ENTREVISTA

Cláudia Raia: "Fazer teatro continua um ato heróico"

Atriz apresenta em abril o musical 'Raia 30', no qual repassa sua trajetória artística

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 28/03/2016 às 8:10
Foto: Paschoal Rodriguez/ Divulgação
Atriz apresenta em abril o musical 'Raia 30', no qual repassa sua trajetória artística - FOTO: Foto: Paschoal Rodriguez/ Divulgação
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Do Tonhão da TV Pirata que fez a TV brasileira avançar alguns milhares de quilômetros em sua escala evolutiva nos anos 1980 aos papéis principais de versões brasucas de clássicos da Broadway como Cabaret e Crazy for You, a paulistana Claudia Raia fez de seu nome um verbete na história do showbiz brasileiro. Prestes a completar 50 anos e vigorosa como nunca, mira agora na própria carreira. Sob a direção do amigo Miguel Falabella, ela traz ao Recife Raia 30, em que revisita sua trajetória. 

JORNAL DO COMMERCIO – Revendo sua carreira, agora, você constata de alguma forma que virou referência de si própria?

CLAUDIA RAIA – A referência não está em mim própria. Nem me acho tão genial assim, eu prefiro buscar essas referências nos elementos que são o coração da construção da minha carreira: o Lennie Dale, o Dzi Croquetes, a Broadway e o teatro brasileiro de revistas... Foi isso que me inspirou a ter a carreira que eu tenho hoje, e trajetória que eu tenho. Com eles, comecei a perceber que queria fazer parte daquilo, daquela gente, daquele estilo, que não era só dançar, embora a dança tenha isso de ser meu oxigênio. Isso foi abrindo o leque para eu ser o que chamam de “artista completa”.

JC – Como foi essa história de você, aos sete anos, ter decidido se apresentar (ao bailarino) Lennie Dale?

CLAUDIA – Eu o via na TV, no JC Nacional, no Fantástico. Estava no Dzi Croquetes, fazia os musicais das grandes estrelas da música na época, ele tinha muito essa coisa da performance, foi o mentor da Elis, da Liza Minelli, da Betty Faria... Quando coreografou o filme New York, New York, eu pensei, ‘Gente, eu danço igual a ele’”. Aí, eu soube que ele estava no Teatro Brigadeiro, em São Paulo, com o Dzi... Eu enlouqueci a minha mãe, capricorniana insana que eu sou. Era de tarde, e ele estava ensaiando, sozinho, obsessivo. Uma parte da minha obsessão com ensaios vem dele. Quando o vi, fiquei embasbacada, olhando para ele, só de sunga, quase pelado, de uma leveza absurda, dançando um mambo, ainda com a purpurina da noite anterior (Lennie estava em temporada paulistana com o grupo Dzi Croquetes). Olhei pra ele, e disse: ‘Eu tenho sete anos e danço igual a você!’. E ele me mandou dançar. Dancei o mambo. Eu reproduzo essa cena no musical...

JC – O musical segue a ordem cronológica dos fatos na sua vida?

CLAUDIA – Ele vai e volta, como se fossem flashes da minha memória, contando minha própria história. Mas abro o espetáculo com essa cena. Eu e o Lennie ficamos íntimos, amigos. Ele me colocou em cima do canhão de luz pra assistir ao espetáculo, coberta por um pano preto. Se a censura pegasse uma criança ali, seria um horror. E nós viramos unha e carne. Ele me chamava de “Lennie Dale de saias”. Ele coreografava e não conseguia repetir. Como eu tinha uma memória de elefante, então eu dançava e ele mandava me filmar pra ter a coreografia. Foi assim que ele gravou a coreografia para o New York, New York, com a Liza Minelli...

JC – Você, então, foi a referência para a Liza Minelli fazer o New York...

CLAUDIA – (Risos) Aquilo foi gravado numa fita de VHS, nem tenho mais. Aliás, ninguém se preocupava em guardar nada naquela época. Quando ela veio para cá, eu tava fazendo o Cabaret e fui fazer uma matéria com ela, como repórter, pro programa da Ana Maria Braga. Eu contei para ela que eu era a menininha da fita com a coreografia de Lennie e ela ficou completamente enlouquecida (risos).

JC – O seu teatro musical está mais para Broadway ou para a revista brasileira?

CLAUDIA – É um híbrido, sou brasileira, minha referência é o teatro de revista. Mas sou uma junção, o que faz um estilo diferente, não quero fazer algo nem tão brasileiro, nem tão americano, é fazer o conteúdo americano, eu sou uma comediante, o riso é do brasileiro, eu tenho que adaptar pro meu jeito. É outro tipo de humor, a gente não acha graça, e eu, no fundo, sou uma palhaça.

JC – Você vai fazer 50 anos de idade. Esperava estar exatamente onde está com essa idade?

