Saúde pública

Ministro diz que 'médico tem de parar de fingir que trabalha'

Ministério da Saúde vai usar biometria para controlar a jornada de trabalho de médicos da rede pública.

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Publicado em 14/07/2017 às 8:18
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Ministério da Saúde vai usar biometria para controlar a jornada de trabalho de médicos da rede pública. - FOTO: Foto: reprodução/Facebook
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O Ministério da Saúde vai usar a biometria para controlar a jornada de trabalho dos médicos que atuam na rede pública. A ideia é adotar o sistema em todas as unidades básicas de saúde para acompanhar horas trabalhadas e, simultaneamente, criar um controle de produtividade, com metas de atendimento. "Vamos parar de fingir que a gente paga médicos, e o médico parar de fingir que trabalha. Isso não está ajudando a saúde do Brasil", disse o ministro Ricardo Barros no lançamento do programa, em que estava o presidente Michel Temer.

As metas de produtividade ainda estão discussão. O plano inicial é estabelecer critérios de acordo com a atividade. Consultas, por exemplo, deverão obedecer ao padrão recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e ter, no mínimo, 15 minutos de duração. Os critérios adotados de forma conjunta têm como objetivo evitar, por exemplo, que o profissional apresse o atendimento para ir embora mais cedo, informou Barros. "Um médico que tem quatro horas de jornada, por exemplo. Ele pode dedicar cinco minutos para cada paciente e ir embora. Temos de ter uma média de desempenho." Aqueles que não cumprirem a jornada de trabalho estarão sujeitos a processo administrativo.

A biometria integra uma das políticas ditas por Barros como prioritárias de sua gestão: a informatização do SUS. Para tentar acelerar esse processo, a pasta deverá arcar com 50% dos gastos de prefeituras com a contratação de empresas de informática. A meta é de que todas as unidades básicas estejam informatizadas até o fim do ano.

O Ministério da Saúde não soube informar quantos serviços contam atualmente com biometria. Experiências foram relatadas em Goiânia, Maceió e na cidade paranaense de Pinhais. De acordo com Barros, onde o sistema já está em funcionamento metade dos médicos pede demissão. "Eles têm vários trabalhos e acabam abandonando o serviço quando há maior controle da jornada", disse. De acordo com Barros, a média de comparecimento de médicos identificada até o momento é de 30%. "Isso vai mudar com a biometria."

Ele disse ainda que a jornada de trabalho desrespeitada acaba criando uma sobrecarga de demanda em hospitais. "Lá o paciente sabe que vai encontrar médico." Ele admitiu, no entanto, que a simples adoção da biometria não será suficiente para reduzir vazios assistenciais. Assim que profissionais começarem a pedir demissão para fugir de maior controle, prefeituras terão de ofertar salários mais atraentes - isso explicaria a frase: "a gente finge que paga".

Reação. O Conselho Federal de Medicina (CFM) classificou as declarações como pejorativas, inadequadas e reflexo da incapacidade de autoridades em responder às necessidades da população. A Federação Médica Brasileira atribuiu as críticas ao "desespero de tentar salvar um governo afundado em denúncias de corrupção".

A Associação Médica Brasileira (AMB) cobrou retratação e disse que o "ministro mostra absoluta falta de conhecimento sobre funcionamento e entraves do sistema". Na mesma linha, Lavínio Nilton Camarim, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), destacou que no interior "profissionais têm tido a tolerância de ficar até quatro meses sem remuneração" e o governo tenta passar para os médicos "a responsabilidade de um mau atendimento".

Para o presidente do CFM, Carlos Vital, as afirmações de Barros são lastimáveis. "Não é justo com a classe médica."

Vital disse não ser contrário à adoção da biometria, mas observou que a medida, se de fato implementada, deveria valer para todos os funcionários. Já a opinião sobre as metas de produtividade, no entanto, não é a mesma. "Profissionais têm responsabilidade. Eles sabem exatamente o que tem de ser feito, não se arriscam de forma a colocar em risco o paciente.

"Nem cinco minutos"

A espera por atendimento médico é muito longa, mas as consultas são rápidas demais, diz a dona de casa Rafaela Raíssa Rodrigues, de 23 anos. A queixa é comum entre pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). "Tive uma celulite infecciosa na perna e demorei meses para conseguir ser atendida. Quando consegui passar no médico, ele mal me examinou, não quis saber o que eu estava sentindo. Não fiquei cinco minutos dentro do consultório", diz ela, da capital paulista.

De acordo com a jovem, a rapidez no atendimento impossibilita o paciente de relatar o que está sentindo e também de entender o diagnóstico. "Já fui em médicos que não faziam questão de ser claros sobre o problema de saúde que eu ou meus filhos tínhamos", disse Rafaela, que tem três filhos.

Já o aposentado Alberto Antônio da Costa, de 83 anos, também disse já ter sido atendido em consultas que duraram menos de 10 minutos. "Entendo que nos hospitais públicos são muitos os pacientes e poucos médicos, mas o paciente precisa receber atenção", afirmou o idoso.

Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde da capital paulista informou que nas unidades de administração direta o controle de presença dos funcionários é realizado manualmente e cabe às chefias imediatas. Já em unidades geridas por Organizações Sociais (OSs), o controle é realizado pela própria instituição - algumas delas já usam a biometria. Todas as unidades de saúde, diz a secretaria, computam as presenças dos médicos para realização do Índice Diário de Médicos (IDM), enviado diariamente à pasta.

"As agendas das consultas são configuradas para um atendimento a cada 15 minutos, porém o tempo efetivo de cada uma pode variar de acordo com cada caso", complementou a secretaria.

Setor privado

Na opinião de pacientes, em muitos casos, o atendimento feito por médicos de planos de saúde também deixa a desejar. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), atualmente há 47,6 milhões de usuários de planos no País.

Segundo Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o setor privado também tem problemas, mas os contextos são diferentes.

"No setor público prevalece o vínculo assalariado e, no setor privado, o pagamento é por procedimento. É outra modalidade, não dá nem para comparar", avalia o professor.

"Existe um crescimento do mercado de planos de saúde de menor preço, com uma rede de médicos credenciada muito reduzida. Os planos pagam mal e isso se reflete em queda na qualidade de atendimento", acrescenta Scheffer.

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