Há quase 10 anos, Luciano Miguel da Silva, 42 anos, chegou ao Hospital Psiquiátrico de Pernambuco (HPP), que funcionava em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, e teve as atividades encerradas em 2011, ano em que ele e outros pacientes foram para uma residência terapêutica que hoje está na Imbiribeira, Zona Sul da cidade. Essa passagem marcou simbolicamente a ruptura com o falido modelo manicomial, em que os pacientes eram mantidos amarrados e recebiam tratamento considerado desumano e ineficaz.
Neste Dia Nacional da Luta Antimanicomial (marcado pela valorização da política de redução dos leitos psiquiátricos e investimento na ressocialização das pessoas com transtornos psiquiátricos), profissionais de saúde e pacientes questionam a qualidade de atendimento centrado na internação e defendem a ampliação da rede extra-hospitalar, longe de um ambiente isolado e segregador.
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“Não restam dúvidas de que o caminho é o da reforma psiquiátrica. Sinto pelo o que os pacientes perderam com o internamento. Vi a situação de calamidade dos hospitais, onde eles passavam fome e não tinham o que vestir. Agora, nas residências terapêuticas, vejo avanço. Há aqueles que ninguém acreditava que poderiam sair sozinhos. Hoje, passeiam, vão comprar pão e fazem caminhadas”, diz a psicóloga Emanuella Martins, técnica de referência das residências terapêuticas da Imbiribeira e do Bongi, Zona Oeste do Recife.
Atualmente Pernambuco possui 95 casas desse tipo e que comportam 760 pessoas. Elas e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) funcionam como estratégias de reinserção social e reintrodução das pessoas que vivem com transtorno mental à sociedade. Na residência terapêutica da Imbiribeira, são sete pacientes sob o olhar de Emanuella e quatro cuidadoras (eles se revezam em plantões). Eles seguem um programa terapêutico singular. “Não há um padrão. É um modelo diferente do hospital psiquiátrico, onde as pessoas eram depositadas e ficavam vegetando. Agora a gente constrói a história de vida de cada um e possibilita o desenvolvimento da autonomia”, destaca a psicóloga. Ela reconhece que, mesmo em casas terapêuticas ou CAPs, há pacientes que vão precisar de internamento, que não é mais de longa permanência. “O olhar é diferente do modelo manicomial. Prezamos pelo diálogo e acolhimento junto à família (quando possível)”, ressalta.
A psicóloga recorda que, em 2011, quando a residência terapêutica que hoje funciona na Imbiribeira foi criada, os pacientes tinham mais de cinco anos de internamento no HPP e na Clínica Psiquiatria Santo Antônio, que funcionava na Madalena, Zona Oeste do Recife. Ela recorda que, naquela época, muitos dos que hoje têm autonomia, cuidam do próprio dinheiro e fazem planos de retomar os estudos, apresentavam quadros delirantes, eram agitados, não sabiam comer com talheres nem tomar banho.
LEITOS
Desde 2008, Pernambuco descredenciou 1.982 leitos em hospitais psiquiátricos. Atualmente, são 715 leitos (370 disponíveis para internação e os demais ainda são de longa permanência). “A redução progressiva de leitos psiquiátricos e reinserção social ocorrem paralelamente à reintrodução do paciente à família ou a residências terapêuticas. O tratamento asilar vem sendo substituído pela expansão dos CAPs, pela inclusão de ações de saúde mental na Atenção Primária, como na Estratégia Saúde da Família, nos serviços de urgência e emergência, e pelo credenciamento de leitos integrais nos hospitais gerais para casos em que a internação se faça necessária”, destaca o gerente de Atenção à Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde, João Marcelo Ferreira.