PIRACICABA (SP) - A Bienal de Naïfs do Brasil chega à 12ª edição com o subtítulo O santuário refletido no espelho, buscando seguir a ideia de "extrapolar os limites da estética tradicional e chamar a atenção do público para novos caminhos da produção de arte popular". A inauguração da mostra que é parte desta iniciativa promovida pelo Sesc, na quinta-feira (7/8), movimentou o Sesc Piracicaba (São Paulo), onde esta bienal nasceu.
Também escritor e editor independente, o curador desta edição, Diógenes Moura, afirmou que o artista naïf "sofisticadamente abre uma janela para si mesmo". "Digo isto porque acho que é algo que o artista naïf faz, e o contemporâneo também, só que de outras maneiras. O naïf despudoradamente revela uma certa intimidade. Há muitas cenas de casamento, do interior das casas, uma forte presença da religiosidade. Uma afirmação de ser brasileiro em sua realidade", avalia ele, que nasceu no Recife e mora há muitos anos em São Paulo.
Há muitos brasis na Bienal de Naïfs, não apenas porque o número de obras é grande (106) e as origens dos artistas são diversas (são 81, de 16 Estados brasileiros). O conjunto também é múltiplo em seus temas e técnicas. Há, por exemplo, desde a presença de motes como festas populares tradicionais aos recentes protestos que ocorrem pelo Brasil, mensagens contra a homofobia, a representação de cenas da vida doméstica, da agitação de uma Estação da Luz lotada (São Paulo), de consequências do êxodo rural ou da seca no interior paulista.
Sobre as técnicas e materiais, o visitante encontra pinturas, gravuras, esculturas. Também peças criadas com o reaproveitamento de materiais como caixas de fósforo, a exemplo de Brasileiros e brasileiras, do pernambucano Augusto Japiá (Paulista), que recebeu o Prêmio Destaque de Aquisição. Os bordados marcam presença em criações como o Varal de memórias, de Elaine Buzato (Sorocaba, SP), feito com um vestido, ou a Bolsa afro-sertaneja, de Socorro Isidório (Montes Claros, MG).
Limoeirense que vive com a família em São Bernardo do Campo, Henrique Hammler fazia outro tipo de pintura antes de se dedicar ao naïf. A mudança na obra dele tem forte ligação com uma experiência familiar. "Comecei a pintar estas cenas em 1993, época em que a minha mãe faleceu, em já morava em São Paulo", resume Henrique.
O artista foi visitar a mãe quando ela ainda estava doente. Durante a viagem de três dias, o ônibus fez uma parada em Itabuna. "Ele viu uma porção de casinhas, como uma plantação de parabólicas. Depois ele me contou: - Um dia vou pintar aquela cena", afirma a esposa de Henrique, Marisa Segato. "Desde então, já fiz 200 trabalhos com esta temática", completa ele, que dá aulas de arte na cidade do interior paulista.
Também morando fora do Estado natal, só que em Santana do Parnaíba, a pernambucana Marilene Gomes participa da bienal com a pintura que mostra a Estação da Luz repleta de gente. "Pinto muito coisa relacionada com a alegria de Pernambuco. Cenas do Carnaval, o forró, a dança do coco. Quando vim morar em São Paulo, a saudade do Nordeste me fazia pintar muito. As multidões me encantam", explica a artista.
Assim como eles, há outros pernambucanos participando desta edição: Nena Borges (Bezerros), J. Miguel (Bezerros), Paulo Perdigão (Recife) e Sandra Aguiar (Olinda).
"O que foi para mim uma surpresa é que havia pouco futebol este ano. Só duas obras, produzidas antes da Copa do Mundo. Em edições anteriores havia mais. Também há poucos trabalhos com humor. Ficam perguntas como: Entristecemos? Ou nos tornamos mais conscientes? A gente vive em um país devastado pela violência, pelo crack, que aparece em duas obras pelo menos. Também surgem cenas do cotidiano, a relação da arte com a religião, o sincretismo está muito presente. Alguns também falam sobre a devastação da natureza, mostram o antes e o depois nas paisagens. A situação séria em que se encontra o Rio Piracicaba. Cito como exemplo o trabalho de Roberto Boetger (RS), há uma narrativa ali. Eu poderia escrever mil livros sobre aquelas histórias que estão dentro daquela exposição", instiga Diógenes sobre algumas das reflexões despertadas pelo conjunto.
A repórter viajou a convite do Sesc
O texto completo está no Caderno C deste sábado (9/8), no Jornal do Commercio.