum pelo frevo e pelo Carnaval. Além das aulas na praça, o grupo dos Guerreiros costuma se apresentar nas ruas com um espetáculo em que encarnam foliões típicos da primeira metade do século 20. Um jovem jornaleiro, um feirante, uma lavadeira, um estivador, um capoeirista e até um policial dançam e encantam, assemelhando-se às figuras retratadas pelo fotógrafo franco-baiano Pierre Verger em sua passagem pelo Recife nos anos de 1940. “Em relação ao frevo daquela época, hoje em dia a música é mais acelerada e muitos dos movimentos de então se perderam. Por isso temos o projeto do Laboratório do Passo de pesquisa sobre o frevo de rua das décadas iniciais do século 20. E nosso trabalho de salvaguarda é justamente no corpo do passista, que é onde o frevo deve estar. Vivo, não apenas nos museus”, ressalta a professora Lucélia Albuquerque.

Também discípulo de Nascimento do Passo, o mestre Otávio Bastos desenvolveu um método de ensino do frevo em que as palavras de ordem são pluralidade e liberdade. “A minha ideia nas oficinas de Frevo Cinquentão é que qualquer um possa dançar a partir do corpo que tem e não de uma ideia preconcebida do que seria um corpo ideal de passista. Eu, por exemplo, tenho 1,93 metro de altura, braços longos, então, a forma como eu danço é bem diferente da de uma pessoa com 1,60”, conta. Todo o projeto artístico de Otávio Bastos parte do pressuposto de que o folião pode libertar-se de qualquer amarra que dite como os passos devem ser executados. Por isso, ele fundou, no ano passado, a Trupe Carnavalesca Mascarada Mexe com Tudo, formada por 15 amantes do Carnaval que encontraram no frevo formas de sair da rotina e criar novas identidades. “A ideia é que, em vez de esconder, a máscara revele”, conta o professor. “Porque a gente vai dançar como der vontade e se divertir com isso, Carnaval é feira da carne e da alegria.”

Do folião, com amor

Entre os integrantes do Mexe com Tudo, é possível destacar Lucas Maciel, 30 anos, seguidor dos passos de Otávio na docência do frevo. Ele nasceu no Rio de Janeiro e cresceu na Bahia, mas foi o amor pelo frevo, até mais que a descendência pernambucana por parte de pai, que o trouxe definitivamente ao Recife. “No ano em que se comemorou o centenário do frevo, 2007, eu tinha 18 anos e vim pela primeira vez passar o Carnaval em Pernambuco. Vi Elba cantando, tudo temia, e eu me apaixonei pelo frevo”, conta. A história de vida de Lucas é daquelas que faz qualquer cético mudar de ideia e crer em destino: ele faz aniversário hoje, Dia do Frevo, mudou-se para cá por causa do amor pelo frevo e, em 2018 participou pela primeira do Concurso de Passista. Ficou em segundo lugar. No pique do frevo, caiu como um raio! “Quando danço, sinto que há algo muito maior que eu acontecendo. Algo grande, que me ultrapassa, mas que permite que eu seja eu mesmo.”

Paixões

São muitas as histórias apaixonadas de foliãs e foliões pelo Carnaval. A de Sérgio Andrade e Roberta Tiago é uma delas, em que a paixão pelo frevo se encontrou com amor romântico desde 1984, quando começaram a namorar. Em pleno Carnaval. Ambos olindenses, se casaram e tiveram quatro filhos. Ao longo de mais 30 anos continuaram foliões dedicados. Em 2011, celebraram os 25 anos de casados, em pleno sábado de Zé Pereira, na Cidade Alta, onde moram até hoje. Ele, vestido de Homem da Meia Noite, e ela, de noiva carnavalesca. Um amor regado a confetes e serpentinas, como cantam no Hino do Elefante, bloco de coração do casal. É só aqui em Pernambuco que tem, só aqui que há esses rios de passos, essas chuvas tão coloridas de sombrinhas e essa relação tão intensa e apaixonada com o Carnaval. Evoé!

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