Curadores

Curadoria atrai os jovens

Classificada como uma das 50 profissões mais promissoras deste século, função ajuda a decodificar produção artística

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 09/06/2013 às 9:00
Foto: Ricardo B. Labastier/JC Imagem
Classificada como uma das 50 profissões mais promissoras deste século, função ajuda a decodificar produção artística - FOTO: Foto: Ricardo B. Labastier/JC Imagem
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Nem crítico, nem artista, nem marchand (aquele atravessador de luxo responsável por fazer o encontro do criador com o comprador). Jovens, cultos, ao mesmo tempo iconoclastas e sacralizadores, uma nova geração de curadores vai se firmando no Brasil. É um fenômeno mais ou menos recente: nunca, nos últimos 20 anos, houve o ingresso de tantos jovens no sistema brasileiro de artes com o objetivo não propriamente de criar, mas de dar ou ampliar sentidos ao que é criado. O curador, sim, é o sujeito que seleciona, ordena e significa as obras que vemos numa exposição ou publicação.

A despeito da pouca idade, a jovem curadoria já tem base para respaldar ou cacifar a produção da arte contemporânea da arte no Brasil. “O curador responde hoje a uma mudança maior, que é a da intensa globalização do mercado de arte. No Brasil, a curadoria já é profissão: todo projeto tem curador e a universidade ensina curadoria. Com isso, as pessoas entram cada vez mais jovens no mercado. Há quem comece com 18 anos e a ascensão é rápida, levando a funções relacionadas a poder e tomada de decisões em pouco tempo de carreira”, diz Cristiana Tejo, crítica e curadora pernambucana, ela própria um exemplo da ascensão dessa nova geração.

Moradora do Recife, ela viaja o mundo em função da arte. É, entre outras coisas, curadora do Projeto Made in Mirrors, que envolve intercâmbio entre artistas do Brasil, China, Egito e Holanda. “Muitos deles rapidamente ocupam posições de relevância no circuito e têm produzido trabalhos seminais para a compreensão da arte brasileira, contribuindo com novas proposições, diz o também curador carioca Renato Rezende, co-autor do recém lançado, pela Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro, Conversas com curadores e críticos de arte.

Não por acaso, o bureau de trabalho dos Estados Unidos classificou a função de curador como uma das 50 mais promissoras deste século. “Na era da sociedade do espetáculo, há uma exposição muito grande. Aumentou a quantidade de mostras e exposições. A Bienal de São Paulo, no Brasil, é o evento que estimulou o surgimento de novos curadores”, pontua a jornalista e pesquisadora Olívia Mindêlo. “O status do curador no campo da arte contemporânea é às vezes maior do que o do artista”, diz ela. “Mas o curador e o artista são parceiros neste campo institucional, são elos de cooperação.”

É uma mudança nítida de perfis. “A curadoria, como é vista hoje, é uma área de trabalho recente, dos anos 80 para cá, talvez dos 70. Antes, o curador era o cuidador dos acervos do museu. Hoje, é um intelectual, embora nem sempre seja um crítico. Ele é muito mais uma pessoa que está ali para dar uma visão e reforçar significados”, diz ela, que sintetiza as razões de atração de jovens para esse segmento do sistema da arte: status, empoderamento e renda.

Apesar de a arte classificada como contemporânea ser, às vezes, de difícil aproximação com o grande público, não é exclusividade desse ramo da criação a exigência de um profissional para decodificar sentidos. “Mesmo a pintura, muito mais popularizada, exige também o entendimento de certos códigos”, diz Mindêlo. “Desde que a arte foi institucionalizada, ela exige códigos. A própria definição de arte contemporânea ainda é fluida. Ela não é só a instalação, não é só o ready-made”, diz ela, confirmando uma contradição apontada por Duchamps: embora iconoclasta, a “antiarte” também busca legitimação. “Um antiartista é tão artista quanto o outro. O curador mostra a importância dessa arte.

É visível uma popularização da curadoria não só no Brasil, mas em todo o mundo”, confirma Cristiana Tejo. “Em geral, parece que a urgência maior é em países que há 20 anos não eram “central players”. Ou seja, países que não figuravam no mapa da arte internacional”, diz ela. “Não podemos negar que há uma glamourização da figura do curador e que ele exerce um poder no sistema da arte. Bienais continuam a surgir mundo afora, assim como museus, galerias não comerciais, plataformas independentes e isso obviamente gera uma demanda por novos nomes”, justifica.

