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Cadengue de volta a Nelson Rodrigues

Dentro da programação do Palco Giratório, diretor estreia hoje Doroteia: sexo, amor e morte no mesmo texto

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 28/05/2014 às 19:05
Larysa Moura / Divulgação
Dentro da programação do Palco Giratório, diretor estreia hoje Doroteia: sexo, amor e morte no mesmo texto - FOTO: Larysa Moura / Divulgação
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É como caldinho e cachaça, queijo com goiabada ou protesto nesta Copa do Mundo no Brasil. Quando Antônio Cadengue se apropria de um texto de Nelson Rodrigues, estamos provavelmente diante de um clássico. Desde sua encenação universalista, e predominantemente elisabetana, de Senhora dos afogados, em 1993, o diretor pernambucano entrou para a história da crítica brasileira como responsável por uma das montagens antológicas do autor que instituiu a dramaturgia contemporânea no País. Agora, Cadengue volta a se ocupar com Rodrigues.
Hoje, dentro da programação do festival Palco Giratório, do Sesc, acontece a pré-estreia de Doroteia, espetáculo que tem mais uma sessão amanhã e cumpre breve temporada no mês de junho, no Teatro Barreto Júnior, no Pina. Para Cadengue, Nelson é “teatro em estado puro e intensa musicalidade”. “No Brasil, devia-se revisitá-lo sempre, tal qual faz o Reino Unido com as peças de Shakespeare. Cada geração, ou cada época, deita seu olhar para arrancar dela o que diz respeito à sua própria contemporaneidade.”
Uma das tragédias declaradamente “desagradáveis” de Nelson Rodrigues, Doroteia traz um triângulo temático caro à dramaturgia do pernambucano: amor, sexo e morte, com a preponderância da morte sobre os impulsos vitais. O texto trata de uma mulher com o defeito da beleza em busca de redenção. Quer recusar ao próprio desejo, depois da morte de um filho, para se tornar como as mulheres de sua família – prenhe da náusea primordial que toda fêmea deve sentir diante de um homem.
Isso é, como tudo em Nelson, motivo para risos nervosos, nunca indulgentes. “(...) A peça para rir, com essa destinação específica, é tão obscena e idiota como o seria uma missa cômica”, escreveu Nelson Rodrigues, no seu livro de memórias A menina sem estrelas, sobre sua própria relação com o riso e do riso com o teatro. O texto é usado no programa que justifica a montagem da Cia. de Teatro de Seraphim.
Com Roberto Brandão no papel-título, o elenco é exclusivamente masculino. “Inicialmente, eu gostaria de trabalhar com três atores e três atrizes”, conta Cadengue. “Mas no momento em que comecei os trabalhos de ensaio, elas estavam comprometidas com outras atribulações cotidianas. E aí me pareceu desafiante trabalhar com homens para por em crise, de alguma forma, o ‘masculino’”.
De elenco formado por homens nos papeis femininos, Doroteia não conta com personagens masculinos na família mononuclear do texto. Metaforicamente, um jarro de prostíbulo persegue, como um homem sugerido, Doroteia a lembrar-lhe de sua condição “desejante e desejável” de mulher. Como na tragédia grega, um fato determina a maldição. A bisavó da linhagem se apaixona por um homem e se casa com outro. Daí, “a náusea” que impede todas as mulheres de verem homens.
Doroteia se passa numa casa cheia de salas, mas sem quartos, “para que não se possa dormir, nem sonhar”. Na casa, estão três primas viúvas: Carmelita, Maura e Dona Flávia. Também ali mora a fiha natimorta de Flávia, Das Dores, incosciente de sua condição. Mulheres em eterna vigilância, em confiltos com volúpias secretas e inomináveis. Há ainda a personagem de D. Assunta da Abadia, que traz seu filho Eusébio da Abadia para casar-se com Das Dores. Mas Eusébio é apenas um par de botinas. E o Jarro, que persegue Doroteia, uma mulher que se veste de vermelho, em contraste com o negro opaco das outras, que vem ser aceita pela família após a morte do filho.
São, como na tragédia, arquétipos. “Diz Carla Souto no seu livro bem instigante, Nelson Rodrigues, o inferno de todos nós, que existe uma variada gama de possibilidades nestas personagens que correspondem aos mitos”, explica Cadengue. “D. Flávia poderia ser uma espécie de Ulisses, ardilosa, vencendo toda a família pela sedução das palavras. Também ela mesma, reserva-se o direito de experimentar o que é proibido a outras, inclusive a da maternidade. Na personagem Doroteia, pode-se ver a figura de Narciso”, exemplifica o diretor.
Doroteia. Rua Estudante Jeremias Bastos, s/n, Pina. Maio: 29, 30 e 31. Junho: 1, 5, 6, 7, 8, 13, 14. Sempre às 20h. Ingressos: R$ 14 (inteira) e R$ 7 (meia), para as apresentações de hoje e amanhã. 1h15m. Faixa etária: 16 anos.

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