Os olhos do diretor Antônio Cadengue atentam a cada passo, marcação, gesto e fala do trio de atores Marcelino Dias, Carlos Lira e Roberto Brandão. Em uma das salas do Sesc Piedade, o grupo ensaia o espetáculo Vestígios, que o Jornal do Commercio acompanhou, no último sábado (28). As luzes e o cenário ainda são provisórios; o figurino está sendo usado pela primeira vez. A montagem estreia no próximo dia 11, no Teatro Barreto Júnior. Marcelino e Carlos interpretam dois agentes de uma “polícia especial” que torturam o jovem professor universitário, vivido por Roberto.
Marcelo está preso, e vive o peso da tortura a quatro paredes. Dois policias o pressionam para que diga algo que nem ele mesmo sabe o que é. Eles querem os nomes dos responsáveis pelo assassinato. Um entremear de cenas, cujo cenário são meados da década de 1990, vinte anos após o início da ditadura militar.
O texto, escrito pelo dramaturgo paulista Aimar Labaki, só foi montado uma vez, em 2005, sob direção de Roberto Alvin, no Rio de Janeiro. A obra é construída a partir dos fragmentos de violência e abuso de poder que marcam a história do Brasil, desde a época da ditadura militar e o Estado Novo, e se fazem presentes até hoje. Sob um permanente clima de suspense e forte tom violento, o enredo desperta a sensação de tortura além do corpo, mas, principalmente, psicológica e sentimental. O discurso parte da premissa que todos são vítimas de tortura do outro ou de si. Maridos, mulheres, pais, filhos e até a polícia, todo mundo é autoritário.
ENSAIO
É sábado à tarde. Lira, Marcelino e Roberto passam as cenas e os textos, acompanhados do assistente de produção Elias Vilar. Eles esperam a chegada de Cadengue. O diretor está dando aula à turma do curso regular de teatro do Sesc. Às 16h, ele se junta aos atores. Desde fevereiro tem sido assim para a equipe: leituras, laboratórios, pesquisas e ensaios. A escolha do texto de Labaki surgiu a partir do pedido de Carlos Lira, também produtor da peça. Foram lidos cerca de seis roteiros, alguns do próprio autor, até chegar à escolha final.
“Queríamos um roteiro que se adequasse a uma equipe pequena, e que não houvesse problemas burocráticos quanto à questão dos direitos autorais, como acontece com os textos de Nelson Rodrigues, por exemplo”, explica Cadengue. É a primeira vez que o diretor trabalha com texto de Aimar Labaki, com quem organizou o livro A esfinge investigada, sobre a obra de Nelson Rodrigues, em 2007.
Entre o grupo de veteranos, ganha dimensão o ator Roberto Brandão. Aos 23 anos, o rapaz se mostra pronto para enfrentar o primeiro papel de peso na sua carreira no teatro. A interpretação que dá ao sofrimento do professor Marcelo prende a atenção de quem o assiste e conquista o espectador pela veracidade das expressões e marcas. Atento às cenas, entre uma sinalização e outra de blecaute e entrada da trilha sonora, o diretor conversa com o ator, mostrando caminhos mais fáceis para agilizar a troca de figurino, ou do posicionamento na passagem, por exemplo.
O ator é quem mais se distancia, em questão de idade, da época de grande repressão da história. “Todo mundo me ajudou na pesquisa: Lira, Marcelino, Cadengue. Conversei também com minha avó e meu tio – que é formado em história”, explica Beto, como é chamado entre os colegas – que durante as torturas em cena chega à nudez. ‘É uma peça que tem clima de pesadelo, com repetições.”
O cenário da peça foi criado por Doris Rollemberg. A estrutura é como uma caixa cênica, com blocos espelhados. No chão, uma encanação acumula uma espécie de mistura de sangue coalhado e água. A trilha sonora é erguida em cima de ruídos e sons, assinada por Eli-Eri Moura. A iluminação é de Luciana Raposo; e a preparação corporal, de Paulo Henrique Ferreira. Rudimar Constâncio é o assistente de direção.
Depois do Recife, o grupo petende levar a montagem ao festival de teatro de Vitória, no Espírito Santo, podendo circular pelo País.
Leia a matéria completa no Caderno C desta quarta-feira (1º).