CLAUDIA – Não projetei isso. Você sabe que meu marido, quando me conheceu profissionalmente, pensou: “Essa mulher é muito inteligente, uma estrategista, com uma carreira bem construída num país sem muita estrutura pras longas carreiras. Aí, quando me conheceu melhor, pensou: “Meu Deus, ela é louca. Não teve estratégia nenhuma”. Foi, na verdade, muito amor, muita obsessão pelo trabalho, pelas coisas que eu quero. Levantar projetos bonitos, coisas que ficam martelando na minha cabeça. A montagem de Crazy for You, por exemplo, ficou martelando mais de 20 anos na minha cabeça até eu conseguir. Olho pra minha vida e a vejo como resultado de uma mulher de teatro, que lutou muito pra chegar aonde quis. Eu comecei a fazer teatro musical pulando o fio do microfone. Era assim naquela época (risos).

JC – Dentro da diversidade, nenhum estilo de teatro hoje no Brasil movimenta tanto dinheiro e público no Brasil. O musical veio para ficar?

CLAUDIA – Quando eu comecei, ninguém cantava. Eu parava as pessoas na rua e perguntava se elas sabiam cantar Parabéns pra Você e chamava elas pra cantar no meu show. Evoluímos muito, o teatro musical brasileiro hoje é um grandioso entretenimento, com espetáculos grandes, performances lindas. Vi o Weeked no Brasil, uma montagem muito bonita, muito fiel, muito bacana ter isso aqui. Os musicais com os grandes nomes da MPB são incríveis, ao contar a vida desses ídolos que já morreram. É emocionante ver tudo isso virar musical. E ao mesmo tempo dar oportunidade ao público de ver aqui o que a Broadway faz há 50 anos na nossa frente. Hoje, temos compositores capazes de escrever canções incríveis para musicais. Fazer teatro continua um ato heróico, mas tudo isso veio pra ficar e só vai crescer.

JC – Mesmo com tanto sucesso?

CLAUDIA – Entra governo e sai governo e só dificulta, há um posicionamento que não é engajado. As empresas só estão interessadas na isenção fiscal da Lei Rouanet e não em apoiar um projeto em si. Dá um pouco de desespero na gente. Não tive condições de fazer as oito ou dez capitais que eu queria. Viu fazer apenas cinco pontos do Brasil, quero celebrar com o público que me elegeu a história de uma menina que lutou pra ser isso, a historia de uma menina que lutou horrores pra chegar aonde chegou no seu teatro.

JC – Se foi preciso reduzir a quantidade de cidades, deve ter havido alguma razão especial para manter Recife...

CLAUDIA – Pernambuco é uma coisa meio fora do padrão. A plateia é educada, culta, inteligente e bem humorada, sem falar que aqui tem teatros maravilhosos. Eu amo o Teatro Guararapes, já me apresentei muito ali.

JC – A peça é como um patchwork de seus espetáculos anteriores?

CLAUDIA – Não!! Acho isso horrível, um caça níquel, eu odeio! Tem, claro, as referências, tem uma música do Chorus Line, uma do Cabaré, mas totalmente revisitado, totalmente diferente. É como se eu tivesse com 30 anos de carreira mostrando meu olhar para quando eu começava. Não tenho grande pretensão. É um grande entretenimento de uma hora e 40 sem intervalos. Pra mim, é muito emocionante, me deparar todos os dias com minha história, olhando pra minha mãe e pra figuras importantes da minha vida, como o Walter Clark que era o produtor do primeiro musical. Isso, de uma maneira alegríssima, celebrativa. Miguel Falabella (o diretor) me conhece muito, é meu irmão, e conseguiu traduzir de maneira muito elegante a história, porque eu sou essa palhaça, essa macaca (risos).

JC – Você já trabalhou com o ator e diretor Claudio Botelho. O que achou da polêmica envolvendo ele e Chico Buarque quando ele defendeu o impeachment da presidente Dilma em cena?

CLAUDIA – Acho que, se estamos numa democracia, ele tem o direito de colocar um caco e talvez ouvir o que ele não queira. Muita gente é favor do Lula, e uma pessoa que vai assistir um musical sobre o Chico, imagina-se que se tem uma afinidade com a linha desse governo. Lamento que isso tenha acontecido com o Claudio. Nessa corrupção, tem muita gente do PT como tem muita gente envolvida de outros partidos. Foi um momento lamentável, de descontrole, todo mundo com os nervos à flor da pele.

 

Serviço

Raia 30, O Musical
– Sábado (16/4), 17h30 e 21h, domingo (17/4), 18h. Teatro Guararapes - Centro de Convenções de Pernambuco. Informações: (81) 3182.8020. Ingressos: Plateia especial (filas A): R$ 180 (inteira) e R$ 90 (meia). Plateia (filas B): R$ 150 (inteira) e R$ 75 (meia). Balcão: R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia)


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