Exposição

Renato Valle e Christina Machado exibem seus incômodos com a crise política

Mostra é inaugurada amanhã, no Instituto de Arte Contemporânea, da UFPE

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 13/07/2016 às 19:37
Guga Mattos / JC IMAGEM
Mostra é inaugurada amanhã, no Instituto de Arte Contemporânea, da UFPE - FOTO: Guga Mattos / JC IMAGEM
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O bom senso é uma farsa. Em seus estudos sobre como a construção de consenso social beneficia alguns extratos da população que melhor proveito sabe tirar dos símbolos compartilhados pela coletividade, o antropólogo argentino Nestor Canclini lembra como o processo de sacralização da arte é também sua morte. Os artistas visuais Christina Machado e Renato Valle parecem ter a noção: restrita nos museus a um público ilustrado e capaz de entendê-la, como se iluminado fosse, a arte seria tão contundente quanto o capacho da entrada. Aberta amanhã, uma exposição assinada pela dupla leva ao Instituto de Arte Contemporânea (IAC) da Universidade Federal de Pernambuco, no Benfica, o cheiro corrente e politizado das ruas.


“Episódio de um modelo falido?” é o nome dessa mostra em que se unem os trabalhos de Renato Valle e Christina Machado através de seus “incômodos particulares” diante da atual crise política instaurada no Brasil. Os trabalhos desfiliam-se de uma tradição mais purista. Ao não ter a pretensão de dialogar com o mais humanamente atemporal, de ter a coragem de se misturar com o noticiário mais cotidiano, a obra dos artistas se humaniza pela política.


“Essa é minha forma de participar desse debate”, diz Christina, que levou areia da Praça do Derby, onde ela participou de vários atos contrários ao processo de impeachment da presidente agora afastada Dilma Rousseff, para dentro de uma das salas do IAC. Ali, ela montou uma espécie de simulacro dos acampamentos de movimentos sociais e políticos que pretendiam lutar contra o afastamento da presidenta. Sobre um colchão, está um emaranhado de luzes em gambiarra. A sala se chama “Você está confortável?”.


“Era o que eu perguntava a todos que chegassem ali. Antes, abrigava pessoas, agora, esse colchão abriga luz”, discorre ela, que incluiu, num varal da sala, uma minicartaz com a inscrição “Quero minha presidente de volta?”. Obra em argila e ferro representando uma vagina “1, 2, 3...33” (2002) registra o posicionamento da artista contra a violência de gênero contra a mulher. Protegida por uma fileira de ferros, a escultura da vagina fica sobre um vestido preto da artista atravessado por pregos gigantes.


Menos explicitamente engajado, Renato Valle se classifica como “um político sem partido, ou um monge sem religião”. Ao lado de textos em que questiona a cordialidade ideologicamente forjada do brasileiro (“Somos violentos. Em 2112, a Organização Mundial de Saúde revelou que o Brasil teve o maior número de homicídios do planeta”, escreveu) – ele apresenta a obra “Título congelado” (2016). Consiste numa escultura efêmera de gelo com o próprio título de eleitor do artista. “Eu sou frio. Mas espero que esse gelo derreta para o título voltar a ser usado de fato”, ele comenta.


As formais mais voláteis de expressão das artes visuais, comenta Christina, possibilitam sua maior inserção no cotidiano. “As performances, por exemplo, nos facilitam estar mais perto das pessoas e dos fatos”, diz ela, que usa, nesta exposição, um roupão com a impressão de um de seus corações desenhados de fato usada numa manifestação.


A arte não reflete a política imediata apenas no Recife. No Rio de Janeiro, mais de 150 artistas se reuniram sob o coletivo Aparelhamento para leiloar obras com verba revertida para ações de resistência ao governo interino de Michel Temmer.


Episódio de um modelo falido? Abertura amanhã, às 19h, no Instituto de Arte Contemporânea, da UFPE, Rua Benfica, 157, Madalena). Visitação de segunda à sábado, das 8h às 17h. a (15), às 19h. Até 3 de agosto.

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