Violência

''Executaram meu neto", diz avó de jovem morto em ação policial

Esdras foi atingido por dois tiros na cabeça. Família diz que vai lutar para que PMs sejam presos e percam a farda

Ciara Carvalho
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Ciara Carvalho
Publicado em 20/06/2017 às 7:17
Felipe Ribeiro/JC Imagem
Esdras foi atingido por dois tiros na cabeça. Família diz que vai lutar para que PMs sejam presos e percam a farda - FOTO: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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- Tenente, o cara desceu e não subiu mais.

Severina ouviu a frase e sentiu a pancada no coração.

– É Esdras. Mataram o meu neto.

Coração de vó, ela pensou, não se engana.


Estava em casa quando ouviu a rajada de tiros. Achou que fossem fogos de São João. Viu a correria, era a Polícia Militar que havia entrado na comunidade. Severina soube depois que os policiais estavam à procura de suspeitos de matar um PM dias antes. Contaram para ela que o neto Esdras Henrique Silva Teles, 19 anos, estava conversando com uns amigos quando os PMs chegaram. Todos correram. “Eles já vieram atirando. Não teve nada de troca de tiros. Pegaram o meu neto, bateram nele para que ele contasse onde estava escondido o rapaz que estavam procurando. Mandaram ele pular na maré. Mas ele não sabia nadar. Ficou agarrado nas estacas. O policial foi e deu dois tiros na cabeça dele.”

Esdras morava com a avó, Severina Maria dos Santos, 62, na Comunidade do Bode, no Pina, Zona Sul do Recife. Ela estava procurando o rapaz, quando ouviu o diálogo entre os PMs. “Ali eu senti. Executaram o meu neto. Sem ele ter feito nada.” No quarto onde o jovem dormia, Severina diz, com voz firme, não ter medo. “Se tiver a justiça dos homens, esses PMs vão ser presos. Perder a farda. A gente não vai deixar a morte de um jovem inocente de graça. Somos pobres, mas vamos procurar nossos direitos.”

Severina conta que Esdras atualmente trabalhava vendendo salgados, nas ruas de Boa Viagem. “Ele queria ser empresário, comprar um carro e vender bolos e salgados no carro. Era o sonho dele.” Em 2014, o jovem fez cursos com o objetivo de ingressar no mercado de trabalho. A avó conta que a única preocupação que tinha era pelo fato de o jovem fumar maconha. “Ele usava, mas nunca agiu com desrespeito dentro de casa. Nunca se envolveu em roubo, nada disso. Eu conversava, ele dizia que estava tentando parar. Era um menino calmo, a comunidade toda gostava dele.”

Ontem, à tarde, a família de Esdras prestou depoimento na Delegacia de Boa Viagem. A avó, o pai e a mãe do jovem saíram confiantes. “Dissemos a verdade. Eles executaram meu neto, com raiva porque o policial tinha sido morto. Mas o que a gente tem a ver com isso?”, questionou a avó. A Polícia Civil informou que, para preservar as investigações, só irá se pronunciar quando os fatos forem esclarecidos.

A morte do jovem repercutiu ontem na Câmara do Recife. O vereador Ivan Moraes Filho (PSOL) cobrou na tribuna a investigação do caso e disse que a sua assessoria vai procurar a comunidade para oferecer o apoio necessário. “Não é a primeira nem a última vez que um jovem da periferia é morto em ação policial. A impunidade não pode mais ser aceita.” O vereador afirmou que tanto a investigação da morte de Esdras quanto a do sargento Ricardo Sales dos Santos, assassinado em Olinda, durante uma ação contra traficantes, precisam ser esclarecidas, dentro da legalidade.

MAIS UMA MORTE

Dois dias após a morte de Esdras, ocorrida na última quinta-feira, policiais militares foram acusados de matar outro morador da Comunidade do Bode. O pedreiro Ramon Gonçalves Cavalcante, 30, acabou morto a tiros durante uma ação policial, na manhã do sábado. Os moradores contam que os PMs atiraram sem que houvesse qualquer reação da vítima. “Ele era um trabalhador. Estava sentado, esperando o ajudante para ir trabalhar. A viatura passou, os policiais desceram e atiraram nele. Temos medo da polícia. Ela virou pior do que o bandido”, declarou a empregada doméstica Rute Maria de Oliveira, 50, vizinha da vítima.

Revoltada, a comunidade fez, ontem à noite, um novo protesto na Avenida Domingos Ferreira, em Boa Viagem, queimando pneus e interrompendo o trânsito. Foi a segunda manifestação. Na noite do sábado, os moradores também interditaram a avenida para cobrar justiça e o fim da impunidade.

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