Sinal da musculatura do segmento, há duas semanas, no Recife, Cristiana coordenou o Panorama do Pensamento Emergente. Durante dois dias, mais de dez jovens e influentes curadores do País compartilharam experiências e visões na cidade. “Na verdade, (o evento) trata-se de um projeto meio biográfico. Surgiu do meu interesse e necessidade de conversar com curadores da minha geração”, diz Tejo, que idealizou e viabilizou a primeira edição do evento 2004. “Quando delineei o encontro, minha interlocução se dava com curadores mais velhos, que tinham bagagem intelectual e de experiências muito diferentes da minha. Ao mesmo tempo, eu enfrentava dilemas e angústias que eram gerados pelo contexto da época e que só pessoas que também estavam iniciando seu percurso poderiam entender completamente. Meu desejo era o de trocar horizontalmente com meus pares”, lembra.

Durante algum tempo, a afirmação como curadora a incomodou. “Eu não senti exatamente medo de assumir minha função como curadora, mas desconforto durante muito tempo. Naquela altura, 2002, eu não sabia exatamente qual era a formação ideal do curador e me sentia despreparada para assumir essa função. Eu desconhecia que tornar-se um curador é um caminho diferente do de outras profissões ou atuações que são regulamentadas e que têm uma história de práticas”, diz.

A insegurança inicial não é exclusividade de Cristiana. Antes, um rito de afirmação dos profissionais jovens. “Eu tinha muitos receios em relação a assumir uma atividade que ‘define’ o que os outros vão ver, que ajuda a construir, de maneira contundente, o que será visível”, lembra a também pernambucana Clarissa Diniz, íntima de vários nomes que fazem a arte contemporânea mais instigante do País. Aos 27 anos, depois de vários projetos feitos no e a partir do Recife, ela atua como uma das curadoras do Museu de Arte do Rio (MAR).

Mesmo moradora do Rio de Janeiro, ela diz que já não é preciso migrar da cidade para nacionalizar-se profissionalmente. “Não é preciso sair de Recife pelo fato de que Recife já sai de si sozinha; estar aí é estar no mundo, como aqui ou em qualquer lugar”. A opinião não é ponto pacífico. “Para uma geração mais jovem, tornou-se quase imperativo migrar. Não há horizonte de trabalho profissional em arte contemporânea atualmente em Pernambuco e isso é lamentável. A atuação de curadoras que se formaram em Pernambuco em instituições importantes do Brasil é o sinal de que o Recife dos anos 2000 foi uma grande escola de curadoria”, diz Tejo, que se assume como cria da vigorosa atuação do Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães na década passada.

Vigor que, aliás, não mais existe. O fim de eventos como o Spa das Artes ou a desnutrição do Mamam Jovem, no Pátio de São Pedro, contribuem para esvaziar o interesse dos jovens pernambucanos pela arte. “É inadmissível que um lugar com a estatura e importância histórica e artística de Pernambuco não tenha um projeto ambicioso de política cultural. A falta de projetos interessantes e robustos já causou a migração de jovens talentos para outros estados brasileiros. Eu acho que seria importante pensarmos na fuga de cérebros e talentos para a política cultural de um Estado que se quer tão moderno e em pleno processo de desenvolvimento. Por que o crescimento econômico não pode ser acompanhado por um crescimento da qualidade e da seriedade da política cultural?”, questiona.

A carreira não tem formação ortodoxa. “Não acredito que a curadoria seja uma atividade especializada; portanto, não vejo formações obrigatórias, ou modelos únicos”, sublinha Clarissa Diniz. Além de Clarissa, duas curadoras formadas no Recife da primeira década dos anos 2000 já se mudaram: Júlia Rebouças é curadora do Instituto Inhotim (MG) e Ana Maria Maia atua no Instituto Tomie Ohtake (SP). “Infelizmente, Recife hoje é uma cidade que expulsa ou não dá oportunidades às pessoas que foram qualificadas aqui e pelo visto não deve gerar mais tantos talentos para o futuro”, diz ela, autoposicionada como uma “uma militante da tentativa de descentralização do eixo da arte para fora do Rio e São Paulo”.

Como em outros ramos, curadoria é algo que se aprende fazendo. Paulistano de Ribeirão Preto, Renan Araújo tem apenas 25 anos e já tem seu nome inscrito na geografia dos discurso da arte brasileira. Começou sem grandes pretensões. “Entre 16 e 18 anos, comecei a trabalhar como voluntário no museu de Ribeirão. Isso foi importante para entender a arte e suas demandas”, diz ele, que, pouco depois, trabalhou uma galeria comercial. “Também foi importante para entender a lógica do mercado”.

“A formação é bem diversa, mas em termos gerais a parte mais importante acontece com a prática. O que ocorre com os cursos de curadoria é uma tentativa de sistematização de certo conhecimento acumulado no campo”, diz Cristiana Tejo, lembrando que quem não é visto não é lembrado. “Numa escola de curadoria, faz-se também um networking que facilita a inserção em projetos, há a localização de pessoas que tem o mesmo interesse e que podem vir a trabalhar juntas”, sugere. Mas a cena curatorial, lembra Olívia Mindêlo, só tem sentido em paralelo a uma criação artística inspiradora. “O curador é parceiro do artista”, insiste.

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