Crítica

"As confrarias": teatro meticuloso e texto ácido

Antonio Cadengue repete a dose teatral da premiada "Senhora dos Afogados" na segua montagem da trilogia da Cia. Seraphim

Mateus Araújo
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Mateus Araújo
Publicado em 14/06/2013 às 6:19
Hans Von Manteuffel / divulgação
FOTO: Hans Von Manteuffel / divulgação
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A Companhia Teatro de Seraphim está em cartaz no Barreto Júnior com o espetáculo As confrarias, até o final deste mês, com um roteiro inédito de Jorge Andrade. A montagem do encenador Antonio Cadengue repete a dose de uma encenação que bebe da fonte do classicismo e do hermetismo, contaminados de estranhamento, para dar continuidade a um estilo que já é marca registrada do diretor e a uma trilogia que começou com Senhora dos Afogados, em 1993. 

A dramaturgia se concentra na saga de Marta, que mendiga porta a porta nas igrejas das Confrarias Católicas um lugar para enterrar o corpo do filho e recebe vários nãos. A história se passa no século 19, e a narrativa segue dois planos de tempo: um no presente e outro no passado – que ilustra a narrativa da protagonista sobre a vida do defunto. Essa estrutura dramatúrgica é bem resolvida pela divisão da personagem Marta em duas atrizes: Lúcia Machado e Nilza Lisboa.

O texto de Jorge Andrade é essencialmente crítico à hipocrisia católica apostólica romana daquela época até hoje. Antonio Cadengue incorporou a isso um olhar sensual, para também chamar atenção às questões homoeróticas e de liberdade sexual. Inspirado nas fotografias do norte-americano Mapplethorpe, o diretor introduziu em cena a figura de um anjo negro, interpretado por Gilson Paz. O fragmento usado com base nas ideias de estranhamento de Brecht, embora desperte para as possibilidades de intertextualidade e discussão sobre o corpo e as permissões, por vezes soa desnecessário, como também incomoda pelo excesso de nudez (o mesmo que aconteceu na peça Vestígios, dirigida por Cadengue, no ano passado). Gilson precisa melhorar os movimentos do corpo, ainda desequilibrados.

Hans Von Manteuffel / divulgação
Texto foi escrito por Jorge Andrade em 1969 e pela primeira vez é montado no Brasil - Hans Von Manteuffel / divulgação
Hans Von Manteuffel / divulgação
Texto foi escrito por Jorge Andrade em 1969 e pela primeira vez é montado no Brasil - Hans Von Manteuffel / divulgação
Hans Von Manteuffel / divulgação
Texto foi escrito por Jorge Andrade em 1969 e pela primeira vez é montado no Brasil - Hans Von Manteuffel / divulgação
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Texto foi escrito por Jorge Andrade em 1969 e pela primeira vez é montado no Brasil - Hans Von Manteuffel / divulgação
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Texto foi escrito por Jorge Andrade em 1969 e pela primeira vez é montado no Brasil - Hans Von Manteuffel / divulgação
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Texto foi escrito por Jorge Andrade em 1969 e pela primeira vez é montado no Brasil - Hans Von Manteuffel / divulgação
Hans Von Manteuffel / divulgação
Texto foi escrito por Jorge Andrade em 1969 e pela primeira vez é montado no Brasil - Hans Von Manteuffel / divulgação
Hans Von Manteuffel / divulgação
Texto foi escrito por Jorge Andrade em 1969 e pela primeira vez é montado no Brasil - Hans Von Manteuffel / divulgação

 

No palco estão 14 atores, uma característica forte de Cadengue, que também resgata uma marcação coreografada e postura ereta – uma pinçada da versão da companhia para Senhora dos Afogados. O elenco é heterogêneo. Os destaques caem sobre Lúcia Machado, que embora com momentos de tons de voz baixo, afinada ao seu papel, segue uma interpretação erguida em frases de efeitos e revolta, se sobressaindo à emoção de uma mãe que acabou de perder o filho; e a dupla Rudimar Constâncio e Marcelino Dias. Eles criaram acertadamente os papeis de padres que se destacam na montagem – e isso se deve, sobretudo, à voz e às expressões cênicas. 

Há uma parte do elenco mais jovem, de iniciantes ou novos atores. Mauro Monezi, que tem experiência em comédia e stand up, cumpre seu papel com competência. Em meio aos atores mais velhos, ele se reveza nas figuras de tesoureiro da Ordem Terceira do Carmo e provedor da Ordem Terceira das Mercês. O casal Roberto Brandão (que faz o filho morto, José) e Brenda Lígia (Quitéria, bela crioula, amante do rapaz) erra a mão nas cenas sexo. A marcação dos movimentos, que esteve visivelmente apressada, não convence. 

O figurino da peça, assinado por Aníbal Santiago e Manuel Carlos, traz elementos pomposos. Há roupas aveludadas, nas Ordens; e trajes simples entre o núcleo mais pobre, com uma fuga apenas para o toque contemporâneo do tênis all star vermelho calçado por José. A cenografia é de Doris Rollemberg, fundamental para o efeito plástico da encenação, com portas que mudam de lado e fazem, por exemplo, da cena em que Marta carrega o corpo do filho um belo momento. A iluminação de Saulo Uchôa e Dado Sodi ainda precisa ser acertada, parece perdida. A trilha sonora, de Eli-Eri Moura, por outro lado, traz carga sentimental acertada à peça.

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