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Texto do curador Raul Córdula sobre a exposição de Maurício Silva

Mostra individual Mais, Menos ou Quase Tudo entra em cartaz na Arte Plural Galeria

Do JC Online
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Publicado em 11/08/2015 às 6:02
Eugênia Bezerra/Especial para o JC Imagem
Mostra individual Mais, Menos ou Quase Tudo entra em cartaz na Arte Plural Galeria - FOTO: Eugênia Bezerra/Especial para o JC Imagem
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Longe de nós está a ideia do artista como um ser isolado, solitário, para quem o resto da humanidade não importa, uma pessoa que até o ar que respira vem de dentro de si. Não, esta imagem pode estar no imaginário coletivo marcado pelo romantismo.  No tempo de agora a arte nos instiga a esmiuçar a linguagem, adentrar à poética visual, dispensar os materiais ditos "artísticos", deslocar os espaços expositivos, atuar com seu corpo no lugar do objeto. Neste ponto se pode compreender o novo olhar ao qual a arte contemporânea nos conduz com seus aspectos materiais e psicológicos contidos na procura de novos suportes, na desmaterialização do objeto artístico, na instalação como linguagem e no acontecimento performático. Hoje a atitude do artista ultrapassa a simples criação do objeto e sendo assim seus resultados se resolvem além da vontade de contemplação que a arte tradicional propõe. 

Maurício Silva é um artista focado no aqui e no agora cuja obra se coloca além da arte, na faixa fluida que está entre a concepção e o conceito que provêm das vivências do dia-a-dia urbano e de sua própria história de vida. A autobiografia se desenrola cotidianamente em sua visão do consumo, da ecologia e da transformação que a dinâmica do mundo propõe à natureza humana. 

Maurício vive em Paris há onze anos, mas sua vivência no Recife, sua terra, não fundamenta apenas sua história, mas a história recente de nossa arte. Pensador do coletivo, ainda nos anos de 1980 fez provocações com o intuito de interligar artistas e público como a intervenção em forma de exposição Arte da Barbearia que atraiu por alguns anos jovens artistas à barbearia de Seu Isnar, nos Quatro Cantos de Olinda. Maurício pendurava ao lado dos quadros reproduções dos mestres da pintura - Van Gogh, Picasso e Matisse. A versão recifense da exposição foi instalada no Maltado-Bar n'As Galerias, no Bairro do Recife. Também participou do grupo por ele nomeado CARASPARANAMBUCO, acompanhado de Alexandre Nóbrega, Eduardo Melo, Félix Farfan, João Chagas, José Patrício, Marcelo Silveira, Rinaldo Silva, todos artistas na época pós-adolescentes que se consolidaram na maturidade.

Com muita satisfação apresentamos esta exposição de Maurício Silva composta de três séries recentes: Aller et Retour, Instrumentos na Paisagem e Suite-Pistache. É um vasto comentário que liga a arte à consciência ecológica motivada na sua rotina em Meudon, arredores de Paris, onde vive com sua mulher Anne e os filhos Maria Clara, Raphael, Pedro e Laura.

Aller/Retour é uma série de pinturas sobre uma retícula feita de colagens dos tickets do Metro de Paris que ele conserva consigo de todas as partidas, chegadas, idas e vindas. Sobre estas colagens dos tickets ele pinta conjuntos de símbolos coloridos que também agem, em sua repetição, como retículas sobrepostas à retícula material dos tickets. Com isto ele comenta o desperdício e o reaproveitamento, questões puramente ecológicas ligadas ao cotidiano inexorável, onde as coisas se desgastam, onde os materiais naturais se transformam e, nesta transformação, morrem. Mas sua generosidade vai além quando ele cobre as colagens com seus belos signos cromáticos.

Em Suite-Pistache repete-se a atitude do reaproveitamento, da sobra do que se consumiu. Neste caso a silhueta resultante do que fica da pintura de cascas de pistache sobre a tela. Diferente de Aller et Retour e paradoxalmente, o que fica do resíduo do pistache é exatamente sua ausência, pois as lindas composições marcadas pelas casquinhas são como que fantasmas, citações ou lembranças do objeto primário. Mas esta série nos fala, e fala também pelas outras duas, da quantidade, da acumulação, da multiplicação que é em nós atributo da natureza.  

Outra reação ecológica é Instrumentos na Paisagem. Ao encontrar velhas ferramentas agrícolas como, pás e enxadas, nos campos dos arredores de Meudon, ele as recolheu e as reintroduziu numa pintura de paisagem sem ponto de fuga. Esta é a instalação básica de onde surgiu outra obra que são cópias em cerâmicas destes instrumentos. Este conjunto tem duplo sentido, é apresentada como instalação em seu conjunto e como múltiplos em cada unidade. Mudando o lixo de contexto ele se torna arte pelo deslocamento de ambiente e multiplicando-o através das miniaturas ele se transforma em signo. O sentido ecológico desta série é o da abundância, a água tirada da pedra, o objeto nascendo da inutilidade.

Eis aí: do nada ao tudo, do único ao composto, do simples ao complexo. E eis um artista que vê o mundo através da dinâmica como retrato da vida em sua existência profunda.

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