Trabalhar a partir dos escritos de terceiros é sempre um processo de captar entrelinhas, tentar preencher vazios e descobrir novas possibilidades. Quando se trata de um projeto deixado em aberto, essa tarefa ganha contornos ainda mais profundos, porque o trabalho se torna quase de co-autoria. Foi encarando o desafio deste segundo caso que o grupo Teatro Máquina (CE) lançou seu olhar sobre uma peça inacabada de Bertolt Brecht e criou Diga Que Você Está de Acordo – MáquinaFatzer, que ganha sessões hoje, às 20h, e sábado e domingo, às 19h, no Teatro Hermilo Borba Filho, dentro do Trema Festival de Teatro.
Escrita entre 1926 e 1931, A Queda do Egoísta Johann Fatzer é um trabalho intrigante dentro da obra do dramaturgo alemão. Construída a partir de cenas abertas, com muitas anotações e estudos, mas nunca finalizada, a peça fascina até hoje pelas possibilidades que articula.
A diretora Fran Teixeira se debruçou sobre o texto em seu doutorado e, finalizada a pesquisa, decidiu, coletivamente, montá-lo com o Teatro Máquina.
“O material dramatúrgico era formado por cenas muito curtas ou que precisam quase que ser completadas. Fomos criando com alguns colaboradores e desenvolvemos uma dramaturgia para ligar diferentes situações, mas mantendo a potência do fragmento. Uma cena pode virar outra sem que seja concluída e isso segue um pouco a ideia de Brecht de uma cena alucinada”, enfatiza a diretora.
A peça acompanha quatro soldados desertores confinados em uma casa com a esposa de um deles. As tensões que brotam dessa interação – e a dificuldade de se entenderem – geram o maior ponto de investigação do espetáculo, que é encenado em uma língua afetiva.
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“Quando começamos a lidar com esses pedaços de fala, entendemos que isso se refletia em tudo. Então, o espetáculo é falado em um português quase expulso. É uma palavra sofrida. No fundo, nos interessa construir imagens, o gesto, e é isso que buscamos fazer”, disse.
Em cena estão Fabiano Veríssimo, Felipe de Paula, Márcio Medeiros, Levy Mota e Loreta Dialla.
DO NORDESTE
Esta será a primeira vez que o prolífico grupo do Ceará, com 12 anos de trajetória, se apresenta no Recife. Segundo a diretora, a lógica dos editais parece sempre favorecer a troca entre grupos de diferentes regiões, o que cria lacunas internas.
“Por incrível que pareça, é muito difícil circular por aqui. Para nós, por exemplo, é mais fácil nos apresentarmos no Rio Grande do Sul do que em Pernambuco. Por isso, os festivais têm ainda mais importância, pois possibilitam essas trocas com mais ênfase”, reflete.